Mesmo em tempos de Selic mais baixa, a 6,5% ao ano, e sob a regra que remunera a poupança a 70% da taxa básica, a caderneta ganhou participação nas carteiras dos investidores de varejo ao longo do primeiro semestre.
Na base do varejo, a fatia passou de 61,5% para 63,3%, enquanto na alta renda - Prime (Bradesco), Personnalité (Itaú), Estilo (BB) e Select (Santander) - saiu de 10,8% para 12,3%, apesar do perfil mais diversificado, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). No conjunto, a variação bruta foi de 19,1% para R$ 683,2 bilhões.
Segundo José Ramos Rocha Neto, presidente do comitê de varejo da Anbima, o maior peso provém da redistribuição de outras modalidades de renda fixa, que encolheram no período. As mudanças nas regras das compromissadas e a menor oferta de lastro para emissão de títulos isentos acabaram levando recursos para fundos de renda fixa de curto prazo (com alta de 10,5%) e também para a poupança.
"O cliente escolheu ir para um produto de menor nível de risco. Com a correta 'suitability' [avaliação de perfil], ele está consumindo produtos mais adequados ao seu perfil."
Conforme cita Rocha, a variação líquida do volume na caderneta, de 2,9% no primeiro semestre, indica que houve incremento real na categoria, já que no período o rendimento foi da ordem de 2,3%. No primeiro semestre, a poupança teve captação líquida de R$ 7,35 bilhões, sendo que R$ 5,64 bilhões ingressaram só em junho, após o estresse com a greve dos caminhoneiros e a manutenção inesperada da Selic em maio.
O número de contas na caderneta teve, contudo, retração de 5,6%, a 59 mil. Para Rocha, não há como desatrelar tal situação da fraqueza da atividade econômica, com os poupadores possivelmente sacando recursos para fazer frente a despesas típicas do período, como IPVA, IPTU ou material escolar. Para o executivo, mesmo com uma maior tendência de diversificação, a poupança tende a resistir como preferência nacional.
"Há situações, hoje, com a taxa atual de juros em que a poupança já tem rentabilidade melhor do que muito fundo de renda fixa, tem um público muito cativo na poupança, sempre há aquele mais conservador, inclusive no private banking. É o tipo de investidor que quer ter dinheiro na poupança e não abre mão disso."
De fato, como o investidor de varejo normalmente tem acesso a fundos mais caros na rede bancária, a conta não fecha. Conforme calcula o economista Marcelo D' Agosto, especialista em investimentos, considerando-se a Selic a 6,5% ao ano, o fundo mais conservador vale a pena se tiver taxa de administração máxima de 0,63% ao ano.
Na média, para aplicações de até R$ 1 mil, a taxa é de 2,4%, caindo a 1,04% nas aplicações com até R$ 25 mil, segundo dados da própria Anbima. Mesmo nos portfólios que acolhem aplicações de até R$ 100 mil, a média é de 0,90%. Ou seja, ou o aplicador se move para opções mais baratas fora dos bancos, ou se contenta com o retorno magro dos fundos de renda fixa e da poupança.
Vale lembrar que a caderneta ainda tem o incoveniente de ter uma data de aniversário. Se o aplicador saca o dinheiro antes, perde a rentabilidade proporcional daquele mês. Segundo D'Agosto, como o fundo tem liquidez e rentabilidade diária, a tendência é que renda mais, salvo nos casos em que o aplicador deixe o dinheiro na poupança por apenas seis meses e resgate exatamente na data de aniversário, porque nesse caso ele seria penalizado pelo imposto maior na aplicação do fundo, de 22,5%.
Uma simulação recente feita por Luciano Tavares, executivo-chefe da Magnetis, mostra que o fundo de renda fixa com taxa de 0,5% ao ano praticamente empata com o retorno da poupança numa janela de seis meses, com ganhos de 2,28% em comparação a 2,25% da caderneta. Conforme o prazo se amplia, a diferença também fica progressivamente maior. Em 24 meses, o retorno nominal do fundo DI barato é de 10,39%, ante 9,31% da poupança.
Quem começou 2018 com R$ 10 mil na caderneta, ganhou R$ 270, mas descontando-se a inflação no período, houve perda de poder de compra de 0,28%.
Os investimentos da pessoa física como um todo cresceram num ritmo menor no primeiro semestre em comparação a igual período do ano passado e também em relação a 2016. Considerando-se as segmentações de varejo, alta renda e private banking (sem previdência), o volume cresceu a R$ 2,644 trilhões ao fim de junho, uma expansão de 3%. Um ano atrás, a taxa de crescimento tinha sido de 5,4% e, em 2016, de 4,9%.
De janeiro a junho de 2018 foi o varejo de alta renda que respondeu pelo ritmo mais acelerado, com incremento de 5,6%, para R$ 821,3 bilhões. Na base do varejo, o estoque ficou praticamente estável, com elevação de 0,4%, a R$ 919,4 bilhões.
Na linha do tempo, o que se percebe é que a alta renda vem ganhando participação progressivamente, representando uma parcela de 47,2%, ante 45,8% de 12 meses atrás. No varejo tradicional, a proporção caiu de 54,2% para 52,8% no mesmo intervalo.
Para Rocha, tal trajetória reflete a composição mais conservadora da base da pirâmide, enquanto quem tem mais capacidade financeira tem demonstrado inclinação maior à tomada de risco, migrando para multimercados e outros ativos, e até para fundos cambiais. "Com a taxa de juros caindo, a rentabilidade de 1% ao mês saiu de cena. O investidor vem aprofundando seu nível de conhecimento e demonstrando maior apetite por risco." A fatia dos multimercados aumentou de 5,4% para 9,3%.