Felipe Marques e Eduardo Campos
O volume recorde de saques da poupança no primeiro trimestre tornou crítica uma situação que já era ruim: a escassez de financiamento para casa própria.
Nos três primeiros meses do ano, houve retirada líquida de R$ 24,05 bilhões da caderneta, o maior volume desde o lançamento do Plano Real, quando começa a medição do Banco Central (BC). O diagnóstico de quem acompanha o setor é que o desempenho solapa qualquer chance de recuperação na modalidade neste ano, e pode levar à adoção de novas medidas para aliviar a falta de crédito para compra dos imóveis que as construtoras estão entregando agora.
Em março, as retiradas superaram os depósitos em R$ 5,379 bilhões. O resultado do mês passado não só não foi pior por conta da entrada de R$ 4,229 bilhões no último dia útil. Até o dia 30, os saques somavam R$ 9,608 bilhões. Em março de 2015, a retirada líquida foi de R$ 11,438 bilhões.
O crédito imobiliário concedido com recursos da caderneta também experimenta um início de ano ruim. Nos dois primeiros meses foram desembolsados R$ 6,5 bilhões em financiamento habitacional com funding na poupança, cifra 58,2% inferior ao de igual período do ano passado. Caso mantenha esse ritmo, a modalidade não deve chegar aos R$ 60 bilhões que a associação do setor (Abecip) espera para 2016. Os números não incluem as linhas de crédito que usam outras fontes de recurso, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), caso do programa Minha Casa, Minha Vida.
"Esperávamos que houvesse saques na poupança neste ano, mas os dois primeiros meses vieram um pouco pior que o esperado. Não será um problema no curto prazo, mas se continuar assim, vai prejudicar a capacidade de financiar o setor em 2017", afirma o diretor de um dos grandes bancos de varejo do país.
Nas contas desse executivo, 2016 terá um volume de entregas de novos imóveis entre 5% a 7% menor que o do ano passado. "Vai haver uma grande dificuldade, em especial no segundo semestre, dos grandes bancos de absorver esse volume", diz.
O desempenho da poupança em março, quando o volume líquido resgatado da poupança foi praticamente metade do registrado no mesmo mês do ano passado, trouxe algum alento. "O investidor de maior porte já saiu da poupança em 2015.
Restam agora os poupadores de varejo. Isso traz uma expectativa de que os saques da poupança neste ano possam ficar ligeiramente abaixo do ano passado", afirma um outro executivo que acompanha esse mercado. Em 2015, os saques líquidos da poupança totalizaram R$ 50 bilhões.
Os fatores que ajudam a explicar os resgates são a inflação elevada, o aumento do desemprego, menor crescimento da renda do trabalhador e maiores gastos com tarifas e combustíveis, além da Selic estacionada em 14,25% ao ano, o que tira a atratividade da caderneta em relação ao outras opções de investimento.
Luiz França, presidente de consultoria especializada no mercado imobiliário, afirma que um cenário de saques de poupança pode acabar levando o governo a adotar medidas para aliviar a falta de recursos. "Não há retomada no crédito habitacional em 2016. Há só medidas paliativas que podem ser adotadas para tentar garantir que haja crédito para que o mercado immobiliário encerre o ciclo iniciado no passado",diz.
No ano passado, por exemplo, o Banco Central liberou R$ 22 bilhões em recursos da poupança que estavam depositados compulsoriamente no regulador, dando algum alívio para o setor. Mais recentemente, o FGTS anunciou a liberação de R$ 22,5 bilhões para estimular o financiamento da casa própria. Só a Caixa Econômica Federal ficaria com R$ 16,1 bilhões do pacote, que prevê, entre outras coisas, que o fundo compraria carteiras de crédito do banco. A venda de portfólio permite que a instituição financeira volte a usar o lastro do crédito (no caso, a poupança) para conceder crédito novo.
Tanto que a presidente da Caixa, Miriam Belchior, anunciou a reabertura de linhas para financiar imóveis usados assim como ampliou a fatia financiada desse tipo de habitação. Menos de um mês depois, porém, a Caixa anunciou o maior reajuste de taxas de juros da modalidade até agora, com aumento de até 1,32 ponto percentual em algumas linhas.
A justificativa dada pelo banco à época, em nota, foi que o "o aumento da taxa de juros está associado à composição do funding da carteira de crédito imobiliário (SBPE), ou seja, é impactado pelo comportamento dos depósitos da poupança".