A construção entrou no segundo trimestre com algum alívio após a crise aguda dos últimos quatro anos. Dados melhores de confiança, emprego e investimento confirmam que o pior ficou para trás. A dúvida entre os analistas é se, em meio à percepção crescente de atividade econômica mais fraca, a trajetória de recuperação do setor vai ter força para continuar.
Levantamento do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), obtido com exclusividade pelo Valor, dá a dimensão desse movimento. De abril do ano passado ao mesmo mês deste ano, o setor reduziu o saldo negativo de empregos formais de 431,5 mil vagas para 58,1 mil, considerando o acumulado em 12 meses. Em termos de estoque, foi retomado o nível de 2009, com 2,3 milhões de empregos, mas ainda abaixo do pico de 3,6 milhões registrado no segundo semestre de 2014.
Mesmo nos dados mensais, o cenário é de abrandamento. De janeiro a abril, foram abertas 40,8 mil vagas no setor, contra fechamento de 26,2 mil em igual período do ano passado, considerando os dados sem ajuste. Quando é aplicada a dessazonalização, há saldo negativo de 15,6 mil empregos no período, ou seja, contratou-se menos do que é o padrão para os quatro primeiros meses do ano. Um ano antes, porém, o rombo era de 84,8 mil postos de trabalho.
"Temos muitos dados sinalizando a recuperação não só pela redução do total de demitidos, mas também pelos indicadores antecedentes, como as sondagens, que mostram claramente uma melhora da percepção dos empresários", diz a coordenadora de projetos da construção da Fundação Getulio Vargas, Ana Maria Castelo.
A pesquisadora é a responsável pelo levantamento do Sinduscon-SP, que utiliza microdados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para formar um cenário mais amplo da construção, incluindo obras residenciais, comerciais e de infraestrutura, além de segmentos considerados antecedentes, como projetos de arquitetura e engenharia.
Ana Maria destaca o resultado do índice de confiança da construção, também da FGV, cujo subindicador do segmento residencial avançou um ponto em maio ante abril e 10,2 pontos na comparação interanual, acima da alta de 8,3 pontos do dado geral. Em média, o indicador de confiança dos empresários tem apresentado desempenho irregular na análise mensal, mas está hoje cerca de dez pontos acima do nível registrado há um ano.
"O que já aconteceu neste início de ano deve garantir alguma melhora no segmento de edificações residenciais. Daí para frente, o desempenho vai depender do que vai acontecer com a economia e o sentimento de incerteza com o cenário eleitoral", diz a pesquisadora.
De março para abril, por exemplo, das 17.030 vagas criadas na construção, na série sem ajuste, praticamente dois terços ficaram com os subsegmentos imobiliário (que engloba edificações) e de infraestrutura (obras em estradas e de saneamento). "Como estamos em ano eleitoral, existe uma série de obras públicas que podem estar ajudando a manter o nível de emprego", diz o presidente do Sinduscon-SP, José Romeu Ferraz Neto.
No acumulado em 12 meses, porém, apenas o segmento de projetos de engenharia e arquitetura mantém o saldo positivo, com criação de 6,4 mil empregos. "Existe uma movimentação nesta parte de projetos, mas isso não necessariamente vira atividade no futuro", diz Ferraz Neto.
Os investimentos também tiveram um respiro após anos no negativo. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra alta de 1,1% na formação bruta de capital fixo (FBCF) da construção civil em abril, colaborando para alta de 0,9% no acumulado do ano. Em 12 meses, ainda há recuo de 2,3%, mas o resultado era negativo em 8,6% um ano atrás.
"O cenário com base na trajetória do indicador de investimento é de recuperação muito lenta e gradual. O setor de construção foi um dos mais afetados pela recessão, que envolve uma necessidade de financiamento tanto pela oferta como pela demanda", afirma Leonardo Carvalho, técnico de pesquisa e economista do Ipea.
Para Carvalho, porém, a incerteza sobre a eleição presidencial e o setor externo mais negativo, com a recente pressão na taxa de câmbio, jogam contra a recuperação do setor. "Não vejo uma melhora muito acima do que se viu até agora", diz. A paralisação dos caminhoneiros não deve ter impacto relevante na construção, um setor de ciclo longo de produção, avalia Ana Maria. Contudo, se a contaminação das expectativas se prolongar, levando a recuperação ainda mais lenta da atividade, a retomada do setor pode ficar para depois.
Também há indicações positivas em dados de comercialização e novos empreendimentos. No primeiro trimestre, os lançamentos e vendas de imóveis subiram 7,4% e 14,2%, respectivamente, ante igual período do ano passado, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que abriga 20 incorporadoras. O destaque é o programa Minha Casa, Minha Vida, com alta de 22,9% nas vendas nas faixas 2 e 3, enquanto o segmento de médio e alto padrão mostrou queda de 1,7%.
"Nas faixas 2,3 e 4 do Minha Casa, Minha Vida, as empresas estão acreditando que podem entrar e é um canal onde podem conseguir terreno barato. Agora, no médio e alto padrão, só têm saído empreendimentos de nicho, como os de altíssimo padrão ou para estudantes. Para a classe média típica, nada", diz João da Rocha Lima Jr., coordenador do Núcleo de Real Estate da USP e sócio da consultoria Unitas.
A forte crise do setor também deixou cicatrizes nas principais construtoras e incorporadoras. Dados da Abrainc mostram que os distratos representaram 31,6% das vendas no primeiro trimestre, queda de 11,3 pontos ante 2017. Entre os imóveis de alto padrão, porém, a proporção ainda é elevada, de 37,4%, contra 16,6% no Minha Casa, Minha Vida. "Algumas empresas se recuperaram relativamente dos distratos, mas não têm a mesma capacidade de investir como antes", destaca Rocha Lima.