Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou mais um aumento para a Selic, a taxa básica de juros, que voltou para o patamar de dois dígitos pela primeira vez desde 2017: 10,75% ao ano (a.a.).
É a oitava reunião consecutiva com aumento da taxa, dentro de um ciclo de alta que se iniciou em março de 2021 — quando a taxa de juros saiu da mínima histórica em 2% a.a.
E como esse ciclo de alta afeta a vida do consumidor? De modo geral, juros mais altos significam menos chamariz para o consumo, mais incentivo para poupar (e deixar o dinheiro rendendo a taxa mais altas na renda fixa), um freio para inflação, que encerrou 2021 a 10,06% a.a., mas também é um sinal de alerta ao consumidor que quer tomar crédito, como comprar a casa própria, por exemplo.
A tendência é que o custo dos financiamentos imobiliários suba. A variação da Selic está diretamente relacionada aos custos dos empréstimos imobiliários porque as instituições financeiras, responsáveis por ofertar esse tipo de financiamento, costumam repassar essa flutuação da taxa básica de juros às taxas cobradas nos contratos.
Dessa forma, quando a Selic cai, como vimos nos últimos anos, as prestações tendem a se tornar mais suaves, viabilizando a compra de um imóvel para mais pessoas. Por outro lado, o oposto é verdadeiro: quando a Selic aumenta, as parcelas tendem a ficar mais caras.
“O repasse das instituições para os contratos não necessariamente é imediato. Leva alguns meses. Mas, com essa mudança para dois dígitos, é muito provável, que os grandes bancos vão subir suas taxas para acomodar a alta nos próximos dois meses”, analisa Alberto Azjental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Esse delay foi observado ano passado: mesmo com o ciclo de alta já em movimento, as operações de crédito imobiliário atingiram o recorde histórico de R$ 255 bilhões em 2021, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Considerando aquisição e construção, os financiamentos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) alcançaram R$ 205 bilhões, com alta de 66% em relação a 2020, enquanto o montante financiado pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) atingiu R$ 49 bilhões.
Para se ter ideia do impacto no bolso: a cada 1 ponto percentual (p.p.) que a Selic sobe cerca de 1 milhão de famílias perdem a capacidade de fazer um financiamento imobiliário diante dos custos.
“Ou seja, com esse ciclo de alta da taxa básica, em menos de um ano, cerca de 3 milhões de famílias ficaram excluídas da possibilidade de tomar crédito por não conseguirem arcar com os valores”, afirma Daniela Akamine, advogada especialista em direito imobiliário, sócia do Akamine Advogados, que calculou a estimativa.
O InfoMoney procurou os cinco grandes bancos do país, e por ora, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa, Itaú e Santander afirmaram que suas taxas atuais estão mantidas.
De agora em diante, com um ciclo de alta mais expressivo, qual é a melhor linha de financiamento imobiliário para realizar o sonho da casa própria? E o que considerar na decisão?
Simulações de financiamentos
A pedido do InfoMoney, a Credihome, fintech especializada em comparação de crédito, adquirida ano passado pela Loft, fez duas simulações para mostrar as opções disponíveis ao consumidor.
O que foi considerado em ambas as versões: dois tipos de imóveis, um de R$ 500 mil e outro de R$ 800 mil (tomando 80% do valor de financiamento) e o prazo de 30 anos de contrato.
As taxas de juros consideradas foram as disponibilizadas pelos bancos para a simulação — em alguns casos os clientes podem conseguir taxas mais baratas ou encontrar taxas mais caras, sempre a depender do relacionamento do cliente com o banco.
Além disso, foram considerados dois cenários: o cenário 1 (verde) leva em consideração o momento atual de juros no país, ou seja, a Selic em 10,75% a.a., conforme o último resultado do Copom, e o IPCA no patamar de 10,06% a.a., embutido mensalmente na parcela. Ou seja, como a se pessoa fosse fechar um contrato hoje.
O cenário 2 (lilás) traz uma simulação futura, considerando a Selic a 11,75% a.a., e com o IPCA de 5,38%, segundo a projeção do Boletim Focus, divulgado na segunda (31) pelo Banco Central. Ou seja, como se a pessoa fosse fechar um contrato em janeiro de 2023. Assim, a simulação calcula como a Selic e o IPCA seriam aplicados na parcela mensalmente.
