A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quarta-feira, 31, em primeira votação, o substitutivo do projeto de lei de revisão do Plano Diretor da cidade, que define as regras e incentivos para construções em toda a capital paulista. Especialistas em urbanismo e entidades envolvidas com o tema apresentaram críticas e elogios sobre a nova proposta, que deverá passar por nova votação em 21 de junho.
Para Bianca Tavolari, professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o substitutivo apresenta, em seu texto, propostas preocupantes e que vão na contramão de recomendações de especialistas e até da própria administração municipal.
Um dos pontos criticados pela docente é a parte do projeto que permite a construção de empreendimentos com vagas de garagem em regiões onde há o acesso para o transporte público. Especialistas e estudos acadêmicos recomendam a diminuição das vagas de garagem para desestimular o uso de carro, e incentivar mais a presença de pessoas em ônibus e metrôs, por exemplo.
“Se há muitas vagas de garagem, o morador não vai usar a estação de metrô, de ônibus, porque vão ser estimulados a ter transporte individual motorizado (carro e motocicletas)”, diz Bianca. “Todos os dados e estudos indicam para se ter menos estímulo a vaga de garagem. E um dos pontos desse substitutivo é, justamente, uma alteração de critério da regra que permite ter mais vagas”, explica a professora do Insper.
Ela, porém, afirma estar mais preocupada com o fim da taxa da outorga onerosa, uma contrapartida financeira que os empreendedores pagam quando ultrapassam o limite do coeficiente permitido pela cidade. A contrapartida, atualmente, é destinada para um fundo, o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), cujo montante é usado para a aplicação de políticas urbanas na cidade, como construção de moradias sociais e melhorias no transporte público.
O substitutivo do Plano Diretor aprovado nesta quarta vai permitir aos construtores que paguem a contrapartida em forma de obras. “Isso gera um problema em cadeias inimagináveis”, diz Bianca, que aponta dois problemas na questão: a diminuição da quantidade de dinheiro do fundo para investimento em política urbana, e também a ausência de informações sobre como as obras realizadas de forma compensatória vão ser realizadas e fiscalizadas.
“É a iniciativa privada que vai escolher a obra que será realizada?”, critica a professora. “Como a gente vai conseguir determinar que uma obra corresponde uma contrapartida financeira?”, questiona.
Além disso, Bianca Tavolari cita outros dois pontos com os quais discorda: a diminuição do limite de definição de microapartamentos, que passou de 35 m² para 30 m², algo que, na sua visão, pode incentivar o mercado imobiliário a construir moradias ainda menores; e a ampliação da área de influência dos eixos de transporte de 600 m para até 1 km, no caso de estações de trem e metrô, e de 300 m para até 450 m, em corredores de ônibus.
“A qualidade do que a gente está construindo está em jogo”, diz a especialista. “A gente está construindo mais e de forma excludente. Estamos vendo apartamentos de alto padrão com vaga de garagem, ou então microapartamentos perto do transporte, mas que não são acessíveis porque tem metro quadrado bastante caro. Então, aumentar a área do eixo, sem análise de impacto, é enlouquecedor”, opina.
“O novo substitutivo dá estímulos e libera para um adensamento construtivo generalizado e indiscriminado”, disse professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP ligados ao LabCidade, laboratório de pesquisa da universidade. Em artigo divulgado nesta quarta-feira, ressaltaram que o que foi exposto “vai completamente na contramão do que foi verbalizado nas audiências, nas quais foi exposta a necessidade de limites ao adensamento construtivo que tem se dado de forma concentrada nas regiões mais valorizadas da cidade, sem evitar os impactos urbanos e ambientais desta transformação que chega a demolir quadras inteiras.”
Já o Secovi-SP, sindicato patronal do setor imobiliário, vê o substitutivo do atual Plano Diretor como uma “evolução”, e diz que as mudanças propostas “seguem a lógica das metrópoles saudáveis que focam a inclusão” e que a nova medida é mais humanitária por permitir acesso a moradias mais baratas.
“Parece haver consenso em nossa sociedade que o adensamento inteligente é solução necessária para que todas as faixas sociais possam usufruir a infraestrutura instalada e adquirir um lar a preços acessíveis”, disse a entidade por meio de texto publicado no Estadão nesta quarta-feira.
A revisão do plano, de acordo com o Secovi, faz uma adequação necessária “aos parâmetros que determinaram o adensamento ao longo dos eixos de transporte” e respeita a demanda de profissionais do setor imobiliário, moradores e também comerciantes, além de entidades que representam arquitetos e urbanistas.
“Essas entidades, que enviaram 18 propostas, das quais 8 foram consideradas, ponderam não fazer sentido que cerca de 75% dos cidadãos estejam fora de perímetros com infraestrutura urbana de qualidade”, afirma o sindicato. “A exclusão dessas pessoas do que a cidade tem de melhor, além de não justificável urbanisticamente, é inaceitável do ponto de vista humanitário”, completou a entidade.