É consenso: os shoppings centers são os mais prejudicados hoje pela freada da economia dentro do mercado de fundos imobiliários. A impressão que se dá é que nem os próprios gestores que têm esses ativos na carteira entendem ainda o tamanho do rombo e por quanto tempo ele vai durar. Quem tem caixa, se sai melhor, com certeza. Mas, em uma situação que, mesmo com o fim do isolamento social, as pessoas tenham receio em frequentar lugares abarrotados de gente e prefiram manter o hábito recém-adquirido de comprar pela internet, a ferida pode ser mais profunda do que se imagina. Isso sem contar a queda da atividade econômica, que, obviamente, vai fazer as vendas derreterem.
Em uma live promovida pela Eleven Financial, Ricardo Almendra, presidente e fundador da RBR Asset, falou que a expectativa da gestora é que os fundos de shoppings se recuperem, claro, mas demorariam ao menos três anos para chegarem ao nível de antes da coronacrise. Pedro Carraz, gestor da XP Asset e responsável pelo maior fundo de shoppings do país, o XP Malls, até jogou para dois anos a previsão, mas concordou que a recuperação será lenta.
“Os shoppings estão parados, mas quando olhamos e fazemos previsão para um horizonte de três a cinco anos, não faz sentido o portfólio de shoppings cair 30%. Em termos de valor patrimonial de ativos de um XP Malls, por exemplo, que tem na carteira importantes shoppings em São Paulo, o preço do metro quadrado do portfólio está mais barato do que eu paguei para comprar ano passado este apartamento no Itaim”, disse Almendra durante o bate-papo on-line na terça-feira da semana passada, à tarde.
Enquanto o Ibovespa sofria seis "circuit breakers" (suspensão temporária dos negócios depois de queda percentual acentuada), os investidores também penalizavam os fundos imobiliários. Em março, o IFIX, índice que mede o comportamento de uma cesta de Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs), se desvalorizou 16%, acumulando no ano 22% de prejuízo. Em abril, o mercado de capitais em geral está mais “comportado”, menos volátil, e o IFIX sobe 2,62%, até dia 17.
“Os preços das cotas dos fundos imobiliários caíram por três motivos principais: aumento da incerteza, que leva o investidor a preferir ativos menos arriscados; aumento da taxa de juros soberana; e deterioração da expectativa de retorno do ativo imobiliário, esse último um fator intrínseco aos ativos imobiliários detidos pelos fundos”, comenta Mauricio Xavier, gestor de fundos de crédito privado da gestora Rio Bravo.
Ele explica que a crise terá algumas consequências fáceis de se prever no segmento: os shopping centers fechados irão perder receita, os imóveis corporativos terão menos espaço para aumento de aluguel em revisões e os fundos que compram dívida imobiliária já sentem aumento no risco de inadimplência ou atraso nos pagamentos.
Mas, na bolsa, nem todo mundo cai igual. Os fundos de shoppings são os piores. Dos 10 FIIs que mais perderam no período de 21 de fevereiro (antes de começar a turbulência nos mercados) até o fechamento de 17 de abril, oito são de shoppings e dois de lajes corporativas.
O que mais acumula prejuízo na crise, o General Shopping Ativo e Renda, dono de fatias nos shoppings Shopping Bonsucesso e Shopping Maia, ambos em Guarulhos (SP), perdeu quase 43%. O XP Malls, segundo pior, caiu 33,6%.
“Os FIIs de tijolos mais comuns são galpões, shoppings e escritórios. Os shoppings, sem dúvida, são os que terão que fazer mais concessões por prazos maiores. Acaba a crise de saúde, fica a a da economia”, diz Almendra.
Apesar de ter na carteira do fundo de fundos o XP Malls, a RBR não aumentou a participação no produto agora porque o segmento está “no olho do furacão” e é difícil entender a profundidade do problema e reforçou que o fundo da XP deve demorar “uns três anos” para recompor o nível de receita visto recentemente, mas antes da crise.