Vale citar que as tabelas são um exercício para ajudar o leitor a refletir sobre o melhor custo-benefício para ele, considerando diferentes modalidades de financiamento e os juros. Sempre vale buscar sua instituição financeira para entender exatamente as suas condições.
Qual a melhor linha de financiamento?
Pela tabela de cenário atual, o menor valor total do financiamento é o da linha atrelada ao rendimento da poupança em ambos os cenários e para ambos os imóveis.
A remuneração da poupança tem um mecanismo específico: ela rende 70% da Selic mais a TR quando a Selic é menor ou igual a 8,5% a.a. — situação encontrada até 8 de dezembro, quando o Copom subiu a Selic 1,5 p.p para 9,25% ao ano.
Se a taxa básica passa de 8,5% a.a., como no momento atual, ela retorna à regra antiga e passa a render 6,17% a.a. mais a Taxa Referencial (ou 0,5% ao mês mais a TR), que é sua remuneração máxima. Vale lembrar que a TR não está mais zerada, ela é atualizada diariamente pelo Banco Central, porém sua variação ainda é muito pequena, influenciando pouco o resultado final.
Portanto, a taxa de juros na modalidade atrelada à poupança tem um teto previsto — não sobe mais do que o patamar atual (considerando que os bancos não aumentarão a parte fixa).
Assim, os juros dessa modalidade não ultrapassam a parte fixa do banco + 6,17% de remuneração da poupança — lembrando que essa parte fixa pode variar para cima de banco para banco, e também depende do relacionamento do cliente com a instituição.
“A modalidade atrelada à poupança é uma opção a se considerar porque não vai mais ser alterada com as próximas altas da Selic. Isso dá previsibilidade ao consumidor”, explica Azjental.
Mais que isso, o consumidor pode ter redução em sua parcela dentro de um ano. “Se a Selic cair em 2023, por exemplo, e voltar ao patamar de 8% a.a., a parcela do consumidor que fechou o contrato atrelado à poupança ficaria mais barata, já que a taxa de juros passaria a ser a taxa fixa + 70% da Selic”, acrescenta Daniele.
É o que vemos no cenário B, de futuro, em lilás. As linhas atreladas ao rendimento da poupança ficam mais baratas. Embora a taxa Selic tem previsão de subir, a simulação da Credihome já inclui ao longo do contrato uma redução da Selic em 2023, conforme a previsão do Focus mais recente. Assim, a modalidade fica ainda mais vantajosa porque volta a render 70% da taxa básica de juros. Ou seja, o máximo que o cliente vai pagar nessa modalidade já está precificado.
IPCA
Por outro lado, é possível observar que o valor final dos contratos de IPCA é sempre o mais caro em todos os cenários e preços de imóveis simulados.
“Agora é para fugir da modalidade com IPCA. Ano passado bateu 10,06% ao ano, bem acima da meta e fica muito imprevisível para a pessoa pagar. Por mais que a parcela inicial seja mais barata, ela vai aumentando ao longo do tempo”, avalia a advogada sócia do Akamine Advogados.
“E com prazos de contrato de 25, 30 anos essa oscilação pode ser muito prejudicial para o bolso do consumidor”, complementa.
Segundo a projeção do Focus, divulgado pelo Banco Central, porém, o IPCA pode cair para 5,38% a.a. ao fim de 2022. No curto prazo, optar pelo IPCA, pode ser uma opção, mas com consciência dos riscos.
Segundo Rafael Costa, líder de produtos da Credihome, deve considerar um contrato corrigido pelo IPCA quem quer liquidar o empréstimo no curto prazo e tem dinheiro na mão. Por quê?
“No IPCA, a parcela inicial é menor, mas ela acompanha a variação do índice. Portanto, as parcelas iniciais podem ser menores que nas outras modalidades, e se o IPCA cair, elas também reduzem — o que poderia ser uma vantagem” afirma.
“O problema está no oposto: as parcelas começam menores, mas se o IPCA subir, como foi ano passado, o consumidor tem que arcar com parcelas bem mais altas. Pode ser uma armadilha para o consumidor desavisado, que olha apenas as parcelas”, finaliza.
Então, a recomendação do especialista é: evite o produto. A única exceção é o tomador que tem dinheiro para quitar o financiamento em caso de o IPCA disparar, em um contrato curto e sempre acompanhando de perto a oscilação.
