Os brasileiros nunca retiraram tanto dinheiro da caderneta de poupança como nos últimos meses. Os resgates acumulados até o dia 28 de setembro de 2022 atingiram o recorde de R$ 133,6 bilhões, contados desde que o saldo dos depósitos chegou ao ponto máximo, de R$ 1,05 trilhão, no dia 6 de agosto de 2021. Os saques equivalem a 12,7% sobre o saldo de depósitos no início do período.
No mesmo intervalo, os rendimentos creditados às contas somaram R$ 68,3 bilhões, o equivalente a 6,5% do saldo dos depósitos no início do período. Ainda assim, houve queda recorde de 6,3% do montante depositado, somando captação e rendimentos, na caderneta nesses 14 meses. Nunca o saldo dos depósitos na poupança encolheu tanto e em tão pouco tempo.
Um conjunto de fatores contribuiu para os recordes negativos. Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, avalia que esse resgate histórico teve origem na pandemia. Ele diz que os depósitos na caderneta dispararam durante a crise de covid-19 porque uma fatia da população estava em casa, deixando de consumir e poupando mais. “O consumo caiu mais do que a renda e sobrou dinheiro para as famílias”, diz.
De fato, entre meados de 2016 e março de 2020, antes da pandemia, o saldo dos depósitos da caderneta de poupança, somando captação e rendimentos, crescia em um ritmo constante, de 8,1% ao ano. A partir de abril de 2020 até o começo de agosto de 2021, a taxa de crescimento saltou para 14,7% ao ano.
Agora, avalia Honorato, com o fim do isolamento social, uma parcela da população está sacando recursos da caderneta para voltar a consumir, o que ajuda a explicar esse movimento. “O consumo está crescendo perto da renda ou mais”, diz.
Ainda segundo Honorato, o fato de o governo ter distribuído dinheiro para as pessoas mais necessitadas por meio de programas sociais como o Auxílio Emergencial também contribuiu para que os depósitos na poupança saltassem. De acordo com os dados do Tesouro Nacional, as despesas do governo central relacionadas a esse benefício social atingiram R$ 237 bilhões entre abril e setembro de 2020.
A Caixa foi a instituição financeira que operacionalizou o pagamento do Auxílio Emergencial, feito na poupança, por meio do aplicativo Caixa Tem. Isso levou a um aumento do volume e da quantidade de contas de poupança de baixo valor.
Os números do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) mostram que o saldo dos depósitos na poupança com aplicações com valores de até R$ 5 mil cresceu 55% nesse intervalo. Enquanto isso, a quantidade de contas nessa faixa aumentou 36%.
Uma parte dos depositantes usa a caderneta como conta corrente e não como investimento. Essa é a constatação de Leonardo Siqueira, superintendente de investimentos do Santander. Ele afirma que, no banco, quase metade dos clientes da poupança faz mais de quatro movimentações ao mês, o que indica que eles usam a caderneta como uma ferramenta de fluxo de caixa, aproveitando que ela é isenta de Imposto de Renda.
“Nem todo mundo que está na poupança é investidor. Muitos aplicam e resgatam várias vezes ao longo do mês e usam a caderneta apenas para separar o dinheiro ou para transferi-lo para outras instituições financeiras”, afirma. Em geral, esses clientes possuem conta em mais bancos e corretoras, e transferem o dinheiro para eles mesmos ou para pessoas próximas.
Entre as pessoas de maior renda, com valores acima de R$ 100 mil na poupança, o saldo de depósitos e a quantidade de contas também cresceram consistentemente de abril a setembro de 2020.
Além da poupança forçada devido ao fechamento das atividades econômicas por causa das medidas de isolamento social, o período da pandemia foi muito turbulento para os ativos financeiros.
Em um primeiro momento, o susto dos investidores de alta renda com as quedas do mercado estimulou a migração de recursos para a poupança. “A poupança é um instrumento que os brasileiros conhecem e em que confiam”, afirma Siqueira.
Porém, à medida que o Banco Central aumentou os juros para combater a inflação, cresceu a diferença da rentabilidade das demais aplicações de renda fixa em relação à poupança. Esse também foi um dos motivos para os resgates históricos da caderneta.
“Os clientes começaram a questionar e a buscar aplicações financeiras melhores, e a poupança é um investimento ruim. O risco dela é parecido com o de um CDB, LCI ou LCA [letras de crédito imobiliário e do agronegócio, respectivamente], que oferecem rendimentos maiores”, diz Lucas Queiroz, estrategista de renda-fixa do Itaú BBA.
Além disso, a inflação comprometeu a renda e levou as pessoas a sacar dinheiro da poupança para recompor parte do orçamento. “A alta dos preços, especialmente dos alimentos, e do endividamento da população casam com a hipótese de que o resgate da poupança é para recompor a renda. As pessoas estão com menos capacidade de tomar crédito em meio ao aumento de juros e estão precisando de dinheiro”, afirma.
Queiroz avalia que o cenário para a poupança é desafiador e que os resgates são um incentivo para o setor financeiro buscar alternativas de captação de dinheiro para o crédito imobiliário. “Os saques devem impulsionar o mercado a desenvolver fontes de financiamento imobiliário.”
Matéria publicada em 05/10/2022