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09/01/2024

Poupança tem terceiro ano de resgates e desafia crédito imobiliário (Valor Econômico)

Analistas veem saques decorrentes de orçamento apertado e alto endividamento

A caderneta de poupança registrou em 2023 saque líquido pelo terceiro ano consecutivo, o que não acontecia há mais de duas décadas. O movimento também reforça o alerta, de acordo com economistas, sobre a necessidade de criação de novas fontes de financiamento para o setor imobiliário.

 

Conforme divulgado pelo Banco Central (BC), as retiradas superaram os depósitos em R$ 87,8 bilhões no ano passado. Em 2021 e 2022, em parte como reversão do forte crescimento da poupança observado na pandemia, foram registrados saques líquidos de R$ 35,5 bilhões e R$ 103,2 bilhões, respectivamente. A última vez em que houve três anos seguidos de saques foi entre 1999 e 2001.

 

Os resgates de 2023 se somaram ao rendimento de R$ 73,08 bilhões da poupança ao longo do ano. Com isso, o saldo total da poupança recuou para R$ 983 bilhões, frente a R$ 998,9 bilhões no fim de 2022.

Na avaliação Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), os saques do ano passado são fruto do “orçamento contraído” e do “alto endividamento” das famílias.

 

Já o primeiro semestre deste ano deve ser um período de transição para a poupança, de acordo com ele. A tendência é que os próximos meses sejam marcados, novamente, por mais saques do que captações — mas também por continuidade de renegociações de dívidas em geral, consolidação do programa Desenrola e crescimento da renda.

 

“Assim, no segundo semestre, existe até a possibilidade de um saldo positivo das captações, levando a um fechamento mais ou menos equilibrado do ano”, diz.

Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale também destaca a possibilidade de que tenha ocorrido em 2023 “alguma retirada de recursos para pagamento de dívidas”.

 

“A população mais pobre tem sofrido com a inadimplência”, afirma. Outra hipótese levantada por ele é que, “com maior conhecimento financeiro”, a população esteja “começando a entender que a poupança é um investimento de baixo retorno” — principalmente em momentos de “forte aumento de juros”, como aconteceu nos últimos anos. “Para 2024, com a queda dos juros e o Desenrola, pode ser que os saques diminuam de ritmo.”

 

Em seu último Relatório de Estabilidade Financeira (REF), divulgado no começo de novembro, o próprio BC já afirmava que a queda no saldo da poupança, iniciada no segundo semestre de 2021, ocorria “em função da perda de competitividade frente a outras opções de investimento e pela saída de recursos para gastos correntes”.

 

Os números publicados nesta segunda-feira pela autoridade monetária também mostram que as instituições financeiras que aplicam recursos da caderneta em crédito imobiliário (SBPE) registraram saque de R$ 72,3 bilhões no ano passado, com o saldo recuando para R$ 747 bilhões. Os bancos que destinam os recursos para o crédito rural (SBPR) registraram, por sua vez, saque de R$ 15,4 bilhões, diminuindo o estoque para R$ 235,9 bilhões.

 

Vale, da MB Associados, afirma que “certamente” essa queda nos saldos pode ter impacto negativo no financiamento para ambos os setores. “Isso [impacto negativo] sempre acontece quando a poupança diminui. Como o setor imobiliário está relativamente desaquecido, essa questão não aparece com força”, diz. Mas ele destaca a importância da criação de novas fontes de financiamento que sejam “estruturais” e “dependam menos da poupança”.

Tingas, da Acrefi, lembra que ganharam força recentemente as discussões “sobre destinação” de recursos para financiamento da habitação popular, por exemplo.

 

Por sua vez, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do BC chamou atenção para esse cenário na ata de sua última reunião, divulgada no fim de novembro de 2023. O órgão afirmou que seguia “atento à dinâmica de resgates das cadernetas de poupança e seus efeitos nas concessões de crédito imobiliário”.

 

O volume de resgates líquidos no âmbito do SBPE no ano passado representa uma desaceleração na comparação como período imediatamente anterior. Em 2023, houve uma redução anual de 9,5%, contra 10,5% em 2022, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

 

A diminuição do saldo do SBPPE também foi menor percentualmente quando comparada a 2022. No ano passado, a redução alcançou 2,2% para R$ 747 bilhões. Há dois anos, a queda do estoque de poupança das instituições financeiras que aplicam recursos da caderneta em crédito imobiliário alcançou 3,3%.

 

De qualquer modo, os números de 2023 representam mais um aperto na poupança como fonte de recursos ao crédito habitacional. Nos últimos três anos, o saldo do SBPPE recuou R$ 43 bilhões.

 

De 2021 a 2023, as instituições que operam no SBPE assistiram os aplicadores retirarem R$ 188 bilhões do sistema, em saques líquidos. Em 2020, no entanto, o SBPE registrou entradas líquidas de R$ 125,5 bilhões, o que ajudou a amenizar até o fim de 2022 a situação do “funding” do crédito imobiliário baseado na poupança. No entanto, com as retiradas do ano passado esse fôlego se esgotou e hoje o sistema apresenta um déficit de quase R$ 63 bilhões, quando descontada a captação líquida positiva de 2020.

 

Dezembro, porém, reservou uma boa notícia ao sistema. As entradas líquidas de R$ 10,5 bilhões no SBPE amenizaram o rombo do tradicional instrumento em 2023. A captação representou crescimento de quase 100% ante o mesmo período de 2022.

FONTE: VALOR ECONôMICO