A queda do PIB da construção no primeiro trimestre deste ano foi bem maior que a esperada, sinalizando que o setor deve caminhar para o maior tombo da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Produto Interno Bruto do setor caiu 2,4% no primeiro trimestre, na comparação com o quarto trimestre do ano passado. Sobre o mesmo período de 2019 houve recuo de 1% no PIB.
A queda do emprego e da renda das famílias no fim do trimestre e as medidas de isolamento provocadas pela pandemia de covid-19 estão entre as causas do recuo, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de produtos da construção no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), que estimativa queda de 0,9% no PIB do setor. “O resultado ruim não surpreende por causa do impacto da pandemia sobre o mercado de trabalho”, diz.
Com a diminuição da renda e a quarentena em todo o país, obras informais e de pequenas empreiteiras foram virtualmente paralisadas. Esse tipo de atividade responde por cerca de 40% do PIB do setor.
“O impacto nesses segmentos foi brutal”, afirma Ana Castelo.
Uma amostra da retração dos gastos dos brasileiros pode ser dada pela queda de 2% no consumo das famílias no primeiro trimestre, maior recuo desde 2001.
As grandes e médias empresas conseguiram manter as obras, já que a construção foi considerada atividade essencial em quase todos os Estados. Mas ainda assim o ritmo diminuiu por causa da necessidade de adotar medidas de proteção contra o coronavírus. As obras que estavam para ser iniciadas foram adiadas à espera de um momento melhor.
Segundo Odair Senra, presidente do Sinduscon-SP, que reúne as empresas do setor no Estado de São Paulo, as obras de uma forma geral continuaram. “Mas a velocidade do trabalho caiu. Empregados do grupo de risco foram afastados, e medidas de segurança tiveram que ser reforçadas”, afirma.
Ele observa que os lançamentos e vendas caíram, o que deve se refletir numa atividade menor ao longo do ano. Dados da Abrainc, associação das incorporadoras, os lançamentos e vendas diminuíram respectivamente, 17,5% e 7,1% em março na comparação com o mesmo período em 2019. “Certamente, o setor sairá muito prejudicado neste ano.”
Março, afirma Ana Castelo, foi apenas o começo e a tendência é que o segundo trimestre mostre números ainda mais negativos, como mostra a forte retração da confiança em abril medida pela sondagem mensal feita pela FGV.
Em maio houve uma estabilização, mas o indicador de percepção de negócios continuou em queda. A perda de empregos no setor em abril mostrada pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e pela Pnad Contínua também é outro indicador negativo. Segundo a Pnad, do IBGE, no trimestre encerrado em abril, 885 mil trabalhadores do setor foram dispensados, uma queda histórica de 13,2% na força de trabalho da construção.
A incerteza que ainda existe sobre a duração e a profundidade da crise deve manter o setor em compasso de espera. É um contexto que joga a recuperação da construção, um dos setores mais atingidos pela recessão de 2015/2016, para além de 2021, ano que em as empresas esperam pelo menos recuperar o tombo de 2020.
Senra, do Sinduscon-SP, afirma que os lançamentos e vendas precisam ser retomados até o fim deste ano para que haja uma recuperação da atividade já no começo de 2021.
Neste momento, diz, muitos projetos foram adiados ou simplesmente cancelados por falta de demanda e diante do forte quadro de incertezas.
Antes da pandemia, os dados mostravam que a tendência era o mercado formal ganhar mais peso, com aceleração do setor. “O Nordeste estava começando a se preparar para retomar o mercado imobiliário. Embora numa base muito baixa, o setor mostrava algum dinamismo. Não dava ainda para saber a força, mas havia uma expectativa de melhora para frente, que foi adiada agora”, afirma Ana Castelo.
Para o economista-chefe da Guide Investimentos, João Rosal, o setor vai ser muito atingido pela falta de demanda. “Isso transcende a pandemia em si”. O dado do trimestre surpreendeu, afirma Vitor Vidal, da XP Investimentos. “O baque foi maior que o esperado”, diz. A construção tem grande efeito multiplicador no emprego e na economia e tinha iniciado uma retomada em 2019. A perspectiva é ruim para os próximos meses, afirma, já o setor depende de variáveis em queda hoje: confiança e renda.
A perspectiva mais sombria deve pesar sobre os investimentos no país à frente. No primeiro trimestre, a formação bruta de capital fixo (medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção e inovação) cresceu 3,1% sobre o quarto trimestre do ano passado, influenciada pelo aumento da importação de máquinas (incluindo as operações contábeis com plataformas de petróleo) e pouca contribuição da construção, que tem peso de 55% na FBCF.
O segmento de infraestrutura deve ajudar pouco por causa do impacto da pandemia sobre a conta dos governos federal, estaduais e municipais. A própria agenda de leilões está sendo afetada. O dos aeroportos, por exemplo, já foi adiado para o ano que vem.
Antes da divulgação do IBGE, o Ibre-FGV estimava queda de 11% no PIB da construção, um resultado negativo recorde e um número que já tinha sido revisado de queda de 7,2%. “O resultado do primeiro trimestre não deve levar a uma melhora dessa projeção”, diz Castelo.