Dividendos
A grande vantagem de se investir em fundos imobiliários e que no ano passado foi amplamente propagada por consultores, assessores de investimentos e plataformas é a possibilidade de ganhar em duas frentes: com a valorização da cota ou com os rendimentos dos imóveis (em caso de fundo de tijolo) ou papéis (em fundos de títulos de dívida do setor). E esses dividendos são isentos de Imposto de Renda.
Mas a crise está colocando em xeque quanto os investidores receberão de dividendos e até se receberão algo, já que os imóveis em geral e os shoppings em especial podem decidir segurar no caixa o dinheiro para fazer frente à queda de receita.
Até agora, ao menos oito fundos já anunciaram a suspensão da distribuição de dividendos referentes a março para preservar caixa. O XP Malls foi o primeiro. Outros vieram na sequência, como o FII Shopping Pátio Higienópolis, o FII Via Parque Shopping, o FII Grand Plaza Shopping, o FII Shopping Jardim Sul, o FII Floripa Shopping, o FII Votorantim Shopping e o FII Ancar IC Conjunto Nacional Brasília foram outros que já cortaram o rendimento. Conforme legislação vigente, há a obrigatoriedade de distribuição de 95% do resultado do fundo dentro do semestre, a qual será cumprida.
A Vinci Partners, gestora do FII Vinci Shoppings Centers, outro grande do segmento, acabou decidindo pagar dividendos em março, mas deixou claro no comunicado que o pagamento do mês não significa que ela irá continuar adotando a mesma postura dali em diante, abrindo portas para a suspensão em abril, por exemplo.
A própria XP falou em fato relevante que a política de distribuição de rendimentos dos próximos meses será avaliada com calma. Na live da Eleven, o gestor do XP Malls adiantou que há “uma chance real” de resultado negativo nos próximos dois a três meses, mas que o fundo tem resultado real suficiente para abater despesas.
Na live, Carraz, gestor do XP Malls, explica que está sendo “um dia depois do outro” e que os shoppings do portfólio recebem diversos pedidos de lojistas todos os dias, que estão sendo analisados caso a caso.
“Tentaremos ajudar em prol do médio e longo prazo, para sobrevivência do business. Quanto mais a gente conseguir ajudar o lojista, facilitando pagamento, ou diminuindo a taxa de condomínio, postergando aluguel e até auxiliando para pequenos empresários a cortar custos por meio de mentorias, melhor sairemos da crise. Uma coisa é certa: a venda no dia seguinte da quarentena não será igual ao imediatamente anterior à quarentena. Por isso, quanto mais nos ajudarmos, mais rápido sairemos da crise”, explica o executivo a posição da XP.
O XP Malls tem quase R$ 2 bilhões de patrimônio líquido e 187 mil cotistas. No seu portfólio estão: Shopping Cidade Jardim, Catarina Fashion Outlet, Internacional Shopping Guarulhos, Santana Parque Shopping, Shopping Cidade São Paulo, Plaza Sul Shopping, Caxias Shopping, Downtown, Shopping Bela Vista, Shopping Ponta Negra, Natal Shopping e Parque Shopping Belém.
Para Carraz, a diversificação é uma vantagem do fundo, ainda mais porque cada estabelecimento tem dezenas – alguns mais de 100 – de locatários, o que pulveriza o risco de calote. Outra boa notícia é que a taxa de vacância estava baixa, em 4%, no período anterior à quarentena.
Os quase R$ 100 milhões em caixa também ajuda a minimizar os problemas do fundo, assim como a renegociação da dívida tomada em 2018 para financiar parte da aquisição do shopping da JHSF. A XP conseguiu carência de 15 meses (até junho de 2021) para pagamento de juros e correção monetária, o que alivia bem o caixa durante esse período. Segundo Carraz, esse era o maior problema que o fundo tinha.
Para a XP o grande problema se concentrará no primeiro semestre, não afetando a política de dividendo da segunda metade do ano. “Em dois a três anos voltaremos aos padrões pré-crise. A mensagem é ajudar pequenos e médios, assim como ajudamos quatro anos atrás”, diz.
