O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida foi importante catalisador de crescimento para incorporadoras como MRV Engenharia, Tenda e Direcional Engenharia nos últimos dez anos. Essas empresas já atuavam na baixa renda, mas o programa contribuiu para que ganhassem escala, aprimorassem processos, passassem a repassar, no momento da venda, os recebíveis dos clientes para os bancos parceiros e se tornassem geradoras de caixa.
"O Minha Casa representa, hoje, dois terços do mercado. Para as empresas de baixa renda, o mercado estaria limitado sem o programa", diz o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. Segundo pesquisa do portal Zap, 56% dos apartamentos lançados na cidade de São Paulo, em 2018, foram enquadrados no programa.
Em 2018, a MRV lançou 41.195 unidades, 75% acima do volume de 2008, último ano antes do anúncio do programa. Para efeito de comparação, em 2008, 52% das unidades lançadas pela incorporadora tinham financiamento enquadrado no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), parcela que foi de 97% no ano passado. Entre 2008 e 2018, o volume lançado pela Direcional, aumentou 97%, para 10.572 unidades.
"MRV, Tenda e Direcional usam pouco capital de giro, compram terrenos por permuta e têm estrutura de financiamento que permite o repasse na planta de forma relevante. As empresas puderam crescer e ficar menos alavancadas por causa do Minha Casa", diz um analista setorial, ressaltando que a MRV (maior operadora do programa, com atuação principal na faixa 2) conseguiu montar estrutura de gestão de obras em todo o país.
Nos últimos anos, a companhia fundada por Rubens Menin se tornou a maior incorporadora do país, superando a tradicional Cyrela. "Sempre trabalhamos com habitação popular. Em 2007, tivemos o maior IPO [lançamento inicial de ações] do setor, em que levantamos R$ 1,2 bilhão. Depois, fizemos um 'follow-on' [oferta subsequente] de R$ 800 milhões. Teríamos crescido com ou sem Minha Casa, Minha Vida se fosse mantido o modelo anterior", diz Menin.
O fundador do MRV ressalta que a habitação de baixa renda já contava com recursos do FGTS para a população com renda de até dez salários mínimos antes de o programa ser lançado em 2009. "O governo do PT criou a marca Minha Casa, Minha Vida e aprimorou o que havia, mas o FGTS sempre teve o papel de financiar a habitação popular", afirma o presidente da Direcional, Ricardo Ribeiro.
Para Menin, o principal ponto positivo do Minha Casa, Minha Vida foi sua elaboração "com a participação da iniciativa privada, que sempre esteve na mesa para conversar". O Minha Casa foi elaborado por representantes do governo e da MRV, Gafisa (que havia comprado a Tenda), Cyrela, RNI Negócios Imobiliários (que se chamava Rodobens Negócios Imobiliários), Rossi Residencial, PDG Realty e WTorre entre os últimos meses de 2008 e março de 2009. "Qualquer país precisa de um programa de habitação popular. É uma atividade que gera emprego e desenvolvimento econômico", diz Menin.
O presidente da Tenda, Rodrigo Osmo, destaca que o Minha Casa "supre moradias para uma classe social que não tem alternativa" e resulta em superávit para a União. Segundo a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em 2018, o superávit gerado pelas faixas 1,5, 2 e 3 foi de R$ 8 bilhões, considerando-se a arrecadação de R$ 8,9 bilhões em impostos diretos e indiretos e subsídios de R$ 900 milhões do Orçamento Geral da União (OGU).
"Em dez anos, o programa representou geração de empregos e impostos, o que aqueceu a economia, a infraestrutura, a segurança e a saúde pública, além de possibilitar financiamento a famílias", diz o diretor de Relações Institucionais da Cury, Ronaldo Cury. A Cury - da qual a Cyrela tem 50% de participação - teve mais de 45 mil unidades contratadas pelo programa.
"Com pontos a serem corrigidos, o Minha Casa, Minha Vida é um dos programas habitacionais mais bem conduzidos do mundo", diz Ribeiro. Em 2018, as faixas 2 e 3 responderam por 87% dos lançamentos da Direcional. A faixa 1 chegou a 60% da receita da Direcional, mas com a forte redução de contratações do segmento, ocorrida a partir 2015, as faixas 2 e 3 ganharam participação.
Para Mauro Bastazin, copresidente da HM Engenharia - incorporadora do grupo Camargo Corrêa com foco na baixa renda -, o programa tem de ser melhorado, mas não se pode prescindir dele. "É um projeto de estado, não de governo, que não pode ser descontinuado", diz Bastazin. A HM atua, principalmente, nas faixas 2 e 3.
Mas operar no Minha Casa também tem desafios para as empresas, como margens apertadas e oscilações decorrentes dos momentos de inconstância na liberação de recursos do FGTS e do Tesouro Nacional. "A principal fragilidade é a sustentabilidade do FGTS. É difícil para as empresas soltar as amarras sem confiança de que haverá recursos disponíveis para financiar o setor lá na frente", conta Osmo.
O não entendimento preciso de como operar recursos do FGTS, de se relacionar com a Caixa Econômica Federal , lançar produtos para a baixa renda e atuar em um segmento de giro elevado e margens baixas foram os fatores que levaram empresas que não atuavam no segmento a "ficar pelo caminho" na tentativa de atuar no Minha Casa, Minha Vida, segundo um analista setorial. Há pouco mais de um ano, tem havido novo movimento de retorno ao programa por incorporadoras com presença nas rendas média e alta.
O baixo retorno sobre patrimônio (ROE) - relação entre o resultado líquido e o patrimônio líquido - das incorporadoras que atuam no programa é outra dificuldade. "O ROE é inferior ao custo de capital que as empresas têm para operar", diz Ribeiro. Os preços médios dos imóveis inferiores aos demais contribuiu para o aumento do volume vendido pelas participantes, mas resultaram também em margens pressionadas. "O grande desafio do setor é entregar rentabilidade", afirma Ribeiro.
O presidente da Tenda ressalta que a receita das incorporadoras de baixa renda é deteriorada pela inflação, pois os preços dos imóveis não são ajustados pelo programa, apesar das altas dos insumos. Em 2018, a Tenda obteve ROE de 17%, ante 9,7% de 2017. Foi a primeira vez em que esse retorno ficou acima do custo de capital que a empresa tem para operar. "Ao longo de dez anos, a Tenda não entregou o retorno aceito pelos acionistas", diz Osmo.