Os vereadores decidirão na tarde desta quinta-feira, 21, como a cidade de São Paulo vai se transformar nos próximos anos. Da liberação de prédios de maior porte em grande parte da área urbana até mudanças nas zonas de proteção ambiental e a liberação de megatemplos e shoppings, o projeto de lei de revisão do zoneamento entrará em segunda e definitiva votação. A perspectiva é que o texto seja aprovado com ampla maioria, como foi na primeira discussão.
Conhecida como zoneamento, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo está na fase final de uma revisão que divide opiniões. As mudanças envolvem milhares de quadras e grande parte da área urbana paulistana. Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) tem dito que o projeto está maduro e irá remediar problemas atuais do desenvolvimento da cidade. Após apresentar o texto substitutivo há dois dias da votação, com diversas novas propostas, tem tratado do tema com os demais vereadores.
Eventuais alterações podem ainda ser feitas por meio de emendas — votadas também nesta quinta, antes do recesso parlamentar — e por meio de vetos do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que acatou quase todas as alterações no Plano Diretor feitas pela Câmara neste ano. O projeto de lei é do Executivo, enviado aos vereadores em outubro, mas passou por diversas mudanças no Legislativo.
Pelo prazo de dois dias entre a apresentação do substitutivo e a votação, organizações da área (como o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil) publicaram uma nota pelo adiamento da decisão final dos vereadores em ao menos 20 dias. “A aprovação desta legislação cria reflexos por muitos anos e, por isso, exige uma análise detalhada e um debate qualificado, o que está sendo comprometido pela apresentação de um substitutivo às vésperas da votação definitiva”, diz o texto.
Os vereadores que lideram a revisão têm destacado que cumprem o regimento interno da casa. Também destacam a realização de 35 audiências públicas, com participação virtual e presencial, e o recebimento de centenas de contribuições, parte das quais incorporada ao projeto de lei “quando possível”, conforme expressão frequentemente utilizada pelo relator.
O Estadão tem acompanhado o processo de revisão. Com base em consultas ao projeto de lei e entrevistas com especialistas, setor imobiliário, moradores e vereadores ao longo dos últimos meses, aponta parte das principais mudanças que serão votadas nesta quinta-feira. Confira no perguntas e respostas abaixo:
Projeto vai liberar prédios mais altos em miolos e centrinhos de bairro?
Parte das principais mudanças propostas permite a verticalização dos “centrinhos” e “miolos” de bairro. Com o projeto, mudará o limite de altura nas Zonas de Centralidade e nas Zonas Mistas, que representam grande parte da área urbana da cidade, com milhares de quadras.
O máximo foi elevado de 48 m para 60 m, nos centrinhos, e de 28 m para 42 m, nos miolos, em quadras mais internas dos bairros. Entre as principais vizinhanças com esses tipos de zonas, estão os entornos do Parque da Aclimação, no centro expandido, e do Horto Florestal, na norte, por exemplo.
Essa liberação envolve condomínios em que parte dos apartamentos será voltada à população de baixa renda ou mediante a adoção da chamada “cota de solidariedade”. No caso da cota, o pagamento pode ser feito de diversas formas, como por meio do depósito de 10% a 20% do valor do terreno no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), voltado prioritariamente à habitação de baixa renda e mobilidade.
Moro em um eixo de verticalização. O que muda?
Um dos principais e mais discutidos pontos envolve os “eixos de transporte”, áreas no entorno de estações de metrô e trem e corredores de ônibus que têm descontos e incentivos municipais variados para a construção de prédios sem limite de altura. Hoje, concentram a maior parte da produção de novos apartamentos, especialmente nos bairros valorizados. Segundo o relator, essas áreas aumentarão 34,8% em relação ao total atual, enquanto 11% das vigentes deixarão de ter essa classificação.
Essa ampliação envolve uma mudança nas áreas de influências. Com o projeto, os eixos contemplarão imóveis em quadras que estão ao menos pela metade em um raio de 700 m das estações de metrô e trem e de 400 m de corredores de ônibus. Hoje, essa influência envolve imóveis em quadras totalmente inseridas em quadras a 600 m de transporte sobre trilhos e 300 m de corredor.
A expansão não será, contudo, homogênea. Uma parte não será aplicada, assim como parte das quadras hoje de eixo deixarão de ter essa classificação. Nesses casos, identificou-se que têm características que não estariam aptas a uma intensa verticalização, como a alta declividade, a presença de cursos d’água e a localização em áreas de risco ou em vias com até 10 m de largura. Esses locais receberão um novo tipo de zoneamento, que continua a permitir prédios, porém com um limite de altura (de 10 m a 60 m, a depender do endereço).
