A taxa básica de juros, a Selic, caiu 2 pontos percentuais desde outubro do ano passado e há mais cortes por vir, mas o consumidor ainda não viu a redução no custo do dinheiro chegar ao seu bolso. Segundo o Banco Central (BC), fatores sazonais e mudanças na composição das carteiras de crédito ainda não deixaram a queda do juro chegar ao tomador final.
A expectativa do BC, no entanto, é que em março e nos próximos meses as estatísticas passem a refletir a distensão da política monetária. O consumidor não viu melhora - pagando juro médio de 73,2% ao ano nas operações de crédito com recursos livres -, mas os bancos já. A taxa de captação, ou seja, o custo do dinheiro para o sistema financeiro, caiu a 8,3% ao ano no mês passado, o menor nível desde meados de 2013. Já o spread, que é a diferença entre essa taxa e a que é cobrada dos tomadores, subiu a 23,9 pontos percentuais. Esse nível iguala o patamar de outubro do ano passado e está entre os maiores da série histórica compilada pelo BC.
No segundo mês do ano passado, a taxa de captação estava em 11,7% ao ano para os bancos e o spread médio do sistema era de 20,8 pontos. Estável desde o fim do ano passado, a inadimplência não diretamente é a explicação para o aumento do spread e a resistência na queda dos juros para os tomadores de crédito. A média de calotes do sistema está estacionada em 3,7%.
No entanto, o spread alto poderia estar sendo usado para compensar o aumento nas despesas dos bancos com provisões para cobrir possíveis perdas com devedores duvidosos - que afeta a rentabilidade das instituições financeiras, o que ficou visível nos balanços de 2016. O volume de provisões como proporção do estoque de crédito no sistema está em 6,8%, maior patamar desde o fim de 2009. Apenas nos bancos privados nacionais, essa relação sobe para 9,3%, nível mais elevado da série histórica que começa em março de 2000.
O aumento das provisões garante maior índice de cobertura - na casa de R$ 1,8 de provisão para cada R$ 1 de créditos inadimplentes - e evidencia a cautela do sistema financeiro diante da deterioração da economia no ano passado.
Embora a inadimplência não tenha disparado, houve um aumento relevante dos créditos de maior risco, que exigem maior provisionamento, e também das operações renegociadas e reestruturadas, especialmente com pessoas jurídicas. Essa elevação do risco ainda levará algum tempo para ser digerida pelo mercado.
Segundo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Tulio Maciel, o mercado de crédito segue fragilizado, mas já há sinais de melhora. Um deles foi a relativa estabilidade do estoque de crédito em fevereiro – quando houve queda de 0,1% frente a janeiro, para R$ 3,07 trilhões.
Maciel lembrou que o mês é tradicionalmente fraco e observou que, nesse mesmo período do ano passado, a retração do saldo foi de 0,7%. No intervalo de 12 meses até fevereiro, a carteira encolheu 3,5% - um desempenho melhor que o apontado na comparação anual até janeiro, quando a queda estava em 3,9%.
No mês passado, a taxa de juro média total do mercado caiu 0,6 ponto, para 32,2%. Porém, segundo Maciel, a queda se deveu exclusivamente ao segmento de crédito direcionado.
No livre, as taxas voltaram a subir, ficando em 53,2%, o maior patamar desde novembro. Mas essa alta foi atribuída por Maciel à composição da carteira no mês passado. A fatia do cartão de crédito à vista no estoque total caiu pelo fato de fevereiro ser mais curto. Como essa é uma modalidade sem incidência de juros, sua menor participação na base de cálculo puxou a média para cima. A tendência para março, com a reversão desse fator estatístico, é que as taxas de juros e spreads possam apresentar queda. "O efeito composição atuará no sentido reverso para baixar as taxas, mas tem que ver os outros fatores que afetam os juros", disse.
Embora o desempenho do mercado de crédito tenha sido ruim neste início de ano, o BC optou por manter em 2% a previsão de crescimento do estoque em 2017. Também foi reafirmado o prognóstico de alta de 2% tanto para o crédito livre, que recuou 4,6% em 12 meses até fevereiro, quanto para o direcionado, que caiu 2,5% no mesmo intervalo.
Maciel chamou a atenção para o desempenho do crédito imobiliário, que cresceu 0,6% em fevereiro, para R$ 539,719 bilhões. As concessões na modalidade avançaram 3,4%, somando R$ 6,104 bilhões. Essa melhora é atribuída às mudanças feitas no Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em que o valor dos imóveis financiados foi elevado para até R$ 1,5 milhão.
O BC também apresentou ontem sua pesquisa trimestral de condições de crédito e, segundo Maciel, o cenário se mostra mais promissor em comparação com igual período de 2016. Nesse levantamento, o BC questiona as instituições financeiras sobre oferta, demanda e aprovação de operações nos últimos três meses e a expectativas para os próximos trimestres. "A perspectiva é de melhora gradual para o segmento", disse, lembrando que há um processo de desalavancagem de empresas e famílias, uma melhora da perspectiva para a economia e uma queda no custo de crédito.
De uma maneira geral, todos os indicadores mostraram condições melhores para o crédito, muito embora em níveis muito modestos, destacou Maciel. O destaque ficou com o segmento imobiliário. A demanda saiu de menos 0,25 para 0,63 positivo, numa escala de menos 2 a mais 2 pontos. As aprovações aumentaram de 0,13 para 0,38. Já as condições de oferta se mantiveram em 0,25 ponto.