Quem diz que o investidor é desatento, desligado, não acompanha o que está acontecendo e, portanto, não reagiria aos movimentos de mercado, deve estar repensando suas crenças.
As taxas de juros já haviam iniciado 2019 em patamares baixos para os padrões históricos brasileiros (meta Selic de 6,5% a.a.) e cederam ainda 2 pontos percentuais, fechando o ano em quase inacreditáveis 4,5% a.a.
Nesse cenário, os brasileiros correram para a bolsa de valores e outras modalidades de investimento mais sensíveis à conjuntura econômica e aos eventos políticos, locais ou internacionais. Ou seja, passaram para alternativas de investimentos que embutem maior risco de mercado, aquele que faz a rentabilidade da sua aplicação variar mais fortemente ao sabor dos humores da realidade.
Entre os investimentos que se destacaram no ano de 2019, os fundos de investimento imobiliário (FII) ocupam um lugar de destaque no pódio.
Segundo dados da Anbima, em 2019, o volume de emissões atingiu R$ 35,8 bilhões, enquanto o número de ofertas bateu 150 operações, crescimento de 128% e 35%, respectivamente. O número de fundos em atividade alcançou 426, e o número de cotistas nesses fundos registrou o impressionante crescimento de 176%. Hoje são 1,4 milhão de investidores (com possibilidade de sobreposição) contra pouco menos de 400 mil em dezembro de 2018.
Sobre a rentabilidade, o Ifix (Índice de Fundos Imobiliários), calculado pela B3, acumulou uma rentabilidade de 35,98%. Ou seja, as cotas dos fundos negociados na Bolsa, em média, se valorizaram em quase 36%.
Só boas notícias, dignas de comemoração e renovada esperança em um ano pelo menos parecido.
Mas, no que tange à nossa preocupação com educação financeira, vale a pena lembrar que os fundos imobiliários não são todos iguais. Como qualquer outro investimento, ele está alicerçado em uma tese de investimento que comunga de crenças e impõe riscos intrínsecos as suas apostas.
Para exemplificar, vamos recorrer à classificação Anbima de fundos imobiliários, em que estes são classificados pelo seu mandato e tipo de gestão.
O mandato pode ser definido como o risco inerente aos ativos do fundo e a forma como o gestor enxerga as fontes de geração de valor das cotas, a partir destes ativos.
Diante da impossibilidade de criar classificações precisas para todas as teses existentes no mercado, naturalmente, a Anbima definiu mandatos mais amplos e/ou que fossem mais frequentes. Foram selecionados cinco:
Desenvolvimento para renda
Desenvolvimento para venda
Renda
Títulos e Valores Mobiliários
Híbrido
Os dois primeiros, de desenvolvimento, são definidos como fundos cujo objetivo é gerar valor por meio de desenvolvimento e incorporação de empreendimentos imobiliários. Ou seja, eles correm os riscos inerentes ao processo de construção, podendo englobar desde a escolha do terreno, passando pelas licenças até a obra em si.
A diferença está no fato de que aqueles de renda pretendem gerar um fluxo de caixa advindo das locações, que podem ou não já estarem contratadas, enquanto o segundo está mais focado na valorização dos imóveis e nos ganhos provenientes das alienações.
Bem diferente a forma como geram valor, certo?
O terceiro, o fundo de renda, não corre risco de construção. Os recursos captados junto aos investidores são utilizados na aquisição de imóveis acabados, prontos, que serão alugados. Neste caso, o comportamento seria algo similar a um fundo de dividendos, que espera obter a maior parte de seu retorno do fluxo de caixa dos dividendos, mas que também oscila em função da valorização da empresa ou do imóvel.
O quarto, títulos e valores mobiliários, busca extrair valor da seleção dos ativos financeiros feita pelo gestor. Estes ativos geralmente são os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) ou cotas de outros fundos imobiliários. Nesse caso, a expertise do gestor deve se concentrar tanto na seleção dos papéis, como também no conhecimento dos imóveis que lastreiam os ativos.
Por fim, o híbrido, que é a mescla de todos os anteriores. Alguém que não se compromete em concentrar em qualquer dos mandatos definidos.
Para definir a classificação do fundo, deve-se associar a cada mandato o tipo de gestão a ser adotada, ativa ou passiva.
A diferença básica entre elas reside na liberdade de escolha permitida ao gestor do fundo. Na gestão passiva, os imóveis que comporão a carteira do fundo já devem estar previamente definidos em seu regulamento ou este deve ter como objetivo acompanhar algum benchmark do setor imobiliário. Já na gestão ativa, os gestores têm maior liberdade para selecionar os investimentos do fundo.
Adicionalmente, a classificação é complementada com o segmento de atuação do fundo. Por exemplo, lajes corporativas, agências bancárias, shoppings, etc.
O ano de 2019 foi muito bom. Em momentos como esse, parece que a lei da gravidade é revogada e várias classes de ativo atingem a estratosfera. Mas o certo é que exuberância não dura para sempre. O investidor deve sempre lembrar que, ao comprar cotas dos fundos imobiliários, ele correrá os riscos intrínsecos a este setor. Nessas horas é que percebemos a importância de comprar boas teses de investimento e capacidade de execução.
Escolher investimentos que não foram muito bem faz parte do jogo. O problema é não saber o que escolheu.