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21/01/2022

RECORDES EM 2021 E BOAS PERSPECTIVAS PARA 2022

Por Fábio Pahim Jr.

Os presidentes da Abecip – José Ramos Rocha Neto, eleito para o biênio 2022/2023 e que já tomou posse e Cristiane Magalhães Teixeira Portella, cujo mandato terminou em dezembro – destacam o período muito favorável para o crédito imobiliário registrado em 2020 e 2021 e preveem a consolidação dos avanços, com a preservação dos marcos institucionais da atividade e a continuidade da demanda por imóveis. Manter os elevados patamares de crédito imobiliário e de vendas de imóveis registrados em 2021 significa que um novo patamar foi conquistado, enfatiza Rocha. Cristiane destaca, entre os fatores que promoverão a atividade, o elevado déficit habitacional, as trocas de imóveis e a busca da segunda moradia. Nas entrevistas de Rocha e de Cristiane ao jornalista Fabio Pahim Jr., ambos enfatizam a importância da segurança jurídica e do aperfeiçoamento das regras do setor. Rocha dá destaque à central de recebíveis do Sistema Block como instrumento vigoroso para o crescimento das operações com construtoras e incorporadoras, inclusive de menor porte.

JOSÉ ROCHA: JUROS CAIRÃO COM O CONTROLE DA INFLAÇÃO

P – Após sucessivos recordes no crédito imobiliário e a tendência de estabilização verificada no último trimestre, como vê as perspectivas do setor para 2022?

R. O crédito imobiliário mostrou sucessivos recordes em 2020 e em 2021. O ritmo de crescimento foi muito forte, retratando a demanda por imóveis novos e usados e a oferta expressiva de recursos por parte dos agentes financeiros do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). De tal sorte que uma certa estabilização em 2022 passa a ser previsível, num ano em que as estimativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se apresentam bastante contidas.

P – A última reunião do Copom, em dezembro, mostrou o desafio de conter a inflação contando principalmente com a elevação da taxa básica de juros. O risco de desancoragem citado na ata do Copom se afigura expressivo, em sua opinião?

R. São os membros do Copom que falam em desancoragem, o que deve ser visto como manifestação de que o Banco Central está disposto a manter com toda firmeza a política anti-inflacionária. O fato de o Copom mostrar determinação em conter a inflação permite acreditar que a desancoragem não ocorrerá, dada a reação do BC. É essencial recuperar o controle da inflação, que é extremamente onerosa para a sociedade, inclusive para o mercado imobiliário, beneficiando apenas – e transitoriamente – as contas públicas.

P – Em que medida o crédito imobiliário se prepara para conviver com uma taxa Selic de dois dígitos?

R. Quando se imagina um financiamento imobiliário, entende-se que se trata de uma operação de prazo muito longo, com frequência superior a 20 ou 25 anos. Um breve período de juros mais altos tende a ser assimilado, desde que as taxas possam cair tão logo se recupere o controle sobre os preços e se possa voltar a reduzir o juro básico. Veja-se o exemplo do que ocorreu em 2013/2014, quando o juro básico também na casa dos dois dígitos não impediu o registro de recordes na concessão de crédito imobiliário.

P – Sinais de algum desaquecimento da atividade da construção civil já começam a aparecer, embora a comparação com os anos anteriores ainda seja muito favorável. Acredita que o ritmo de atividade da incorporação imobiliária deverá continuar forte em 2022?

R. Manifestações recentes do setor da incorporação, representado, por exemplo, pela Abrainc, nos permitem acreditar que é provável a manutenção do ritmo de lançamentos em 2022. Isso também deverá permitir que 2022 seja um ano importante para o investimento imobiliário, apoiado na oferta de crédito.

P – Em 2021, a captação de recursos via cadernetas de poupança foi afetada pela competitividade de outras aplicações de renda fixa e pela necessidade de as famílias mobilizarem recursos para o consumo presente. O que se pode prognosticar para essa aplicação no curto e no médio prazo? Espera uma ampliação de novos mecanismos de funding?