Há previsão de obra de metrô, trem e corredor na minha quadra. Algo muda?
O projeto permite que os futuros eixos de verticalização sejam “ativados” antecipadamente mediante o pagamento de 20% da outorga onerosa, principal taxa cobrada do setor imobiliário e destinada ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), reaplicado especialmente em moradia para baixa renda e mobilidade. Dessa forma, o setor imobiliário terá acesso aos incentivos e benefícios municipais para essas áreas antes mesmo da ordem de serviço ou outro indicativo da implantação da estação de metrô ou trem ou do corredor de ônibus.
Entre os eixos previstos ativados, estão trechos do Corredor Norte-Sul, como da Avenida Washington Luís (nos distritos Moema e Campo Belo), Avenida Moreira Guimarães (Moema), Avenida Rubem Berta (Saúde), Avenida Doutor Antônio Maria Laet (no Tucuruvi) e Avenida Interlagos (Socorro). O projeto diz que os 20% de outorga serão destinados para a região do empreendimento, justamente para medidas voltadas à implantação do novo modo de transporte, como para a compra de terrenos, por exemplo.
O que mudou na Rebouças, afinal? Terá mesmo construções mais altas?
Parte das mudanças anunciadas na Avenida Rebouças foi retirada após mobilização da vizinhança. A transformação em um tipo de corredor menos restritivo foi reduzida a “pontas” mais próximas da Rua Estados Unidos e da Avenida Brigadeiro Faria Lima, enquanto as demais quadras do lado ímpar desse perímetro (vizinho aos Jardins) seguem mais restritivas. Os locais que mudaram de classificação permitem alguns tipos de comércios e serviços de médio porte, hoje restritos a pequeno porte, por exemplo.
Por outro lado, parte dos moradores do bairro critica um outro dispositivo, que anistia comércios de alimentação irregulares. O projeto permite a regularização de restaurantes instalados nesse corredor da Rebouças e outros locais, mesmo que não obedeçam aos tipos de uso permitidos na lei. Esse trecho envolve aqueles que estão “comprovadamente instalados ou em licenciamento protocolado até a publicação desta lei”.
Projeto libera megatemplos e shoppings de maior porte
Como o Estadão mostrou, o projeto libera shoppings e templos religiosos de megaporte. A alteração coloca esse tipo de construção entre as exceções que não precisam obedecer ao tamanho máximo de terreno na área urbana da cidade, de 20 mil m², e de fachada, de 150 m. Trata-se de uma lista restrita, que envolve cemitérios, estádios, bases militares e outros casos específicos.
Essa proposta constava na primeira minuta de alteração do zoneamento, de dezembro de 2017, na gestão João Doria (então no PSDB), mas foi descartada até ser retomada pela Câmara. É criticada por permitir a criação de “ilhas urbanas”.
Lazer na cobertura? Projeto dá 3 m extra de altura a prédios com esse perfil
Para além do limite de altura fixado na maior parte da cidade, o projeto permite que novos condomínios tenham até 3 m de altura extra se a cobertura for uma área de lazer comum. Essa mudança também impactará nos miolos de bairro, por exemplo, somando-se ao novo limite revisado. Isto é, nas Zonas Mistas, a altura poderia chegar a até 45 m, por exemplo (em vez de 42 m).
Terá mesmo proteção a vilas? Como vai funcionar? Poderão ser demolidas?
O projeto prevê a proteção a vilas reconhecidas como tal mediante uma avaliação “caso a caso” de órgão municipal competente e a pedido dos proprietários. O conceito desse tipo de conjunto passa por algumas mudanças, como a inclusão de espaços hoje com uso não residencial desde que tenham funcionado como moradia originalmente.
Essa restrição envolve a delimitação como uma Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que não permite construções com mais de 10 m. A mesma restrição é indicada também para vias sem saída com menos de 10 m de largura. Por outro lado, o projeto permite que a proteção possa ser revertida com o aval de todos os donos e de órgão responsável.
O que é o ‘freio’ ao boom de microapartamentos e a studios para Airbnb?
Como o Estadão mostrou em primeira mão, o projeto exclui um incentivo que estimulou o boom de studios, quitinetes e novos microapartamentos na cidade. A proposta impede que empreendimentos que misturem pequenas unidades para hospedagem (Airbnb e afins) e moradia tenham acesso a incentivos públicos para o chamado “uso misto”.
