A atual pandemia acerca do Covid-19 trouxe inúmeras consequências para as relações jurídicas, dentre elas, a revisão dos contratos nos mais variados setores.Todavia, engana-se quem acredita que essa possibilidade de revisão contratual é algo novo. Desde os escritos de São Tomás de Aquino, os estudiosos já analisavam a necessidade de mitigação das obrigações pactuadas em casos excepcionais. Assim, havendo alteração significativa das circunstâncias existentes no momento da promessa, foi-se constatada a necessidade de alteração dos termos previamente pactuados para resguardar os direitos das partes envolvidas.
Estamos diante da rebus sic stantibus que, em tradução livre do latim, significa “estando as coisas como estão”. Referida expressão possui origem no Direito Canônico, sendo atrelada ao princípio da imprevisão. Tal princípio ensina que, na ocorrência de fato imprevisto e imprevisível, posterior à celebração do contrato diferido ou de cumprimento sucessivo, que torne a prestação por uma das partes excessivamente custosa, implica alteração nas condições da sua execução ou até mesmo a rescisão contratual. Inclusive, este é o disposto no artigo 478 do Código Civil de 2002.
Cabível colar a íntegra do referido dispositivo legal:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
Acerca do setor imobiliário, especificamente sobre os contratos de locação de imóvel, temos que tanto o locador quanto o locatário estão sendo atingidos pelos reflexos da crise instaurada em razão da pandemia. Porém, apenas uma das partes não pode cumprir com as obrigações contratualmente estabelecidas: o locatário.
Quanto ao locador, este sofre indiretamente, uma vez que, na maioria dos casos, a renda auferida com os alugueres compõe grande parte, se não a totalidade, de seu orçamento familiar, sendo preferível o adimplemento parcial dos alugueres ao esvaziamento de seu imóvel e incerteza de novo contrato em tempos de pandemia.
Quanto ao locatário, são inúmeros os casos de pessoas que perderam seus empregos, tiveram seus contratos suspensos ou sofreram diminuição em seus vencimentos. Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o desemprego atingiu a taxa de 12,6%, sendo que 12,8 milhões de brasileiros estão desempregados.
Aliado ao desemprego, tem-se o fato de que o país apresenta alto índice de inadimplência entre seus cidadãos, sendo que ainda em janeiro de 2020 foi apurado que 66% dos brasileiros estão endividados.
Portanto, o locatário (muitos já possuíam suas dívidas), foi forçado a deixar de trabalhar, não conseguindo cumprir com a integralidade da prestação acerca dos alugueres. Ou ainda, se tratando de imóvel comercial, a empresa está impossibilitada de praticar suas atividades mercantis em razão de determinação governamental, não dispondo de caixa para arcar com todas as obrigações previamente assumidas.
Nesse ambiente, foi necessária a revisão contratual com negociações entre inquilinos e proprietários.
As soluções mais utilizadas atualmente são: a) Descontos dentre 20% a 50% da mensalidade dos alugueres; b) Redução nos valores em até 50% pelos próximos meses, com a posterior cobrança.
Cabível registrar que em 12.06.2020 entrou em vigor a Lei n. 14.010/20, que dispõe sobre o regime jurídico durante a pandemia e, maiormente, que no ato da sanção presidencial foi vetado o dispositivo que suspendia, até outubro, a concessão de liminares para despejo de inquilinos por atraso de aluguel ou fim do prazo de desocupação acordado.
O bom senso vem guiando referidas relações jurídicas, sendo que tais renegociações apresentam resultados positivos em todo o país. Dessa forma, tendo em vista a retomada de medidas restritivas em diversas regiões do país, as tratativas extrajudiciais serão imprescindíveis para continuar regulamentando as relações jurídicas ao menos até o final de 2020.