O engenheiro Luiz Antonio França incluiu em sua rotina de trabalho a análise dos dados de uma pesquisa semanal sobre o comportamento do mercado da construção civil e os procedimentos adotados nos canteiros de obras para evitar a disseminação do coronavírus. Desde o início da quarentena, em março, esse estudo é feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que França preside, junto a 36 de suas 42 associadas. Elas representam 60% do Valor Geral de Vendas no Brasil. São observados os números de óbitos, de infectados e os casos suspeitos da doença entre os 55 mil colaboradores em atividade no momento nos canteiros de obras.
A preocupação com os efeitos da Covid-19 no setor está diretamente relacionada à sua importância para a economia. A construção civil movimenta cerca de R$ 500 bilhões anualmente e gera 4 milhões de empregos na cadeia. A Abrainc pede a abertura dos estandes para a retomada das vendas, que, segundo França, desde o início da crise apresentaram recuo médio superior a 40% no segmento de médio e alto padrão para 85% das filiadas. Depois de anos de retração, essa indústria planejava lançar 161 mil unidades em 2020. Com a pandemia, o ano deve terminar com as vendas . “As empresas precisam vender para ter uma situação equilibrada”, afirma:
DINHEIRO – Com o fechamento dos estandes de vendas durante a quarentena, muitas incorporadoras adotaram os passeios virtuais e até imagens feitas por drone para exibir os imóveis aos clientes. As iniciativas trouxeram resultado?
LUIZ ANTONIO FRANÇA — As vendas digitais estão sendo feitas, mas não são suficientes. O setor imobiliário não fica em pé apenas com vendas on-line. As incorporadoras precisam dos estandes abertos. As empresas gastam muito dinheiro nas obras e não veem a receita entrar. É uma situação que consome o capital de giro das companhias. Portanto, é fundamental que os negócios se concretizem. Os tours virtuais e outros métodos serão cada vez mais importantes até para o cliente selecionar imóveis. Ele faz um passeio virtual por 20 empreendimentos escolhe alguns para visitar. Ainda há necessidade de as pessoas entrarem no imóvel, no prédio. Por isso a abertura dos estandes é, hoje, o principal pedido das construtoras e incorporadoras.
Quais as vantagens dos estandes para a concretização das vendas?
Ao comprar um imóvel o cliente não se limita a ele. Por mais que você tenha as ferramentas de visualização on-line, nada como andar na rua para ver o movimento, conhecer o bairro onde vai morar, constatar se na via existem árvores, ter noção da posição do sol. As pessoas que têm animais vão olhar se as calçadas são boas para passear. Observam também se há mais residências ou mais comércios na região. Para analisar tudo isso é muito importante a visita ao local do empreendimento.
Quais cuidados estão programados caso os estandes sejam autorizados a abrir?
Espaços arejados, com número limitado de pessoas no interior e que permitam o distanciamento. Você reduz drasticamente o risco de contaminação. O cliente vai ao estande se quiser e, se for, terá de se submeter a todos os cuidados: máscara, álcool. Assim como o corretor.
Como tem sido o desafio de proteger os operários nos canteiros de obras?
Grande parte do ambiente de obra é arejado. Mesmo quando vai fechando não precisa manter muitas pessoas trabalhando no mesmo local. A obra, por si só, já tem um ambiente que você não encontra nos escritórios. Não possui ar-condicionado e vidros lacrados. Os colaboradores já estão acostumados a seguir regras e a utilizar equipamentos de proteção. Foi muito fácil implantar os protocolos necessários para garantir a segurança do trabalhador nos canteiros.
Quais, por exemplo?
Turnos para entrar, para comer, para tomar banho. E pode parecer coisa de criança: você põe um ‘x’ onde não é para o cara sentar para garantir o distanciamento quando ele for comer em um ambiente com outras pessoas. Todos os cuidados são tomados, especialmente nos elevadores conhecidos como cremalheiras. Ali é limitado o número de pessoas que podem utilizar ao mesmo tempo e umas têm de estar de costas
para as outras.
Esses cuidados têm se mostrado eficientes para evitar a transmissão da doença nos canteiros de obras?
De 55 mil funcionários em atividade pelo Brasil nos canteiros de obras, tivemos oito mortes [segundo pesquisa da Abrainc, até a quinta-feira 28, eram 569 infectados e 1.600 casos suspeitos]. Isso não quer dizer que eles pegaram o vírus na obra. Além disso, as empresas fazem com que os funcionários levem as boas práticas para casa. Quer seja por meio de palestras e orientações realizadas nos canteiros ou pelo envio de kits de higiene para as residências. É o primeiro pilar — preservação da saúde — que definimos na pandemia. Isso tem resultado importante: manutenção de emprego. Imagine esse pessoal sem trabalhar, sem poupança, sem capital de giro para aguentar.
Qual a importância do setor para a economia e na retomada após a pandemia?
