A equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quer combinar políticas de aluguel social com a construção de novas moradias para a baixa renda em uma retomada do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
O grupo de transição tem mantido diálogo com o setor de construção civil para mapear obras paralisadas e reunir estudos sobre as frentes que podem ser incorporadas no aperfeiçoamento do programa, criado em março de 2009 por Lula.
O segmento vê as mudanças com bons olhos, mas alerta para que não sejam repetidos erros do passado, como construção de empreendimentos em locais afastados ou de difícil acesso.
Sob o governo Jair Bolsonaro (PL), o Minha Casa, Minha Vida minguou com a redução drástica dos recursos destinados ao programa. Rebatizado de Casa Verde e Amarela, ele ganhou tração apenas por meio de financiamentos subsidiados.
Na proposta de Orçamento de 2023, a política sofreu um corte de 95% em suas verbas. A peça reserva apenas R$ 34,2 milhões para o FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), que banca a construção de novas casas.
"Nossa proposta de retomada do programa Minha Casa, Minha Vida além de voltar a atender as famílias de baixa renda, cujo atendimento foi abandonado desde 2016, prevê também aperfeiçoar o programa com soluções e modalidades apropriadas à diversidade urbana e regional do país", diz à Folha a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior.
Ela foi nomeada na sexta-feira (11) como integrante da equipe de transição do novo governo. Belchior vai assessorar o ex-ministro Aloizio Mercadante na coordenação dos grupos técnicos e é cotada para assumir cargo de comando na área de obras de infraestrutura.
Segundo ela, o programa habitacional deve ser fortalecido com construção de moradias, aluguel social, lotes urbanizados, além de ações em áreas centrais que utilizem edifícios vazios ou subutilizados, com o objetivo de garantir moradia à população.
O grupo que discute a reformulação do Minha Casa já tem uma previsão preliminar do volume de recursos necessários para dar conta do plano, mas o número tem sido mantido em segredo. A justificativa é que essa cifra ainda será discutida e refinada a partir dos trabalhos da transição.
Apenas a continuidade das obras em andamento demandaria R$ 700 milhões, segundo cálculos do setor de construção. Mas não há estimativa precisa sobre a necessidade de recursos para as demais frentes de atuação.
O presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, avalia que a volta de subsídios para a população mais vulnerável é uma mudança positiva nos rumos do setor, mas defende que a proposta do novo governo leve em consideração problemas antigos do Minha Casa, Minha Vida.
Isso significa não repetir o modelo de construção de milhares de unidades num mesmo empreendimento, nem escolher locais de difícil acesso ou distantes dos grandes centros para erguer as moradias, entre outros problemas dos projetos.
No Minha Casa, Minha Vida, a inadimplência entre os beneficiários mais pobres também era considerada alta, apesar das condições favoráveis para quitação do contrato. O atraso no pagamento das parcelas desse segmento aumentou de 2014 a 2021, beirando 50% dos beneficiários.
"É muito importante ter esse foco na população que, muitas vezes, não tem condição de pagar pela casa. Mas, além do lado social, temos que olhar para o gasto público e também para outras questões [da versão anterior do programa], como a qualidade e localização dos empreendimentos", afirma Martins.
A liberação de verbas para impulsionar o programa habitacional vai depender do desenrolar das discussões da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que deve tirar o Bolsa Família do alcance do teto de gastos —regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação.
A medida liberaria R$ 105 bilhões hoje reservados na proposta de Orçamento de 2023 para a política de transferência de renda. O dinheiro poderia então ser redistribuído em ações como Farmácia Popular, merenda escolar e o próprio programa habitacional.
O primeiro pilar da retomada do Minha Casa deve ser a volta da construção de moradias para a faixa 1. Esse segmento era voltado a famílias com renda bruta de até R$ 1.800 por mês (valor usado em 2020). Elas tinham acesso a contratos com subsídio de até 90% do valor do imóvel, sem juros.
No governo Bolsonaro, esse valor de referência passou a R$ 2.000 e depois para R$ 2.400. Mesmo assim, as entregas se concentraram nos financiamentos, uma vez que cortes do Orçamento limitaram a retomada de obras ou contratação de novas unidades.
A maior variedade no cardápio de instrumentos para atacar o déficit habitacional, por sua vez, tem sido vista como sinal da disposição do novo governo em levar em conta os erros do passado nas mudanças futuras.
O aluguel social pode ser uma saída importante para atenuar um dos principais componentes do déficit habitacional no Brasil: o ônus excessivo com aluguel. São famílias que comprometem mais de 30% de sua renda com o pagamento por uma moradia que não é própria.
Segundo o último diagnóstico da Fundação João Pinheiro, 3 milhões de domicílios sofriam com o ônus excessivo do aluguel em 2019. Isso representa 51,7% de todo o déficit habitacional do país.
No plano federal, o aluguel social ou emergencial costuma ser usado para atender a quem foi desalojado devido a alguma calamidade, bancando o pagamento integral.
O aluguel social como política habitacional, porém, concentra esforços na complementação da capacidade de pagamento de aluguel, em escala mais ampla e com possibilidade de pagamento parcial. Há iniciativas desse tipo em Belo Horizonte e também em outros países, como França e Inglaterra.
A equipe de Lula ainda não divulgou os detalhes de como funcionaria o novo modelo de programa habitacional, mas a equipe já tem o diagnóstico de que é necessário destinar mais recursos para a faixa mais pobre.
O time do petista pediu ao setor da construção civil diagnósticos sobre possibilidade de revitalização de centros urbanos, com atuação integrada para disponibilizar moradia e viabilizar o comércio local.
Há preocupação também com a retomada de obras. Um dos panoramas recebidos ainda na campanha eleitoral indicava a existência de 4.700 obras paralisadas, não só na área habitacional, mas de infraestrutura em geral. Isso inclui construção de creches e postos de saúde, por exemplo.
Matéria publicada em 14/11/2022