Notícias

02/05/2024

Quando as taxas do financiamento imobiliário vão começar a cair? (Valor Investe)

Se realmente houver um reajuste do crédito destinado à casa própria, ele só deverá aparecer depois que o ciclo de queda da taxa Selic esteja consolidado

A taxa de referência de juros no Brasil (Selic) já caiu seis vezes nos últimos sete meses, saindo do pico de 13,75% para os atuais 10,75% ao ano. Com o início dos cortes de juros, a expectativa é de que ocorra um efeito dominó no mercado de crédito como um todo. E sim, há taxas que caíram nesse interim. Mas até agora não houve nenhuma mudança no custo do financiamento imobiliário.

 

Em todas as edições do Raio X do Investidor, da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o sonho da casa própria aparece no topo da lista dos motivos para o brasileiro investir. O Censo de Moradia do QuintoAndar aponta que esse objetivo é mais significativo entre as classes sociais com menor renda. Por isso, pode fazer sentido entrar num financiamento mesmo quando as taxas não são as mais favoráveis. Contudo, enquanto elas estiverem altas, muitos permanecerão excluídos do mercado de crédito.

 

"De acordo com o Censo do QuintoAndar, existe um comprometimento da renda de 31% com o aluguel e de 27% da renda com a parcela do financiamento. Logo, isso significa que nos casos em que for possível dar a entrada no imóvel com o saldo do FGTS, o valor da parcela do financiamento é, em média, menor do que o valor do aluguel", argumenta a assessora financeira Luciana Ikedo.

 

Quando a Selic cai, caem também as taxas praticadas por bancos. E o crédito voltado para a compra da casa própria não é exceção à regra. No entanto, a Selic costuma ter um impacto limitado sobre as linhas de financiamento imobiliário, porque elas são de longo prazo. Por isso, as instituições financeiras são cautelosas e avaliam como os juros devem se comportar no futuro, sem se apegar somente às taxas do presente.

 

De acordo com Evandro Alves, economista do grupo imobiliário QuintoAndar, pesquisadores e agentes de mercado trabalham com a chamada "defasagem da política monetária", que faz com que as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central demorem em torno de seis meses até serem transmitidas para as transações reais. Este tempo de defasagem, contudo, depende de vários fatores.

 

"A quantidade de meses pode variar bastante conforme o grau de incerteza dos agentes sobre qual o patamar que estabiliza os juros e que estará sendo praticado com segurança no mercado de crédito a médio e longo prazo. Oscilações podem levar as instituições financeiras a aguardar um tempo maior até se expor ao risco de alterar as taxas praticadas na economia real", afirma. Para o especialista, as taxas irão cair, só é difícil de precisar quando e para qual patamar.

 

Segundo Rafael Sasso, especialista em mercado imobiliário do RisKnow, as quedas nas taxas dos financiamentos imobiliários devem começar ainda este ano. No entanto, ele diz que antes do início da redução de taxas haverá um outro movimento no mercado de crédito imobiliário: os bancos começam a se tornar menos restritivos na concessão dos empréstimos. Se antes um banco aceitava financiar 50% do imóvel, aos poucos ele eleva essa fatia e passa a anunciar que empresta, por exemplo, 70% do valor do imóvel. A estratégia já ajuda a atrair clientes, que poderão realizar o financiamento com uma entrada mais modesta.

 

"Quanto às taxas, a redução vai acontecer naturalmente conforme a Selic cair, muito empurrado pela concorrência entre os próprios bancos. Quando algum banco sai na frente (geralmente um público como a Caixa), os outros costumam seguir. Além do mais, o crédito imobiliário é uma maneira de ampliar a base de clientes. Mas a Selic tem que continuar caindo para que essas quedas sejam repassadas", afirma.

 

O problema é que, a bem da verdade, o mercado já começa a temer que os cortes da Selic sejam menores ou durem menos tempo do que se esperava no início deste ano. Desde que o governo anunciou alteração da meta fiscal, o clima para queda de juros azedou um pouco. Somado a isso, há ainda a influência dos juros altos nos Estados Unidos, que acabam tendo um efeito cascata nas taxas de países emergentes como o Brasil.

 

Por que as taxas não estão caindo?

 

Sandro Gamba, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) explica que a formação da taxa do crédito imobiliário é uma equação entre poupança, encarecimento da captação de recursos e comportamento da curva longa de juros acima de dez anos.

 

"Com as informações atuais que temos, a taxa do financiamento não vai cair no curto prazo. Para este ano, não identifico razões nem tendência para ver possibilidade de redução na taxa", afirma Gamba.

 

Segundo ele, nas últimas semanas, as taxas de financiamentos com vencimento acima de dez anos têm se mantido acima dos 10% ao ano, patamar que torna inviável, aos olhos dos bancos, emprestar por juros menores no longo prazo. Outro problema que atrapalha a queda das taxas tem sido o encolhimento dos recursos vindos da poupança, que são direcionados ao crédito imobiliário.

 

A caderneta é a maneira mais barata de captar dinheiro para emprestar ao comprador da casa própria. Como ela rende pouco, tem um custo menor para o banco, o que permite que ele repasse uma taxa mais baixa aos clientes.

