Tão almejado por milhões de brasileiros, o sonho da casa própria está se transformando em um pesadelo. Em apenas dois anos, o número de imóveis em leilão quintuplicou, revelando o impacto devastador da inadimplência. Só em 2024, impressionantes 47 mil imóveis foram colocados à venda pela Caixa Econômica Federal, instituição responsável por 70% dos financiamentos imobiliários no país.
Trata-se de um reflexo direto das adversidades enfrentadas pelas famílias brasileiras que, em decorrência da impossibilidade de quitar as dividas do financiamento têm seus imóveis levados a leilão.
Em muitos casos, a dificuldade financeira resultou dos efeitos deletérios da pandemia de covid-19 na economia, uma vez que, segundo estudo realizado pelo IBGE, o número de desempregados foi de aproximadamente 15,2 milhões no primeiro trimestre de 2021.
Os financiamentos imobiliários são majoritariamente garantidos com alienação fiduciária, modalidade na qual o comprador transfere a propriedade do bem para o credor (instituição financeira) como garantia de pagamento da dívida; ou seja, o imóvel fica em seu nome até que o devedor quite todas as obrigações.
Nessa situação, constatada a inadimplência nas parcelas do financiamento imobiliário, o devedor é notificado por meio do cartório de registro de imóveis para regularizar o débito. Caso a dívida não seja quitada, a propriedade do imóvel é consolidada em nome do credor, que deverá proceder com o leilão do bem para a satisfação do montante devido.
O cenário enfrentado por quem buscou realizar o sonho da casa própria por meio de financiamentos imobiliários, mas não conseguiu cumprir com as obrigações financeiras, é desolador. Como se não fosse suficiente, é pouco provável que consigam reaver qualquer valor das parcelas já pagas.
Isto porque, em decisão proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prevaleceu o entendimento de que, nos casos de resolução de contratos de compra e venda de imóveis garantidos por alienação fiduciária, a controvérsia deve ser analisada com base na Lei nº 9.514/97 (Lei de Alienação Fiduciária), em detrimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Portanto, em caso de inadimplência, o imóvel é levado a leilão para quitação da dívida, e o saldo remanescente – se houver – deve ser devolvido ao devedor. Contudo, é praticamente impossível que o devedor receba quantias significativas após o leilão.
Ocorre que, sobre o montante arrecadado, ainda incidem custos administrativos, taxas de leiloeiro e eventuais débitos vinculados ao imóvel, como IPTU e condomínio. O valor final é, na maioria dos casos, insuficiente para gerar qualquer saldo relevante a ser restituído ao devedor.
Dados apresentados pelo Indicador de Inadimplência realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) evidenciam que a inadimplência no Brasil atingiu 68,11 milhões de consumidores em outubro de 2024.
É urgente que o Poder Público apresente iniciativas concretas para reduzir os juros e controlar a inflação, enxergando a realidade enquanto ainda há tempo para reverter o cenário alarmante que se avizinha.
Do contrário, nos restaria apenas concordar com as sombrias reflexões elaboradas por Fiodor Dostoiévski, em sua obra “Os Irmãos Karamazov”, ao narrar as dificuldades do personagem Mitia que, em seu sofrimento constante, busca desesperadamente resolver suas dívidas e melhorar sua vida, mas acaba afundando-se ainda mais em um ciclo de miséria e desilusão.