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12/12/2015

Raquel Rolnik investiga causas da crise global da moradia

Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-relatora especial para o direito à moradia adequada do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas lança o livro "Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças".

Leonardo Cazes 

RIO - Há uma crise mundial de moradia, que atinge países tão diferentes como os Estados Unidos, a Espanha, o Brasil e o Cazaquistão. Essa foi a constatação de Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, nos seis anos em que foi relatora especial para o direito à moradia adequada do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Entre 2008 e 2014, Raquel pôde visitar diversos países e traçar um diagnóstico para essa crise, publicado agora em “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças” (Boitempo Editorial).

A obra é dividida em três partes: a financeirização global da moradia, a insegurança global da posse da terra e, por último, como esses dois processos se realizam no Brasil. A professora explica que a financeirização é um processo que se acelerou a partir do final da década de 1970. Nos países centrais, houve o desmonte das políticas habitacionais baseadas em conjuntos construídos e mantidos pelo Estado, que cobrava um aluguel acessível das famílias, em prol do financiamento para a compra da casa própria, inclusive com subsídios públicos.

— Nesse modelo, a dívida migra do Estado para as famílias, que precisam se endividar para ter acesso à casa, já que as alternativas deixaram de existir. A moradia virou um novo produto ofertado pelo mercado para aqueles que estavam fora do mercado — diz ela.

As consequências foram observadas na crise das hipotecas nos Estados Unidos. Os financiamentos foram empacotados, transformados em ativos financeiros e passaram a circular no mercado financeiro global. A professora aponta o efeito perverso desse processo para as famílias despejadas, como observou na sua primeira missão oficial no posto de relatora ao país, logo após a eleição de Barack Obama, e também em visitas à Espanha:

— Em Nova York, grupos descobriram que suas hipotecas tinham passado por 80 fundos diferentes e ninguém sabia mais quem era responsável por elas. Na Espanha, também foi perverso. Os moradores entregavam o apartamento para o banco, por não conseguir pagar as parcelas, mas continuavam com a dívida, por causa da desvalorização enorme do preço dos imóveis, muito mais baratos do que quando o financiamento foi contraído.

Além da moradia, a financeirização atingiu também as terras urbanas, atrativas por servirem, elas próprias, de garantia aos capitais investidos. As políticas públicas, argumenta Raquel, passaram a buscar a maximização do rendimento da terra através da permissão para grandes empreendimentos, como shoppings e torres corporativas de alto padrão, e a realização dos megaeventos esportivos. O principal problema, segundo a professora, é que esse fenômeno acarreta a expulsão das populações que vivem nessas áreas:

— No caso dos países emergentes, parte importante do território é ocupada por assentamentos informais, que mantêm uma relação ambígua com o território, pois não sabem se vão permanecer ou não ali. É um estado de transitoriedade permanente. É aquele lugar onde é mais fácil remover no momento de ampliar a fronteira para projetos como esses.

Crise urbana no Brasil - No Brasil, Raquel faz críticas à principal política habitacional do governo federal, o Minha Casa, Minha Vida. Ela participou de uma rede de pesquisadores que fizeram uma avaliação do programa. A principal conclusão não foi uma surpresa, só confirmou o que a professora e vários outros especialistas já apontavam: a localização periférica dos conjuntos, que compromete o acesso aos serviços básicos de saúde e educação e a postos de trabalho. A situação torna-se ainda mais complicada porque muitos dos novos moradores foram removidos. Outro problema sério é a manutenção das construções.

— É insustentável trabalhar com casa própria no caso de famílias de renda muito baixa, independente do valor das prestações. Porque esses conjuntos são condomínios, e os moradores precisam arcar com os custos de manutenção. Há casos de condomínios recém-construídos que já estão virando um caos. É muito difícil que essas pessoas tenham recursos financeiros e formas de organização para manter esses espaços coletivos.

A saída, diz Raquel, não é uma, mas várias políticas públicas que atuem em diferentes frentes, como a integração dos assentamentos informais à cidade, locação social, estímulo a cooperativas de autogestão habitacional e, eventualmente, o controle dos aluguéis.

— Não sou contra a casa própria, o problema é você não ter qualquer alternativa a ela, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida — afirma. — No caso da urbanização das favelas, nunca se foi até o fim desse processo. As comunidades são urbanizadas, mas não incluídas na cidade. Não há manutenção como em outras áreas e os locais se degradam novamente.

FONTE: O GLOBO ONLINE