 

"A poupança ainda é uma fonte de recursos muito relevante para o crédito imobiliário. Na medida em que o estoque [da poupança] cai, é preciso buscar alternativas de captação e elas normalmente são mais caras e tendem a seguir mais de perto o movimento da Selic", afirma. Nos últimos dois anos, os recursos de poupança minguaram, após o registros de consecutivos saques recordes.

 

Embora o volume de saques da caderneta tenha diminuído e recentemente os aportes tenham até superado os resgates, o estoque de poupança ainda segue abaixo do que estava em 2020 e 2021, quando ultrapassou R$ 1 trilhão.

 

Para manter a oferta de crédito em crescimento, os bancos recorreram a outros instrumentos de captação, como as letras financeiras (LCI) e, em menor escala, os certificados de recebíveis de imóveis (CRI). Esses papéis são ofertados aos investidores prometendo uma remuneração que normalmente segue o CDI ou a inflação.

 

Por oferecerem isenção de imposto de renda para quem investe, os bancos conseguem realizar uma captação mais barata. Ainda assim, essa combinação de recursos na qual a poupança perde cada vez mais espaço, faz com que o custo dos credores (aqueles que emprestam, ou seja, os bancos) suba e, claro, eles repassam a conta para o cliente final. Isso se torna mais um empecilho para derrubar as taxas do financiamento da casa própria.

 

Diante desse contexto complicado, o diretor imobiliário e de consignado do banco Inter, Fábio Queijo, é categórico ao dizer que não vê uma queda significativa de juros pelos próximos dois anos. Segundo ele, vai demorar para que o Brasil volte a ver taxas do financiamento imobiliário como aquelas praticadas em 2019 e 2020, quando estavam na casa dos 7% ao ano.

 

É hora de financiar?

 

Quando um empréstimo é volumoso e com prazo longo, como o financiamento da casa própria, qualquer mínima redução na taxa pode representar uma economia enorme. Portanto, esperar para tomar um crédito mais baixo é o melhor caminho, certo? Depende.

 

Especialistas do mercado financeiro ouvidos pelo Valor Investe afirmam que esperar tem um lado negativo, que é um aumento de preços dos imóveis.

 

Para Pedro Tenório, economista do DataZAP, as pessoas devem ficar atentas à valorização do ímovel e ao próprio contexto de suas finanças pessoais antes de tomar uma decisão. Ele lembra que, mesmo com as taxas altas, a portabilidade de financiamento permite que até aqueles que compram agora se beneficiem numa eventual queda de juros.

 

"A tendência é, sim, de aumento de preços dos imóveis durante 2024, mas ela não está estritamente associada à queda das taxas de juros. No ano passado, por exemplo, os preços aumentaram acima da inflação mesmo com a Selic bastante alta. No entanto, a queda das taxas de financiamento e o consequente aquecimento do mercado tendem a acelerar o ritmo de aumento de preços", afirma.

 

O mais importante, portanto, é fazer um negócio que caiba no bolso e não desestabilize o orçamento familiar. No caso de uma oportunidade, por exemplo, um imóvel abaixo do preço de mercado para aquele determinado bairro, pode ser interessante embarcar no financiamento mesmo com os atuais juros altos.

 

Por outro lado, esperar traz mais uma vantagem (além de uma possível queda de taxas): o comprador pode juntar dinheiro para dar uma entrada maior. Dessa forma, ele tanto facilita a aprovação do crédito como pagará menos juros no final da operação. Isso porque os juros só operam no valor do empréstimo. Tudo que é pago de entrada está livre dessas taxas.

A assessora financeira Luciana Ikedo afirma que, para as famílias que não possuem investimentos financeiros e que gastam tudo o que ganham, comprar um imóvel financiado pode ser uma estratégia para a construção de patrimônio.

 

"O saldo do FGTS é remunerado pela TR (1,36% últimos 12 meses) + 3% ao ano. Fazendo as contas, é possível que o imóvel tenha uma valorização superior à remuneração do FGTS, o que aponta que empregá-lo no imóvel pode ser mais eficiente que mantê-lo parado", diz.

Ela lembra que, apesar de ser um bom negócio para muitas famílias, é preciso se certificar de que as parcelas não irão ultrapassar o limite de 30% da renda, considerada saudável para manter uma dívida de longo prazo em dia.

 

Cuidado com o CET, que não é o do trânsito

 

É importante destacar que as taxas variam de acordo com a linha de financiamento, que depende do indexador escolhido para o contrato. Indexadores mais voláteis (com sobe e desce maior), como IPCA e Poupança costumam ter taxas mais baixas, mas oferecem mais risco de mudança nas parcelas e total pago. Já as linhas tradicionais atreladas à TR ou prefixadas têm taxas maiores, mas oferecem uma condição mais previsível.

 

Quanto menor as taxas, maior o risco. E não é só isso. Você deve ficar de olho no Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo, valor que além das taxas inclui os seguros obrigatórios e tarifas. O CET é o que você realmente deve pagar pelo dinheiro que pegou emprestado com o banco. Este deverá ser o verdadeiro guia na hora de buscar o financiamento mais barato. 

FONTE: VALOR INVESTE