Representantes da Prefeitura e os vereadores envolvidos na proposta de revisão do Plano Diretor de São Paulo discutem novas alterações no texto final do projeto de lei. O novo substitutivo será publicado no Diário Oficial de quarta-feira, 21, e votado em segunda e definitiva votação na sexta-feira, 23, na Câmara Municipal.
Parte dos itens mais criticados do texto aprovado em 1º turno no Legislativo municipal deve ser alterada e até retirada após conversas que envolverão o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o relator Rodrigo Goulart (PSD) e outros interlocutores. Alguns exemplos foram confirmados pela Câmara em coletiva de imprensa no fim da tarde desta segunda-feira, 19, como um recuo na ampliação dos eixos de verticalização da cidade e na criação das chamadas “zonas de concessão”.
O presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), afirmou que as alterações atendem principalmente às propostas de vereadores e as apresentadas pela população e organizações nas audiências públicas. “Não é um recuo. Estamos fazendo um trabalho de escuta. Não só das audiências, mas das diversas bancadas”, acrescentou Goulart.
Presidente da Comissão de Política Urbana, Rubinho Nunes (União Brasil) destacou que o texto final não será alterado após a publicação, na quarta. “É um acordo firmado pela Casa, por sugestão do Ministério Público, para que não sejam apresentadas emendas (e, se apresentadas, serão rejeitadas na votação)”, afirmou. As audiências públicas ocorrerão na quarta-feira, 21, quinta-feira, 22, e na manhã de sexta-feira, horas antes da aprovação.
O oposição entregou dois substitutivos ao projeto nesta segunda, a fim de que mudanças sejam realizadas no texto final. Em coletiva própria, a bancada do PSOL disse que não descarta novas ações judiciais para barrar a tramitação ou a promulgação do projeto. Também refutou o prazo para a votação e, ainda, criticou o argumento de que as mudanças no texto não são recuos, pois continuam “piorando” o atual Plano Diretor. “É possível que se tenha colocado vários ‘bodes na sala’ para agora tirar alguns e se dizer que se está recuando”, declarou Silvia Ferraro, da Bancada Feminista.
Eixos de verticalização aumentam, mas menos do que na proposta anterior
Como o Estadão revelou, o perímetro dos eixos de verticalização da cidade, que ficam nas imediações da rede de transporte, será ampliado no máximo de até 600 metros para até 800 metros das estações de metrô e trem. A proposta anterior, aprovada no Legislativo em maio, era de extensão a até um quilômetro das estações. Há ainda discussão se o recuo será ainda maior.
No que diz respeito ao entorno de corredores de ônibus, o texto aprovado em primeira votação possivelmente será mantido. “No corredor, até pela questão de ter diversos pontos de ônibus, a reclamação não tem sido tanta dessa expansão. Mas nós estamos revendo tudo”, destacou Goulart. Desta forma, o raio de influência de até 300 metros vai passar para até 450 metros.
Quadras próximas da maioria das estações de trem e metrô e de corredores de ônibus são as que mais recebem incentivos municipais atrativos para o mercado imobiliário. Nesses locais, os “eixos” de transporte, há isenções de parte das taxas e aval para edifícios sem limite de altura, por exemplo.
Com o Plano Diretor atual, de 2014, essas áreas passaram a concentrar mais da metade dos apartamentos lançados na cidade. A transformação é maior sobretudo em bairros de classes média e alta, como Brooklin (zona sul), Butantã e Pinheiros (oeste), onde casas, sobrados e outros imóveis mais horizontais e de menor porte têm sido substituídos por prédios altos.
A extensão desses eixos não ocorrerá após a aprovação do projeto pelos vereadores e a promulgação do prefeito. O Plano Diretor vai autorizar que a extensão dos raios de influência pela Lei de Zoneamento – que terá a revisão enviada à Câmara pela gestão Nunes até o fim do mês, segundo o líder de governo, vereador Fabio Riva (PSDB).
De acordo com Goulart, há a possibilidade de que a revisão dessa outra lei não autorize toda a ampliação permitida no Plano Diretor. O relator também sinalizou que discute diretrizes para restringir a verticalização de vilas próximas dos eixos de transporte. “Nós estamos pensando em uma forma de excluir as vilas, preservando quando tiverem alguns parâmetros (para a exclusão), como a questão cultural, histórica, de paisagem urbana, a ambientação.”
Outra trecho que permitia que uma comissão municipal decidisse sobre a exclusão de incentivos para uma parte dos eixos foi retirado. Dessa forma, medidas para barrar a verticalização de parte das quadras próximas do transporte serão discutidas exclusivamente na Lei de Zoneamento.
Trecho que cria nova zoneamento para concessões sairá do projeto
Após críticas, o trecho que criava um novo tipo de zoneamento na cidade, as zonas de concessões (sigla ZCP), será retirado do texto final. A decisão foi confirmada pelo relator, Rodrigo Goulart, na coletiva de imprensa – na qual se referiu a essa proposta como “polêmica”, embora acredite que não seja uma alteração significativa à legislação vigente.