Em qualquer economia o segmento de construção puxa o Produto Interno Bruto (PIB) para cima. Temos séries históricas que provam isso no Brasil. O exemplo mais recente é do ano passado, quando verificamos que o PIB brasileiro teve uma variação de 1,1% e o PIB da construção civil de 1,6%. Quem puxa PIB, puxa emprego. É uma mão de obra que tem qualificação, mas não é extremamente qualificada. O setor consegue empregar muita gente quando vem o crescimento de obras. Por isso, quando a gente olha os empregos formais no Brasil no ano passado, constata que 11% eram do segmento da construção.
Como será o médio e longo prazo do setor?
O País possui um déficit de 7,8 milhões de moradias. Temos um volume muito grande de unidades a serem construídas. E um volume de formação de famílias que nos próximos dez anos nos dará uma necessidade de construir 9,6 milhões de residências. Qualquer coisa que se faça de positivo para esse segmento vai puxar a economia fortemente. O setor tem capacidade rápida de geração de emprego, o que é uma notícia boa para o Brasil e importante para a redução da pobreza.
Quantos empregos são criados na cadeia em períodos sem crise?
Entre diretos (mão de obra), indiretos (fornecedores) e induzidos (prestadores de serviços após a entrega do imóvel) são mais ou menos 4 milhões. Temos um potencial de geração de empregos, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas, que pode chegar a 7,5 milhões por ano, se tivermos uma economia ativa. Se multiplicarmos 7,5 milhões de pessoas e imaginar que cada família dessas tenha três, quatro indivíduos, estamos falando de o setor estar sustentando cerca de 28 milhões de pessoas. Mais de 10% da população brasileira.
No ano passado, a Caixa Econômica Federal disponibilizou R$ 70 bilhões em linhas de crédito imobiliário. Desde o início da pandemia, esse montante já atingiu R$ 154 bilhões, que se somam a outras medidas de incentivo ao setor. Essas iniciativas são suficientes?
Ainda há a necessidade de algumas medidas anticíclicas para facilitar a compra dos imóveis, como redução da taxa de juros. Isso é viável porque no Brasil estamos com taxas históricas muito baixas. Chegamos a propor aos bancos, entre produtos para médio e alto padrão, algo que já houve no Brasil e que funciona nos Estados Unidos: a dedução dos juros do financiamento ao pagar o Imposto de Renda. Esse estímulo serve para a vida inteira do financiamento. É superavitário para o governo. De um lado, o governo deixa de abater o juro no Imposto de Renda. Do outro, isso está fazendo com que fomente a economia, o que gera uma receita de tributos.
É possível comparar a crise atual com a ocorrida em 2008?
Diferentemente da crise de 2008, quando a camada de baixo da população sofreu muito e a camada mais alta, menos, acho que a situação se inverteu desta vez. Quem sofrerá mais do ponto de vista de recessão e eventualmente perderá poder aquisitivo serão as classes mais altas e, com as medidas adotadas pelo governo para preservação dos empregos, a folha salarial da classe mais baixa deve ser preservada.
As construtoras e incorporadoras focadas no mercado de baixa renda promovem leilões para pôr fim aos estoques. Algumas delas chegaram a declarar que, neste ano, realizaram o maior número de vendas em abril, em plena crise. Isso confirma o que o senhor acabou de dizer sobre o impacto da pandemia nas camadas sociais?
O segmento do Minha Casa, Minha Vida está sendo muito resiliente à crise, o que já é histórico. A crise não afeta o mercado de baixa renda por causa do grande número de pessoas que precisam de suas moradias em razão do déficit habitacional no País. Caso contrário, teríamos demissões [no setor]. E temos de analisar uma coisa muito importante: a obra tem um ciclo.
E, quando ela acaba, para a empresa não demitir, precisa iniciar outra construção. O ideal é que se iniciem mais obras. Aí você gera mais empregos. Precisa ter isso rodando. Com o Minha Casa, Minha Vida estamos conseguindo manter essa dinâmica.
E o mercado de médio e alto padrão?
Nesse segmento, que apresentou um recuo médio superior a 40% nas vendas desde o início da pandemia, um pleito nosso ao governo federal foi um prazo maior para a construtora desistir da incorporação, atualmente de 180 dias. Hoje, a empresa faz uma leitura de mercado, mas não sabe como vai caminhar a pandemia nem qual será o comportamento do comprador. O risco é que se não vender terá de recuar. O que estamos pedindo é que esse prazo de desistência da incorporação seja de 180 dias após o término da calamidade. Com isso, as companhias poderão fazer os lançamentos e, com a melhora do mercado, já terão produtos sendo vendidos para começar a construção. Isso ajudará dentro da retomada da economia brasileira. O governo analisou, achou que procede e está fazendo estudos técnicos.
O senhor acredita que a pandemia possa aumentar o interesse das pessoas pelo investimento em moradia?
As pessoas não estavam acostumadas a ficar tanto tempo em casa. Agora, estão sentindo algumas necessidades, como mais espaço. Vão querer que as suas residências sejam lugares mais saudáveis, que ofereçam bastante bem-estar. E, como a adoção do home-office é uma tendência natural, muitas vão repensar a situação e querer morar num local ainda melhor.