“Para ter uma ideia: quem contratou o IPCA no início de 2021 e teve o saldo devedor corrigido pelo índice ao longo do ano passado, hoje com certeza está devendo mais do que o saldo devedor inicial. É um produto muito arriscado, que geralmente não vale a pena, até mesmo porque a maioria das pessoas não consegue ter esse dinheiro em mãos para quitar a dívida”, acrescenta Costa.
Diante disso, é uma modalidade recomendada para um tomador mais agressivo, que faz um contrato de cerca de 10 anos e pode quitá-lo, já que as correções que o indexador pode sofrer não têm limites.
TR
A opção atrelada à TR mais a taxa fixa também pode ser atrativa porque oferece mais previsibilidade.
“Essa foi já foi melhor, considerando que a TR não está mais zerada. Com a alta dos juros, ela saiu de zero. Então, essa opção tende a sofrer uma variação, mesmo que bem pequena. Mesmo assim é muito menos arriscado para o consumidor do que o IPCA, que não tem limite de alta”, avalia Daniele.
Esta modalidade é mais indicada para os consumidores mais conservadores, sem surpresas e faz sentido quando o cliente tem pretensão de pagar as parcelas no prazo previsto no contrato, sem quitar a dívida antes do previsto.
Vale ressaltar que para mostrar os cenários de futuro na simulação, a Credihome manteve as taxas das linhas de financiamento atreladas à TR iguais em ambos os cenários porque não tem como saber qual será a taxa de cada banco no futuro, porém, é natural que haja um aumento na comparação com agora.
Costa diz que a taxa média de mercado para o segmento pode alcançar algo entre 10% e 11% mais para frente.
Olho no orçamento
Para tomar a decisão sobre qual a melhor linha de financiamento para o momento é preciso considerar o momento de vida, o orçamento, o perfil do consumidor.
Segundo Fernanda Della Monica, agente autônoma da 3A Investimentos, o crucial é entender o quanto a família pode abrir mão da renda mensal para investir na moradia, ou seja, avaliar com cuidado o orçamento para entender se é possível honrar os compromissos.
“Embora o imóvel seja o desejo de muitas pessoas, não adianta se atolar em uma dívida de longo prazo. Então, há uma necessidade real de comprar um imóvel agora? Tem dinheiro para arcar com as parcelas e valor total? São perguntas que devem ser respondidas para a família não perder a saúde financeira”, avalia a especialista.
Outro ponto ressaltado pela agente autônoma: a reciprocidade com os bancos.
“O que o banco pede para oferecer a melhor taxa para o cliente? É preciso avaliar com cuidado. Geralmente é preciso ter uma série de vínculos com os bancos para ter taxa bonificada, e o cliente precisa entender se faz sentido ter cartão de crédito, seguro de vida, entre outros produtos, que podem ter custos extras, para ter uma taxa mais baixa”, lembra Fernanda.
O segredo no fim do dia é colocar tudo na ponta do lápis, inclusive o sonho da casa própria, para entender se é um bom momento para tomar esse crédito.
Confira o CET
Para fechar o negócio é muito importante que o consumidor avalie as taxas de juros e escolha a modalidade mais adequada ao bolso, mas não é só isso que é preciso observar.
O Custo Efetivo Total (CET) da operação é a taxa que mostra efetivamente o que vai sair do bolso do consumidor. “É uma boa forma de comparar as linhas que você está considerando nas diferentes instituições financeiras”, diz Azjental, da FGV.
O CET engloba todas as despesas do financiamento, ou seja, os juros, mas também as tarifas operacionais; valor total final; e os seguros obrigatórios, cujos preços variam de banco para banco. A taxa é informada pelo banco na hora da contratação.
Aqui vale o alerta: é importante que o consumidor avalie com calma os custos da operação.
Na simulação, o CET da linha atrelada ao IPCA chega a ser até menor do que de algumas linhas atreladas à TR. Porém, Costa, da Credihome, explica que isso aconteceu porque, por ora, a projeção de IPCA para o fim do ano é de queda, conforme o Focus. Assim, a simulação considera uma queda de IPCA mês a mês.
