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16/10/2024

Por que a Caixa vai endurecer crédito imobiliário para a classe média? O que muda nas regras? Entenda (O Globo)

Demanda por financiamento cresceu mais de 40%, e recursos da poupança minguaram. A partir de novembro, exigência de entrada, em alguns casos, chegará a metade do valor do imóvel

Por Geralda Doca e Letícia Lopes 

Diante da escassez de recursos da caderneta de poupança, a Caixa Econômica Federal está apertando as condições dos empréstimos habitacionais para a classe média e vai aumentar o percentual mínimo de entrada no crédito para a casa própria. Na linha de empréstimos mais usada, a cota de financiamento foi reduzida de 80% para 70%, o que exige dos mutuários uma entrada maior, de 30% do valor do imóvel. 

O banco mira imóveis de menor valor e ficou ainda mais rigoroso na análise de risco para conceder crédito. 

Os recursos da poupança fazem parte do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), que financia imóveis de até R$ 1,5 milhão, com juros limitados a 12% ao ano. Na outra modalidade de financiamento, a tabela Price, em que as prestações do mutuário são sempre iguais e com mais juros, a cota máxima de financiamento cairá dos atuais 70% para 50% do total do imóvel. As mudanças valem a partir de 1º de novembro. A informação foi antecipada pela Folha de S. Paulo. 

Desde janeiro, o volume de créditos imobiliários com recursos da poupança vem crescendo. Alcançou R$ 18,4 bilhões em agosto, o maior valor desde setembro de 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). 

Na comparação com o mesmo período de 2023, o aumento é de 41,3%. No acumulado no ano, está em R$ 118,5 bilhões usados em 355,6 mil imóveis. Contra os primeiros oito meses do ano passado, a variação financeira é de 17,6%, enquanto o total de imóveis financiados aumentou 5,4%. 

Caixa tem 70% do mercado 

A alteração nas cotas de financiamento e a limitação no valor do imóvel a R$ 1,5 milhão não se aplicam às unidades habitacionais vinculadas a empreendimentos financiados pelo banco, mantendo-se as condições atuais. 

A Caixa praticamente esgotou a meta de contratações de R$ 70 bilhões para 2024. Até setembro, foram desembolsados R$ 63,5 bilhões, segundo o banco. Em nove meses, a Caixa emprestou 90% de tudo que tinha disponível. 

Com a demanda aquecida, a Caixa, que abocanha cerca de 70% desse mercado, está administrando os contratos para não suspender as operações. Nas agências, há relatos de contratos cujo financiamento não foi liberado. De acordo com a corretora de imóveis Christina Honório, a Caixa está dificultando o processo de aprovação do financiamento: 

— Tem cliente que não foi aprovado por uma dívida no cartão de crédito de R$ 4. Sem contar o dinheiro da entrada que muita gente não tem. 

Além da demanda aquecida, a escassez de recursos tem como pano de fundo um volume menor de depósitos na caderneta de poupança, principal fonte de financiamento para crédito habitacional voltada à classe média. Uma opção seria usar recursos próprios o que, com alta de juros, tornaria a operação inviável. 

Segundo a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, o banco deverá fechar 2024 com volume de contratações em torno R$ 72 bilhões, o mesmo do ano passado. Dados da Abecip mostram que a Caixa vem perdendo espaço para a concorrência no crédito habitacional para a classe média, com recursos da poupança. 

Entre janeiro e agosto deste ano, a Caixa foi a instituição com menor percentual de alta nas operações, de apenas 0,09% na comparação com o mesmo período de 2023. No Bradesco, a alta foi de 0,63% e, no Banco do Brasil, de 0,34%. Em seguida, estão Itaú e Santander. 

Para Inês, é preciso buscar fontes alternativas de recursos como reduzir temporariamente a parcela de compulsório, parte dos depósitos da poupança que os bancos são obrigados a depositar no Banco Central. Pela legislação, 65% dos recursos captados precisam ser direcionados para o crédito imobiliário. 

Outra fatia, de 24,5%, é recolhido de forma compulsória ao BC. Esse mecanismo faz parte da política monetária e enfrenta resistência por parte do BC para ser alterado. 

Recentemente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou as regras das Letras de Crédito Imobiliário (LCI), fonte alternativa de recursos, para aumentar a demanda pelos papéis, mas a mudança não foi suficiente, segundo Inês. Em fevereiro, o CMN aumentou de três para 12 meses o prazo mínimo de vencimento das LCIs, e em agosto, o prazo foi novamente alterado, reduzido para nove meses. 

— Precisamos discutir a necessidade de novos fundings (fontes) para financiamento da casa própria — disse Inês. 

O problema da falta de recursos só não é maior porque foram destinados R$ 120 bilhões do FGTS para empréstimos no programa Minha Casa Minha Vida, somando a suplementação de quase R$ 23 bilhões para não faltar recursos no último trimestre do ano. 

Mas o programa só permite comprar imóvel de até R$ 350 mil e é restrito a famílias com renda de até R$ 8 mil. O presidente Lula prometeu ampliar o programa para renda de até R$ 12 mil, mas a medida ainda não saiu do papel. 

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Renato Correia, diz que a Caixa reduziu o ritmo dos financiamentos e elevou o custo: 

— Sendo um banco público, a gente crê que a Caixa não vai parar as contratações, mas o financiamento ficou mais caro. 

Diretor de Negócios Imobiliários do Santander, Sandro Gamba, afirma que é preciso encontrar fontes de recursos: 

— (No Santander) não temos intenção de reduzir a oferta de crédito, mas, se a velocidade da demanda continuar, a tendência é o aumento das taxas. Ou restringe a operação, ou mexe nas taxas. Cada instituição vai decidir o que fazer. (Colaborou Anna Bustamante, estagiária sob supervisão de Danielle Nogueira)

 

FONTE: O GLOBO