Essa classificação abrangeria as áreas públicas concedidas ou que serão concedidas à iniciativa privada, como rodoviárias, aeroportos, parques, terminais de ônibus, cemitérios e equipamentos públicos em geral. Essas novas zonas seriam submetidas a regras especiais distintas da vizinhança onde estão, definidas caso a caso, o que envolve limite de altura para edifícios, incentivos para a construção civil etc.
Mudança que facilita prédios no ‘miolo de bairros’ também pode ser revista
O texto final poderá também retirar o trecho que facilitava prédios mais altos nos “centrinhos”, onde há mais movimentação e comércios, e “miolos” dos bairros. Há a discussão que seja mantida a regra atual, e não a mudança aprovada em primeira votação, conforme apurou a reportagem. Essa alteração é uma das mais incertas e não foi comentada pelos vereadores na coletiva de imprensa.
A questão envolve o chamado “coeficiente de aproveitamento” (CA), que é o limite de volume construtivo de um imóvel calculado a partir da área do terreno. Hoje, um empreendimento nos “centrinhos” ou “miolos” de bairros pode ter uma área construída de até o dobro da metragem (CA-2).
Com a mudança, o limite nessas regiões da cidade passaria a ser de três vezes (CA-3) a área do lote. Isto é, um terreno de 100 metros quadrados poderia receber um prédio de 300 metros quadrados, no total, de área construída.
Trecho que prevê troca de taxa por execução de obra pública vai sair
Também está definida a retirada do trecho que permitia que construtoras trocassem o pagamento da chamada outorga onerosa por meio da execução de obras de drenagem, habitação e mobilidade, segundo anunciou Goulart na coletiva. A proposta permitia a possibilidade de até 10% de desconto no que seria pago na forma de taxa.
Urbanistas ouvidos pelo Estadão avaliam que essa nova modalidade de pagamento não garantia uma execução de boa qualidade dos projetos. Além disso, apontam que resultará no enfraquecimento do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), fundo municipal voltado para obras públicas, que tem destinação definida pelo poder municipal em conjunto com um conselho gestor. O setor imobiliário chegou a falar na necessidade de ajustes para que a alternativa seja atrativa.
Unidades com mais vagas de garagem e microapartamentos
Como o Estadão antecipou na semana passada, o texto substitutivo irá retomar o trecho proposto pela gestão Nunes para vagas de garagem em prédios perto de metrô, trem e corredor de ônibus. A mudança prevê um desestímulo a mais microapartamentos na cidade e, ao mesmo tempo, um incentivo municipal para que grandes unidades tenham mais de um espaço para estacionar.
A mudança permite que empreendimentos perto de metrô e outros “eixos de transporte” criem mais vagas de garagem não contabilizadas na área construída – que é limitada a quatro vezes a metragem do terreno mediante o pagamento da “outorga onerosa”, uma espécie de taxa pelo direito de construir. Isto é, serão espaços para carros isentos da principal taxa cobrada pela Prefeitura ao setor imobiliário e que não impactarão no limite de tamanho dos edifícios.
O trecho estava originalmente na proposta enviada aos vereadores pela gestão Nunes, em março, mas foi posteriormente retirado no texto substitutivo, apresentado pelo relator, Rodrigo Goulart (PSD), dois meses depois. O trecho que será adicionado ao projeto envolve empreendimentos de uso misto: prédios que reúnem apartamentos e espaços não residenciais (como comércio no térreo, por exemplo).
Os condomínios com uso misto se tornaram a maioria dos lançamentos no entorno de metrô, trem e corredor de ônibus nos últimos anos. Com a retomada do trecho na versão final do projeto, esses empreendimentos estarão sujeitos às mesmas regras propostas para os que são totalmente residenciais.
A mudança proposta restringe que os empreendimentos construam uma vaga “gratuita” para cada apartamento de ao menos 30 m², o que torna menos atraente a construção de compactos, que tiveram um boom com 250 mil unidades lançadas nos últimos anos. Por outro lado, permite um espaço para carros “grátis” para cada 60 m² de área privativa, ou seja, estimula que apartamentos grandes tenham mais de uma vaga.
O Plano Diretor hoje em vigor permite um espaço de estacionamento “grátis” por apartamento, independentemente da metragem. Essa regra (e a mudança proposta) envolve os empreendimentos dos “eixos de transporte” – áreas que recebem vários incentivos municipais e que concentrarem a maioria da verticalização na cidade.
Trecho que liberava prédios perto do Mirante de Santana será retirado
O trecho que revogava a lei que veta a verticalização no entorno do Mirante de Santana, na zona norte, também será retirado. Na versão já votada, os parlamentares haviam incluído no texto um artigo que colocava fim a uma lei dos anos 1970 que vetava prédios altos a fim de não interferir nas aferições climáticas da única estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na capital paulista.
O recuo atende a outro pedido de Nunes. Na semana passada, o prefeito afirmou publicamente que vetaria tal artigo se a Câmara insistisse na mudança. Na Câmara removerá trecho que libera criação de praças privadas.
Goulart também anunciou a retirada do artigo sobre o Plano Municipal de Praças Urbanas, que previa a criação de praças privadas em áreas particulares e a concessão de praças para a implantação de comércios. Esse dispositivo permitia, ainda, que parte do potencial construtivo desses locais fossem utilizados como “créditos construtivos” para serem aplicados em outros lugares da cidade.