Entre os incentivos que deixariam de atender a esses empreendimentos, estão construir 20% a mais do que o normalmente permitido e ter “desconto” na outorga onerosa, taxa cobrada das construtoras e calculada com base na área construída computável. Com a mudança, para ter o benefício de uso misto, seria necessário incluir outros tipos de espaços não residenciais, como escritórios e comércios.
O que muda em relação às Zonas Especiais de Proteção Ambiental? Poderão ter mais casas?
A proposta transforma parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepams), com endereços que deixam de ter e outros que ganham essa classificação. Essa alteração foi uma das que mais dividiu opiniões nas últimas semanas. Ainda não há um balanço oficial sobre eventual aumento ou diminuição do território com esse tipo de zoneamento.
Como o Estadão adiantou, parte das Zepams foram remarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). A nova classificação permite a regularização fundiária e permanência de famílias de baixa renda, mas dá margem a uma maior urbanização de áreas sensíveis, como em distritos do entorno das represas e da Serra da Cantareira. A justificativa é de que a mudança envolve áreas já “consolidadas”, onde famílias vivem há anos.
Também nas Zepams, desde a versão da Prefeitura, o projeto autoriza comércios de alimentos para até 500 pessoas mediante aval de órgão ambiental não especificado, como antecipou o Estadão. Hoje, essa avaliação deve ser feita nos conselhos gestores dos parques ou no Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades). No Parque do Ibirapuera, por exemplo, a regra vigente libera exclusivamente espaços fixos para público de até 100 pessoas, mesmo após a concessão.
Fim do Jockey? Projeto facilita que parte do espaço vire parque, mas não tudo
Após a nova lei do Plano Diretor indicar a criação do Parque José Carlos Di Gênio onde hoje está o Jockey Club, a revisão do zoneamento indica que a transformação não seria total. Isto é, uma parte do terreno poderia ser desmembrada para se tornar parque, porém o texto destaca a permanência do “funcionamento principal do uso histórico do equipamento, a prática do turfe, respeitadas as suas peculiaridades”.
Projeto facilita a instalação de unidades da Vila Reencontro
A versão mais recente do projeto inclui um trecho voltado a facilitar a instalação de unidades da Vila Reencontro, que são moradias temporárias voltadas à população em situação de rua, especialmente famílias. O novo trecho dá flexibilidade ao tipo de instalação desses espaços (alguns envolvem casas de 18 m² em contêineres, por exemplo), que fazem parte de um programa lançado pela gestão municipal atual.
Restrição a ‘dark kitchens’ é retomada pelo projeto
Embora a lei municipal que fixa regras para o funcionamento de “dark kitchens” (cozinhas “fantasmas”, voltadas exclusivamente ao serviço de entrega) tenha sido derrubada pela Justiça, parte dessa regulação também está na revisão do zoneamento. Dessa forma, esses espaços seguiriam considerados como indústrias e, quando de maior porte (mais de 1 mil m²), ficam restritos a poucas zonas da cidade.
Muda alguma coisa nas Zonas Corredor?
Outro trecho novo que gerou críticas é o que exime os imóveis da maioria das Zonas Corredor (exceto as próximas de áreas ambientais) de atender às exigências registradas em cartório quando mais restritivas que as leis municipais. Isto é, esses locais poderiam seguir apenas às regras impostas pelo poder público, mas não mais às exigências previstas em escrituras de loteamento de anos (e até décadas) atrás. Esses corredores ficam no entorno de Zonas Exclusivamente ou Predominantemente Residenciais, como dos Jardins, por exemplo.
Além disso, também autoriza a instalação de escolas de até 2,5 mil m² de área construída “computável” (o que não inclui alguns espaços) nas ZCOR-2 e ZCOR-3, dispostas em corredores mais movimentados. Entre os locais com essa classificação, estão trechos da Avenida João Dias e da Avenida Indianópolis, na zona sul, e da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, da Avenida Europa e da Avenida Brigadeiro Faria Lima, nos Jardins.
Expansão do incentivo a praças privadas
O projeto amplia os benefícios a construtoras que implantarem praças privadas de uso público em seus empreendimentos, como mostrou o Estadão, a todas as zonas da cidade. O objetivo é aumentar áreas de uso público para moradores, trabalhadores e frequentadores do entorno, assim como o movimento de pedestres.