Dimensão do problema
São 580 shoppings no Brasil, com mais de 105 mil lojistas em shopping centers, que empregam cerca de 3 milhões de empregos diretos e indiretos. Geralmente, as empresas alocadas nestes prédios comerciais pagam três contas principais: aluguel, condomínio (que inclui despesas com energia elétrica, segurança, limpeza e manutenção em geral) e fundo de promoção, para ser usado em campanhas de marketing para atrair público.
Segundo Carraz, da XP, a inadimplência do pagamento dos condomínios, cujos boletos vencem no dia 5 de cada mês, geralmente, hoje está em torno de 30% a 40%, bem acima do que seria o normal (sem dizer quanto é em média), ao menos nos que seu fundo tem na carteira.
“Apesar de lojistas terem faturado algo em março, não conseguem pagar as contas, principalmente franquias de pequenas e médias marcas. Uma parte das companhias vai ter caixa para honrar os compromissos, mas outra parte não terá e todos os proprietários de shoppings vão precisar aportar a diferença nos seus condomínios. Tem chance real de terem despesas, de terem resultado negativo”, diz Carraz.
Alguns shoppings já comunicaram que vão suspender temporariamente o pagamento do aluguel, para que seja discutido depois da reabertura comercial. Outros também já falaram que vão dar desconto do aluguel agora. A receita que os shoppings tinham proporcional às vendas dos lojistas, por exemplo, já é praticamente zero hoje. Mesmo os fundos de promoção já foram reduzidos por estabelecimentos.
O mais controverso é o condomínio, já que os imóveis continuam com seguranças, faxineiras, despesas mínimas com energia e outros gastos recorrentes. Os boletos dos condomínios já estão, segundo o gestor da XP, 20% a 40% menores do que o habitual. O risco que cresce agora é de judicialização.
Judicialização
Na semana passada (dia 15), o Tribunal de Justiça do Paraná suspendeu, por liminar o pagamento de aluguéis e fundo de promoção e propaganda pelo período de 90 dias a duas redes de alimentação do ParkShoppingBarigui, em Curitiba (PR), que pertence ao grupo Multiplan. Nos últimos dias, o risco de um crescimento da judicialização dos contratos dos shoppings e lojas de rua no país tem sido colocado na mesa de reuniões e discussões do setor.
Um levantamento feito pelo Valor Econômico também mostra aumento de processos de grandes grupos de shopping centers contra lojistas por causa de inadimplência contratual, envolvendo até pedido de despejo de comerciantes.
Grandes grupos de shoppings, como Iguatemi, Multiplan, BRMalls e Aliansce Sonae, segundo a reportagem do Valor, iniciaram conversas para, por exemplo, dar descontos em aluguel e não cobrar fundo de promoção para alguns lojistas. Mas essas são negociações feitas isoladamente, caso a caso.
Por outro lado, grandes redes de varejo que somam centenas de pontos em shoppings, como Lojas Renner, C&A, Marisa, Via Varejo e Magazine Luiza - abriram conversas para rever o valor de aluguel de lojas de rua e de espaços em shopping centers, de acordo com outra reportagem do Valor. A Via Varejo, por exemplo, inicialmente suspendeu pagamentos a locadores de suas mil lojas e de seus centros de distribuição, o que surpreendeu proprietários.
A grande questão é quem vai arcar com o prejuízo dos shoppings fechados por mais de um mês. Na sexta-feira, por exemplo, o governador de São Paulo, João Doria, estendeu até dia 10 de maio o isolamento social e o fechamento dos estabelecimentos. Ou seja, mais algumas semanas sem receita para todos.
Para Carlos Ferrari, especialista em mercado de capitais do escritório NFA Advogados, a imprevisibilidade dessa crise vai ser usada como um argumento para a suspensão ou revisão de contratos, mas ele precisa ser usado com cautela. Dívidas de antes do decreto da quarentena, por exemplo, não devem entrar nessa conta.
“A análise contratual e seus efeitos deverão ser tratados individualmente e aplicados a cada caso, sem esquecer da conscientização social, com a necessária imparcialidade, boa-fé, equilíbrio das perdas, se atribuindo o devido valor ao aspecto associativo/colaborativo dos contratos”, diz.
