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31/10/2019

Prefeitura de São Paulo publica proposta de revisão da lei de zoneamento

Muito esperada pelo setor imobiliário

A Prefeitura de São Paulo publica nesta quinta (31), no site Gestão Urbana (gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br), minuta que propõe alterações na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, mais conhecida como Lei de Zoneamento.

Muito esperada pelo setor imobiliário, que pressiona por mudanças no texto de 2016, a nova minuta deve frustrar incorporadores, que tinham como principal pleito a diminuição de 30% no valor da outorga onerosa.

O texto deve, também, desagradar a urbanistas, que se opõem à revisão de uma lei tão jovem sem estudos que justifiquem modificações ou simulações do impacto que a revisão possa ter.

A proposta ainda será alvo de quatro audiências públicas ao longo de novembro, antes de a redação final ser enviada para a Câmara Municipal, o que deve ocorrer em dezembro. 

A minuta agora apresentada difere em aspectos cruciais da apresentada em 2018, quando a prefeitura, então sob João Doria (PSDB), anunciou um primeiro plano de modificação.

Para a gestão, a lei precisava de uma calibragem -- termo com que chamam a revisão -- para se adaptar às necessidades reais da cidade.

Segundo Fernando Chucre, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, a ideia foi modular os anseios do mercado e as necessidades urbanas.

Uma das mudanças pretendidas pelo setor imobiliário era a ampliação do gabarito -- a altura dos edifícios -- nas zonas mistas e de centralidade dos bairros.

Nas zonas de centralidade, aquelas em que há atividades típicas de centros regionais, como comércio local, o gabarito passa de 48 metros para 60 metros; nas zonas mistas, que mesclam residencial e não residencial, vai de 28 metros para 48 metros.

O aumento, porém, só vale para ruas com mais de 12 metros de largura.

A tese, diz o secretário, é que, ampliando a oferta em zonas foras dos eixos de adensamento propostos pelo Plano Diretor, diminuiria o que ele chama de “elitização do corredor”, o aumento do valor do metro quadrado nas regiões mais bem servidas em termos de transporte coletivo.

Moradores da Vila Moinho Velho, zona sul, onde projeto de lei previa construção de prédios Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Na opinião de Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Unifesp, não é tão simples assim.

“A ideia de que aumentar a altura da edificação em zonas mais distantes do transporte coletivo vai diminuir o preço no eixo é uma falácia”, diz ele, para quem “o que a classe média quer é morar perto do transporte, principalmente metrô”.

Nakano diz ainda que a limitação de construção de acordo com a largura das ruas é insuficiente. “A pessoa não vai circular só na rua, vai circular no sistema viário”.

As vagas de garagem são outra batalha do mercado. A lei de zoneamento de 2016 estabeleceu que empreendimentos residenciais localizados perto de estações de metrô e corredores de ônibus poderiam ter uma vaga a cada 60 m² nas unidades habitacionais.

Assim, apartamentos de 120 m² nos corredores poderiam ter dois espaços de estacionamento. As vagas excedentes passariam a ser contadas como área computável -- vagas, como varandas, portarias e casas de máquinas não entram no cálculo do coeficiente de aproveitamento, que é limitado de acordo com a região.

Essa regra, porém, era válida por três anos, até março de 2019. A partir daí, unidades habitacionais nesses eixos só poderiam ter uma vaga, independentemente da metragem.

A proposta apresentada nesta quinta-feira permite que um edifício residencial tenha uma vaga por unidade ou uma vaga a cada 60 m² de área computável.

Com isso, o total dos espaços de estacionamento pode ser redistribuído entre as unidades -- que podem ser vendidas com mais de uma vaga ou sem vaga alguma.

Se foi parcialmente atendido no gabarito e nas vagas, o setor imobiliário viu banido do texto qualquer desconto na outorga onerosa.

A outorga é paga aos cofres municipais em troca do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico de cada terreno. Ela é direcionada ao Fundurb, fundo destinado à implementação de melhorias urbanas.

Segundo Chucre, a demanda não encontra amparo técnico.

“Não estou dando [o desconto] porque entendo claramente a importância do Fundurb para produção de habitação de interesse social, mobilidade e outras coisas mais. Se neste ano se baixou juro, se tem recurso para financiar obra e para comprar, não tem justificativa para redução da outorga.”

Alavancado pelo aquecimento do setor de construção civil, o Fundurb recebeu, em 2019, R$ 492 milhões vindos de outorga.

A minuta cria um novo mecanismo para aumentar a arrecadação do fundo, ao prever uma cota de solidariedade voluntária para imóveis com área computável menor do que 20 mil m² -- ela é obrigatória para imóveis maiores.

Pelo novo texto, os empreendimentos com menos de 20 mil m², que são a maioria, doam 10% do valor da área total do terreno ao Fundurb e, em troca, recebem 10% de acréscimo na área computável.

A proposta da prefeitura procura ainda fomentar a produção de moradia popular ao modificar os percentuais de habitação de baixa renda nas Zeis (zonas especiais de interesse social).

Era desejo dos empreendedores diminuir as unidades destinadas à faixa HIS 1 (para famílias de renda de até três salários mínimos mensais), nas Zeis 1,2,3 e 4.

Hoje, 60% das unidades nessas áreas deve ser destinada a HIS 1, e os outros 40% para a faixa de três a seis salários mínimos (HIS 2).

O setor ambicionava mudar a proporção para 50%-50%, com o argumento de que as unidades mais caras ajudariam a subsidiar as mais baratas

Pela nova proposta, o coeficiente de aproveitamento nessas Zeis será aumentado em 20% -- mas toda a área extra deve ser destinada a HIS 1, na qual se concentra a maior parte do déficit de moradia.

A minuta trará modificações em vários outros aspectos da lei de zoneamento, que não ocuparam tanto o debate entre mercado e urbanistas.

Um ponto sensível ficou de fora: o que fazer com as ZER (zonas estritamente residenciais), regiões como o Pacaembu e os Jardins, que têm se esvaziado, mas que contam com associações de moradores consolidadas e atentas a qualquer modificação no zoneamento.

Segundo Chucre, desde que assumiu a pasta, no início do ano, foi muito procurado por entidades de bairro. “Com todas as áreas estritamente residenciais a gente conversou em algum momento, o que gerou uma decisão minha de não mexer uma vírgula em nada que envolva ZER.”

O secretário diz que a mudança no zoneamento está sujeita ao teste da realidade -- e à discussão que inevitavelmente virá de diferentes setores nos próximos dois anos, quando deve haver a revisão do Plano Diretor Estratégico de 2014.

“Posso errar a mão”, diz o secretário, “mas em 2021 se calibra de novo”.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO