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27/04/2020

Pandemia ameaça derrubar PIB da construção em 10%

Impacto do coronavírus ocorre depois de setor ter caído 30% em cinco anos e conseguido uma recuperação modesta em 2019

O PIB da construção deve levar um tombo que pode chegar a 10% neste ano, após uma tentativa de retomada em 2019, quando cresceu 1,6%. Nos cinco anos anteriores, de 2014 a 2018, período que combinou profunda recessão e lenta retomada da economia, o setor registrou queda de 30%.

Agora, os efeitos da recessão provocada pela pandemia de covid-19 - como desemprego, queda de renda e restrição de crédito - devem afundar os números da construção mais uma vez, em especial os relativos ao mercado imobiliário, o segmento responsável pela retomada que se iniciava.

O cenário-base da LCA Consultores aponta que o PIB da construção pode cair em torno de 7,5% em 2020. “As condições todas se tornaram muito ruins para o setor. A confiança de empresas e consumidores desabou, bancos e tomadores de crédito estão mais cautelosos”, observa Francisco Pessoa, analista-sênior da consultoria. Ele explica que, no cenário-base, há um intervalo de queda de 5% a 10%, mas que o resultado deve ficar entre 7% e 8%. Para o PIB total, a LCA estima queda de 3,5% no ano.

 

Antes a expectativa era de um crescimento entre 2% e 4% para 2020, puxado pelo mercado imobiliário, por causa da queda dos juros e do aumento do crédito, fatores que superariam o fato de o governo não ter recursos para investir na área de infraestrutura. “Agora a incerteza supera o benefício da queda da Selic”, diz Pessoa. Sobre o futuro, ele acredita que o que vai determinar a retomada do setor será a velocidade da volta da confiança.

Outro fator ainda não mensurado, mas que pode influenciar na retração do setor, segundo Pessoa, é a grande destruição de riqueza no mercado financeiro nas últimas semanas, de pessoas que estavam investindo em ações, por exemplo. O quadro político volátil também não ajuda. O economista cita como exemplo a coletiva para anunciar investimentos em infraestrutura sem a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Para Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), os segmentos chamados autoconstrução e autogestão, obras de reformas tocadas por famílias, assim como as pequenas empresas do setor, são os que devem sofrer mais. Cerca de 48% do PIB da construção vêm dessas obras e de pequenas empreiteiras. Para elas devem pesar o aumento do desemprego e a forte queda de renda provocada pela pandemia.

Segundo Ana Maria, com exceção de alguns Estados onde o setor teve que parar por causa das medidas de isolamento, as obras que estavam em andamento continuam a ser tocadas. “O problema são as obras que estão para começar. A demanda também será um problema”, diz a economista, observando a grande insegurança entre consumidores e investidores. Ela cita a queda recorde no indicador de confiança do setor medido pelo Ibre em abril.

 

“Na infraestrutura, a incerteza também não ajuda nas concessões”, diz. Na semana passada, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou que o cronograma de projetos do governo vai ser mantido, que as obras públicas já previstas no Orçamento vão ser viabilizadas. Mas é pouco, avalia. “Esse cenário claramente interrompe um ciclo de retomada da construção”.

O Ibre/FGV estima queda de 7,2% no PIB da construção em 2020 e recuo de 3,4% no PIB total. Todas as estimativas nesse momento são muito preliminares, mas o baque deve ser grande. “O estrago vai ser considerável. E, depois, não vai ser uma recuperação rápida. Daí o investimento público ser fundamental”, diz.

Nesse ponto, Igor Rocha, diretor de planejamento e economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), afirma que seria fundamental o setor público ter projetos qualificados de infraestrutura, obras multiplicadoras de receita, produtividade e empregos. “É preciso investir maciçamente nisso. São obras como portos, aeroportos, programas habitacionais, hospitais”. Segundo o economista, a cada R$ 1 bilhão investido área 20 mil empregos são criados.

 

Na área de concessões, Rocha avalia que os melhores projetos já foram leiloados, os que sobraram neste momento são pouco atrativos. “E concessão não é anticíclica. O apetite de investidores secou, em especial os internacionais”, diz ele.

Assim, a política fiscal, segundo Rocha, deveria ser usada para elevar o investimento em infraestrutura, num momento em que o setor privado está contraído e o consumo das famílias, outro vetor de crescimento da economia, será duramente afetado. O impacto positivo gerado ao longo do tempo em termos de receitas ajudaria a manter controlada a dívida pública. No fiscal, o que importa é a curva de endividamento, e não a fotografia do momento em si.

Os bancos públicos também poderiam atuar fomentando esse tipo de investimento. “Os bancos públicos não atuam como antes. O BNDES está muito focado em micro e pequenas empresas”, diz.

FONTE: VALOR ECONôMICO