A crise econômica do país atingiu em cheio a indústria de cimento, e as incertezas decorrentes da turbulência política acentuaram ainda mais o desempenho negativo das fabricantes instaladas no Brasil. Neste cenário, o Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC) acaba de revisar a projeção para as vendas internas do insumo neste ano. A entidade, que esperava queda de 5% a 7% na comercialização de cimento, alargou o intervalo de retração previsto, para de 5% a 9%, informou ao Valor o presidente do SNIC, Paulo Camillo Penna.
Com isso, a retração média do consumo nacional será de 7% na comparação com 2016. Para o próximo ano, a expectativa da entidade é que os volumes comercializados fiquem estáveis ou cresçam 0,5%, no máximo. O parque fabril cimenteiro está com 45% de ociosidade, bem acima da média da indústria brasileira, em torno de 25% atualmente.
Dependendo de como evoluir a crise do país, admite Penna, o nível de ociosidade poderá fechar este ano com 47% ou até alcançar metade do total da capacidade instalada, de 100 milhões de toneladas por ano. De janeiro a maio, as vendas de cimento tiveram queda de 8,9%, ante a retração do setor de materiais de construção de 7% no mesmo período.
"Não acredito que vamos pintar nosso balanço de azul em 2018. Sairemos do vermelho para um ano neutro", diz o presidente do SNIC. Ainda é cedo para se falar quando ocorrerá a retomada do setor, segundo Penna. "Vamos ver o que acontece até 2019", acrescenta o representante do setor.
A redução média projetada para 2017 é inferior à queda de 11,9% registrada no ano passado e ao recuo de 9,5% ocorrido em 2015 na comparação com 2014, último ano de crescimento. Na prática, este será o terceiro ano consecutivo de retração do setor. Mas tudo caminha para a indústria do cimento local completar quatro anos seguidos de anemia.
Penna ressalta que, diante das quedas sucessivas do setor de cimento, o fornecimento do insumo pode ser um gargalo quando um novo ciclo de desenvolvimento ocorrer no país. "Esta é a crise mais grave da nossa história. E a recuperação será lenta, bem lenta", observa o executivo, que assumiu o cargo em janeiro.
A redução da demanda por cimento para edificações residenciais, comerciais e industriais - o chamado mercado imobiliário - é a principal razão que tem puxado a redução do consumo. Houve queda também nas vendas para o varejo e para a infraestrutura. Penna defende que haja estímulo do uso de cimento em obras públicas e de concreto em casas populares. "Estamos em contato com governos das esferas federal, estadual e municipal para discutir ações que ajudem a elevar a demanda pelo produto", disse.
Na fase de maior expansão da demanda, o consumo de cimento por edificações chegou a 75%, enquanto a infraestrutura respondeu pelos demais 25%. Esses números mudaram com a crise, e a fatia de edificações diminuiu, e o consumo pulverizado para reformas ganhou participação.
Por outro lado, fatores como a continuidade do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida e os recursos do Construcard - linha de crédito destinada à compra de materiais de construção - contribuem para "suavizar a queda" do consumo de cimento neste ano em relação à registrada em 2016, segundo o presidente do SNIC.
No ano passado, o consumo aparente de cimento do país foi de 57,24 milhões de toneladas. A expectativa para 2017 é de 53 milhões de toneladas, conforme os mais recentes cálculos do SNIC.
No período de 2004 a 2014 - que abrange a era de exuberância vivida pela indústria -, o setor viveu forte expansão, com construção de 42 novas fábricas para atender à expansão, sem precedentes, do mercado imobiliário e de obras para infraestrutura. A produção da indústria cimenteira mais do que dobrou, passando de 31 milhões de toneladas para o volume recorde de 71 milhões de toneladas, e a capacidade instalada cresceu de 63 milhões de toneladas para 100 milhões de toneladas. Outras 13 fábricas foram concluídas entre 2014 e 2016, após o período de crescimento do consumo.
Como consequência da redução da demanda por cimento, unidades inteiras foram fechadas, e houve suspensão da produção de fornos. "Várias das empresas que construíram novas fábricas ou fizeram novas linhas de produção estão com unidades paralisadas", informa o executivo. Penna diz que a perda quando um forno é desligado chega a R$ 12 milhões. Nesse cenário, a queima de capital do setor é enorme. Em uma década, foram investidos R$ 15 bilhões na expansão do parque fabril com o objetivo de atender ao aumento do consumo de cimento no país.
O presidente do SNIC ressalta que, apesar da fase de retração vivida pelo setor, a indústria brasileira de cimento é uma das mais eficientes do mundo. Em setembro, a entidade concluirá estudo sobre mapeamento tecnológico do setor, no qual projetará metas de emissões para 2030 e 2050. A intenção é que o uso de resíduos como fontes alternativas de energia passe dos 16% atuais para 35%, em 2030, e para 55%, em 2050.
O SNIC - que reúne dez indústrias, responsáveis por 75% da produção nacional - tem buscado integração estratégica com a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), entidade que tem papel mais técnico. "Não acredito em uma entidade que não integre as cadeias produtivas", diz Penna.