Como março, é possível que abril siga o mesmo caminho: shoppings e seus lojistas fiquem sem receita. Para o advogado, para atravessar esse momento, não há muitos caminhos. O jeito é ajudar para que as empresas não saiam e nem demitam e, para isso, precisarão flexibilizar os contratos de locação.
“Nos próximos dias será possível acompanhar qual será a tendência do mercado de FIIs de shopping centers e também se eventualmente teremos alguma regulamentação sobre eventual redução ou carência de aluguel (em alguns países já foi adotada tal medida para o aluguel de pequenos comércios e residencial)”, comenta Ferrari.
A Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) até chegou a anunciar a criação de uma linha de crédito de R$ 500 milhões com taxas de juros de 0,35% ao mês para socorrer o setor, uma iniciativa acordada com o governo de São Paulo e cujo crédito virá do Desenvolve SP e Banco do Povo. Os recursos devem ser destinados a varejistas que precisarem de empréstimos para enfrentar a crise causada pela pandemia do coronavírus. Mas pouco se sabe sobre se já começou a valer ou não.
A casa de análise Capital Research escreveu em um relatório que outras medidas públicas podem ser anunciadas para compensar as perdas durante o período de quarentena, "mas tendo em vista a dificuldade que todas as instâncias têm enfrentado na seara fiscal, não é algo tão trivial”. Por isso, segundo o analista Felipe Silveira, ainda é “impossível” quantificar o tamanho do impacto que essa decisão da Alshop e outras iniciativas terão no resultado financeiro e na performance das operadoras de shopping centers.
Galpões e lajes
Assim como é consenso que os shoppings e seus FIIs serão os primeiros a ter problemas, os especialistas acreditam que o segmento de lajes corporativas e galpões logísticos, contratos mais longos e muitos com grandes empresas, podem ter um impacto menor. Mas não sairão ilesos. XP e RBR já comentaram que os pedidos de revisão e desconto em aluguéis começaram a chegar, ainda que alguns possam ser oportunistas e não realmente porque a empresa precisa de ajuda na crise. De novo, cada caso é analisado individualmente. Mas, na opinião de Almendra, da RBR, as lajes sofrerão menos.
“Eu não vejo que o setor logístico vai sair vencedor na crise. Eu acho que as lajes corporativas vão se sair bem melhor. No nosso portfólio, metade dos galpões são de varejistas (e nem tudo é e-commerce) e um quarto setor logístico. Quando uma economia entra em recessão, é natural que eles tenham demanda menor por esses espaços” diz.
A XP destaca, porém, que não dá para negar que há uma grande chance de a crise mudar hábitos e acelerar a curva de adesão do e-commerce no Brasil, o que é bom para galpões no médio e longo prazo.
“No segmento de lajes, o grande risco é uma mudança de mentalidade das empresas, que, durante o isolamento, percebem que pode manter parte de seus funcionários de casa, ou fazer rodízio”, diz Carraz. Se sairá melhor, na sua opinião, quem estiver bem localizado.
Longo prazo
Para as gestoras de FIIs, as dificuldades financeiras enfrentadas pelos proprietários de shoppings são temporárias e, para o investidor que tiver um horizonte de cinco a dez anos, não fará tanta diferença.
O professor Marcos Baroni, especialista em fundos imobiliários da Suno Research, ressalta, porém, que o mercado ainda está muito errático e difícil de fazer qualquer projeção e perspectiva de curto e médio prazo. Para o longo prazo, porém, reitera que os FIIs continuam sendo bons ativos.
“Os FIIs melhores administrados vão conseguir superar essa crise. Não sabemos se demorará um ano ou dois anos, mas vão, o mercado vai conseguir lá na frente se recuperar. O que temos dificuldade é traçar um cenário de curto e médio prazo, não sabemos como será no fim do 'lockdown', se o consumo vai voltar normalmente, se as empresas vão contratar ou manter lajes, toda uma expectativa com relação a isso", finaliza o professor.