Essas praças não têm o perfil de pracinhas de bairro, mas de áreas abertas com bancos, vegetação e outros espaços de estar, como há hoje em raros empreendimentos corporativos da cidade. A proposta tem certa resistência entre uma parte dos especialistas, pelo bônus que permite às construtoras e o pouco detalhamento dos tipos de intervenções exigidas.
O projeto mantém os benefícios aos ‘prédios conceito’?
O primeiro substitutivo do projeto havia resgatado uma proposta de 2017, de incentivo ao que chamava de “prédios conceito”. Esse termo foi retirado no projeto final, porém parte dos benefícios estão mantidos, com ajustes.
Esses prédios são aqueles que incorporaram algumas medidas de menor impacto ao meio ambiente, como a implantação de pré-tratamento de esgoto, a instalação de energia fotovoltaica e a criação de jardins verticais. Em vez do desconto de 20% na outorga cobrada das construtoras (que gerou críticas por envolver uma possível “assimetria” entre os ganhos ambientais e os estímulos municipais), o novo texto dá direito a até 10% de área não computável (construída “grátis”, sem a cobrança da taxa).
Há alguma mudança específica para o entorno do Ibirapuera?
O projeto cria uma Zona de Ocupação Especial (ZOE) em uma área do Exército nas proximidades do Parque do Ibirapuera, na zona sul. O Comando Militar do Sudeste tem planos de expansão do Forte Ibirapuera, nas Ruas Manoel da Nóbrega e Abílio Soares, com novas instalações da recém-recriada Companhia de Comando da 2.ª Divisão de Exército e dos Próprios Nacionais Residenciais (apartamentos para moradia de militares). Com a alteração, seria possível firmar regras mais flexíveis para o endereço, o que facilitaria uma expansão e verticalização.
O centro não terá mais ferro-velho e centro de reciclagem?
O projeto prevê a proibição da instalação de ferros-velhos e comércios de materiais destinados à reciclagem em parte da região central. Essa proibição abrange o distrito Sé, grande parte dos distritos República e Brás e pequenos trechos do distrito Consolação.
O que muda em relação a barulho?
Após um vaivém revelado pelo Estadão, o Município retirou totalmente o trecho do projeto que previa a fiscalização de limite de barulho em residências pelo Programa Silêncio Urbano (PSIU). O texto substitutivo manteve o trecho que adia a entrega do mapa de ruído urbano para 2029.
A proposta vai alterar as Zonas Estritamente Residenciais?
As Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER) não serão revistas neste momento. “Não incidirão índices e parâmetros urbanísticos menos restritivos do que aqueles atualmente aplicados”, destaca um dos trechos iniciais do projeto. Isto é, não há alteração prevista nas áreas restritas a casas, o que inclui, por exemplo, partes dos distritos Alto de Pinheiros, Pacaembu, Jardins, Interlagos e outros.
As mudanças no zoneamento são válidas até quando?
Não há uma data específica. A legislação atual prevê, contudo, que a Prefeitura proponha um novo Plano Diretor até 2029. Em geral, após alterações substanciais no plano, é necessário realizar mudanças também no zoneamento, visto que as duas leis estão interligadas.
As novas regras vão atingir imóveis já licenciados ou vendidos na planta?
Não. Os projetos de empreendimentos imobiliários costumam buscar as licenças na Prefeitura bem antes do início da obra. Nesses casos, incidirá o “direito de protocolo”, que é a permissão para a construção com base na legislação vigente no início da tramitação do processo no poder público. Dessa forma, transformações propostas no zoneamento podem levar anos para se tornar mais evidente na cidade.
O zoneamento vale para toda a cidade? Como ficam locais com projetos específicos e operações urbanas?
O zoneamento incide sobre toda a cidade, mas a legislação paulistana determina que algumas áreas consideradas subutilizadas ou com propostas de transformação específica recebam projetos e regramentos diferenciados. Essas normas e incentivos integram os Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) e as Operações Urbanas, como em parte do centro, do entorno do Rio Jurubatuba, da região da Avenida Brigadeiro Faria Lima e da Avenida Água Espraiada, dentre outros locais.
O que acontece após a aprovação na Câmara?
Se aprovado pela Câmara, o projeto de lei será remetido para o prefeito. O Executivo poderá promulgar o texto, vetar alguns trechos ou rechaçar a proposta na íntegra. Com maioria no Legislativo, Nunes acatou quase todas as mudanças feitas pelos vereadores no Plano Diretor e possivelmente repetirá o gesto com o zoneamento.