R. As cadernetas terão, por muito mais tempo, papel relevante na oferta de crédito. Mas é previsível o aumento dos financiamentos provenientes de outras formas de captação, como as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). Um teste relevante virá da capacidade das famílias de tomar crédito enquanto a oferta de emprego é insuficiente e a renda das famílias é bastante contida.

P – Como vê a ação institucional da Abecip no próximo biênio? Quais as prioridades de sua gestão no plano institucional?

R. A ação da entidade está voltada para o fortalecimento institucional do crédito imobiliário, com vistas a oferecer um mercado competitivo e saudável, capaz de atender à demanda com agilidade, em meio à crescente digitalização das operações. O objetivo é proporcionar ao consumidor bons serviços, com crédito abundante e rápido, sem perder a sustentabilidade que têm caracterizado os financiamentos habitacionais. Além disso, mantemos o propósito de contribuir para a formação e o aperfeiçoamento dos profissionais do crédito imobiliário, assegurando a qualidade das operações com garantia de imóvel.

P – Qual sua expectativa para a concorrência que parece se ampliar com o ingresso de novos agentes de crédito imobiliário?

R. Os brasileiros tomaram gosto do juro baixo. Atingido o equilíbrio macroeconômico, os juros tenderão a cair. Nos últimos anos, a Abecip incorporou novos associados, entre os quais as cooperativas. A concorrência é saudável para os tomadores de crédito e para as instituições financeiras, que investem pesadamente em inteligência artificial e em mecanismos de aceleração das operações. O mercado de imóveis é bastante conservador, envolve relações de longo prazo e exige expertise dos financiadores.

P – No período recente, a relação entre o crédito imobiliário e o PIB tem-se mantido próxima dos 10%. Até que nível lhe parece que esse porcentual tenda a crescer, pensando no final desta década?

R. O próximo objetivo é alcançar uma relação da ordem de 20% entre crédito imobiliário e PIB. O que depende de vários fatores, nem sempre previsíveis, como a retomada do crescimento econômico e a recuperação da renda real das famílias. O desenvolvimento do crédito com garantia imobiliário é essencial nesse processo.

P – Como avalia a segurança jurídica do crédito imobiliário, fortalecida nas últimas duas décadas pelos institutos da alienação fiduciária de bem imóvel, do patrimônio de afetação, da concentração dos ônus na matrícula do registro de imóveis, do registro eletrônico e da Letra Imobiliária Garantida (LIG), entre outros instrumentos?

R. Vivemos um momento importante. A Abecip trabalha intensamente nas questões da segurança jurídica, num sentido amplo, mediante a interlocução com os reguladores e os demais agentes de mercado. Houve um avanço expressivo com a alienação fiduciária de bens imóveis. O objetivo é seguir aperfeiçoando os mecanismos de segurança jurídica, que é fundamental para o crédito abundante e barato. A entidade atua nas várias esferas do Poder Judiciário e do Poder Legislativo para preservar a integridade das normas, com vistas ao estabelecimento de jurisprudência adequada ao crédito imobiliário.

P – Como analisa o equilíbrio entre oferta e demanda no segmento imobiliário nas grandes capitais?

R. Não se pode falar em desequilíbrio, hoje. Os bancos aprenderam muito com a última crise. Na recessão de 2014/2015, a Abecip ajudou na criação de mecanismos para acompanhar os lançamentos e as vendas, com novos indicadores. Acreditamos que as coisas estão no lugar, mas nunca é demais aperfeiçoar os controles de estoque, a vigilância. Os incorporadores também têm larga experiência para evitar o desequilíbrio tanto na oferta como na demanda. E o mercado se tornou mais seguro para os compradores de imóveis na planta. Naturalmente, é sempre necessário acompanhar as tendências, evitando surpresas.