“No cenário futuro (lilás), se considerarmos, que em 2024, segundo ano de contrato, por exemplo, o IPCA pode voltar a bater 10% como aconteceu no ano passado, o total a pagar subiria para mais de R$ 1,26 milhão, com um CET de 10,06% e o valor total seguiria sendo o mais caro dentre as opções — quase 25% mais caro do que a linha TR mais cara e quase 35% mais caro que a linha poupança mais cara”, explica o especialista.
Portabilidade de crédito como opção
A portabilidade de crédito é uma ferramenta que pode e deve ser usada pelo consumidor que, com o passar do tempo, paga mais caro pelo financiamento diante das oscilações da Selic e, consequentemente, das taxas de juros atreladas ao contrato.
Ou seja, se a pessoa fecha um contrato atrelado à TR, por exemplo, e mais para frente, com a queda da Selic, decide mudar para um contrato atrelado à poupança pode optar por fazer essa transferência de dívida entre modalidades. No entanto, é preciso checar os critérios de cada banco sobre o tema.
“O mercado imobiliário é feito de ciclos, então, a portabilidade pode ser uma solução e deve ser considerada ativamente. O cliente de crédito imobiliário não deveria fechar o contrato e abandoná-lo porque pode perder dinheiro com as oscilações da Selic”, avalia Fernanda.
Daniele Akamine acrescenta que a dica ainda vale para quem fechou contratos em 2015 ou 2016, por exemplo, quando as taxas estavam ainda mais altas. “A melhor oportunidade de fazer a portabilidade já passou, mas ainda tem uma janela atrativa para fazer uma mudança de contrato e melhorar as condições de pagamento”.
Porém, como nem sempre a portabilidade entre modalidades é possível, a advogada recomenda que o consumidor renegocie as taxas com o banco sempre buscando melhores condições.
É hora de comprar um imóvel?
“Se o consumidor puder esperar, eu considero ideal segurar a compra em um ano. Estamos em um pico da Selic, na comparação com os últimos meses, e as taxas podem sofrer uma contração no próximo ano. Mas a compra do imóvel nem sempre depende só do desejo, por isso, é importante avaliar caso a caso”, avalia Fernanda.
“Não tem como 2022 ser um ano melhor que 2021 em termos de custos considerando o cenário. As taxas mais altas são menos favoráveis aos consumidores, que terão que arcar com parcelas maiores”, acrescenta Azjental.
Ele também lembra que o preço dos imóveis tende a aumentar. A alta do INCC, que fechou 2021 em 13,85%, também impacta os preços porque encarece o custo de construção.
“Ou seja, é mais caro para as incorporadoras construir hoje do que em alguns meses atrás, já que os custos dos materiais estão mais altos; além disso, incorporadora também precisa tomar dinheiro para a construção, e com a Selic mais alta esse processo também fica mais caro. E tudo isso é repassado no preço do imóvel”, diz o coordenador da FGV.
Por outro lado, Costa entende que o maior salto, em termos de custos, já passou. “Em meados de julho de 2021 a taxa média dos juros de financiamentos imobiliários era de 7% a.a., enquanto hoje está em 9,5% a.a. — sem os reajustes dos bancos. O aumento já vinha acontecendo e já impactou a parcela do consumidor”, diz.
Segundo ele, o consumidor pode esperar mais um aumento, e a média da taxa de juros para o segmento deve chegar em algo entre 10% e 11% a.a. “Mesmo neste patamar, essa taxa ainda é melhor do que a observada em meados de 2016 quando chegou em 12%. Não vemos redução da taxa de juros do crédito imobiliário para este ano”, diz.
Nesse sentido, ele afirma que o consumidor que precisa comprar o imóvel no curto prazo pode aproveitar esse momento antes do último aumento. “Esperar com perspectiva de que vai abaixar nos próximos meses pode ser um erro”, avalia o executivo da Credihome.
Daniela acrescenta que há uma expectativa de redução para 2023, mas não dá para cravar nada no atual cenário. A Abecip projeta crescimento no crédito imobiliário de 2% em relação para este ano na comparação com 2021.
“As perspectivas são positivas para o futuro, pois grande parte das construções iniciadas em 2020 e 2021 ficarão prontas em 2022 e 2023, mantendo elevado o número de contratações de crédito pelos mutuários finais”, enfatizou José Ramos Rocha Neto, presidente da Abecip.