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03/03/2023

Os desafios para o novo Minha Casa, Minha Vida cumprir seu papel (Valor Econômico)

Preocupação social e viabilidade econômica devem ser conciliadas na nova versão do programa habitacional

Por Ana Luiza Tieghi  

Fevereiro foi marcado no setor imobiliário como o mês da volta do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). O programa habitacional lançado na gestão de Lula, em 2009, havia se transformado em Casa Verde e Amarela (CVA) no governo Bolsonaro e deixado de oferecer a modalidade com subsídios quase totais, bancados com recursos da União, para a faixa com menor renda, que recebia até R$ 1.800 mensais. 

O novo MCMV terá foco justamente nesse grupo, agora promovido para rendas de até R$ 2.640, segundo medida provisória publicada no último dia 15. 

O governo já havia anunciado que R$ 10 bilhões em recursos vindos da PEC da Transição iriam para o novo programa, e que metade desse montante seria destinado para atender a faixa 1 - o MCMV tem ainda mais duas faixas, para rendas de até R$ 4.400 e R$ 8 mil ao mês, que no CVA recebiam subsídios limitados a R$ 29 mil. Detalhar como esse recurso será distribuído cabe agora ao Ministério das Cidades, comandado por Jader Filho (MDB-PA). 

Para Hugo Grassi, analista de mercado imobiliário do Citi Bank, há duas dúvidas principais, que vão nortear a precificação dos ativos envolvidos na política habitacional: primeiro, é preciso saber quanto desses bilhões vão chegar aos grandes “players” do setor, como as incorporadoras MRV, Cury, Direcional, Plano&Plano e Tenda. É preciso também entender se haverá recursos da União para as faixas superiores da política, ou se elas continuarão sendo atendidas apenas pelo FGTS. 

O funcionamento da faixa 1 ainda não está claro e as grandes incorporadoras estão “reticentes” e “esperando para ver” o que vai acontecer antes de tomar uma decisão, segundo André Mazini, que lidera a equipe de analistas do Citi. “O ideal é que seja criada uma conta apartada, como um patrimônio de afetação do faixa 1, e que o dinheiro seja colocado nela, para as construtoras terem certeza que não vai faltar, mas não temos indicação de que isso vai acontecer”, diz. 

A preocupação vem do fato de que entre 2014 e 2016 houve atrasos no repasse de recursos para as companhias que tinham projetos na faixa inicial. 

Em 14 de fevereiro, quando participou da entrega de um empreendimento do programa que estava com obras atrasadas, Jader Filho reforçou que a meta é ter 2 milhões de moradias feitas pelo MCMV até 2026. 

Mazini analisa que metade dos R$ 10 bilhões seriam suficientes para 50 mil residências totalmente subsidiadas, se cada uma custar R$ 100 mil. “Dificilmente vão conseguir sustentar esse patamar de lançamentos só com unidades 95% financiadas”, afirma Grassi. 

No relançamento do programa, o governo ressaltou que haveria um foco em levar as moradias para mais perto das áreas que já possuem infraestrutura, diferentemente do modelo mais comum, de construir em grandes áreas nas periferias urbanas. Também foi destacada a possibilidade de locação social e de retrofit (reforma e mudança de uso) de imóveis abandonados. 

Para Margareth Uemura, coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, organização da sociedade civil que faz assessoria de políticas públicas, é fundamental que mudanças de diretrizes, como as citadas acima, ocorram. 

Ressalta ainda ser preciso mudar a escala dos projetos imobiliários do MCMV, para dar mais qualidade de vida aos moradores. Segundo ela, já está comprovado que as construções em grande escala destroem os conjuntos habitacionais com o passar do tempo. “A lógica de ter enormes áreas para construção não é a mais adequada”, afirma. 

Conjuntos menores seriam mais fáceis de gerir e mais amigáveis para uma população que, em geral, está habituada a morar em casas isoladas e unifamiliares. 

A locação de unidades, em vez da exclusividade da posse, pode ajudar a trazer famílias para mais perto dos centros urbanos, diz Uemura. “Poderiam fazer isso em imóveis da União em áreas centrais”, analisa. 

Ela sugere um modelo de concessão, no qual as famílias paguem pela manutenção do imóvel e possam mudar de casa quando for mais conveniente, em vez de ficar fixas em um local, muitas vezes longe do trabalho, educação, saúde e lazer. 

Para a coordenadora, ao fazer megaprojetos em áreas periféricas, se está apenas “jogando para a frente” o problema do déficit habitacional, porque as famílias não vão permanecer naqueles espaços por muito tempo e vão mudar para outras áreas, sejam elas regulares ou não. 

Na visão de Mazini, tentar aproximar a moradia de interesse social das áreas com infraestrutura é boa política pública, mas pouco viável pelo custo dos terrenos. “Sou cético com isso, não dá para fazer milagre”, diz. “Dá para levar infraestrutura urbana para onde está sendo o faixa 1”. Se a operação não der lucro, não haverá companhias dispostas a construir. 

Já Uemura pontua que levar a infraestrutura sai mais caro ao poder público, enquanto é vantajoso para quem constrói. “Ele faz e vai embora”. 

Um ponto da medida provisória pode ajudar nessa questão. Grassi lembra que há um pedido para que as prefeituras delimitem nos planos diretores áreas com zoneamento exclusivo para habitação de interesse social, e que sejam próximas dos centros urbanos. “[O terreno] passa a não ser elegível para habitação tradicional, isso derruba o valor de mercado”, diz. No entanto, esse apelo já foi feito em 2009, antes do início do MCMV, e não foi amplamente atendido. 

Outra esperança das entidades da sociedade civil para mudar o tipo de habitação feita no programa é o MCMV Entidades, parcela da política que teve pouco destaque na gestão anterior do PT, tendo recebido menos de 3% do orçamento do programa. Agora, no entanto, pode haver mais vontade política para ampliá-lo. “Há dívidas políticas com o Boulos”, afirma Grassi. 

Uemura vê no Entidades a chance de organizações locais escolherem os terrenos mais adequados para as moradias e criarem, desde o início, uma comunidade para aquele projeto, o que ajuda na convivência dos moradores e na manutenção dos prédios. “A escolha é feita pelos moradores, o projeto é discutido, é um sistema mais participativo”. Resta saber como isso será abordado no programa. “Essas combinações não estão claras, mas as iniciativas são positivas”, diz. 

FONTE: VALOR ECONôMICO