P – Prevê uma ampliação do mercado imobiliário no Interior, tendo em vista a força da atividade do agronegócio e do peso das commodities na exportação?

R. Os números dos mercados regionais divulgados regularmente pela Abecip dão uma clara ideia de como a expansão tem sido firme no Interior e em capitais de médio porte, inclusive pelo desenvolvimento do agronegócio. Essa tendência deverá não apenas persistir, mas poderá se acentuar nos próximos anos.

P – Para concluir, como avalia o andamento do projeto de implantação da central de recebíveis imobiliários, o block?

R. O Sistema Block de Registro de Recebíveis é uma das mais importantes iniciativas da Abecip, proposta ao Banco Central e apoiada pelas incorporadoras, adotada nos últimos tempos com vistas a ampliar a oferta e a segurança do crédito à produção imobiliária, devendo se refletir na ampliação do acesso das pequenas e médias empresas ao financiamento destinado à produção de imóveis – ou seja, permitindo diversificar os tomadores habituais de operações do Plano Empresário. O Sistema Block tratará de forma segura os recebíveis relativos às vendas das unidades, reduzindo o custo operacional dos incorporadores. Foi desenvolvido com alta tecnologia, sob gestão de registradoras homologadas pelo BC, a exemplo da B3 e do CERC, sem custo de implantação para o mercado imobiliário. Permitirá, ao mesmo tempo, integrar a gestão da cobrança dos recebíveis e oferecer maior transparência das garantias para os agentes financiadores. Permitirá também aos compradores acompanhar on line a amortização de suas dívidas até o final do contrato. O Sistema Block está regulado pelo Conselho Monetário com regras claras, impossibilitando, por exemplo, que a mesma garantia possa ser utilizada em duas operações diferentes, como ocorreu em passado recente. Na fase atual, o registro dos recebíveis ainda não é obrigatório, mas muitas empresas já adotam o Sistema Block como gestor dos seus recebíveis imobiliários, dados os benefícios esperados. Antecipam-se, assim, à entrada em vigor – prevista para janeiro de 2023 – da obrigatoriedade de que os financiamentos à produção só possam ser contratados se os recebíveis estiverem registrados no Block.

CRISTIANE PORTELA: RESIDÊNCIAS VALORIZADAS E PREÇOS ATRATIVOS

P - Na qualidade de primeira mulher a ter presidido a associação em sua história, poderia falar numa visão “feminina” do financiamento imobiliário, com destaque, por exemplo, para a relevância da casa própria na vida das famílias e na criação de um ambiente adequado para o bem-estar e a educação dos filhos?

R. Creio que a valorização da casa própria é uma questão do casal, não necessariamente feminina. Não é de hoje que a casa própria é um sonho de todos os brasileiros e continua sendo, a despeito das transformações culturais pelas quais temos passado. Já o fato de eu ter tido a oportunidade de ser a primeira mulher à frente da Abecip, eu credito a um processo de evolução que felizmente temos visto na governança das empresas. A diversidade nas posições executivas e em conselhos, de gênero, de formação e de pontos de vista, é algo que as empresas têm buscado fortemente. É sabido que, mais do que uma “moda passageira”, essa diversidade propicia melhores decisões, melhores resultados no seu sentido mais amplo, e maior perenidade para as organizações. Foi uma grande honra para mim ter tido a oportunidade de desbravar esse caminho como presidente da Abecip no biênio 2020/2021.

P. Quais os principais pontos de avanço do crédito imobiliário que destacaria em sua gestão?

R. Primeiro, houve um volume recorde de contratações de crédito imobiliário, de R$ 123,9 bilhões em 2020 e estimados R$ 200 bilhões em 2021, mesmo em tempos de pandemia. São números muito superiores aos do recorde anterior de R$ 113 bilhões, sem pandemia, em 2013. Segundo, avançou muito o crédito imobiliário digital, destravando processos burocráticos e ampliando o acesso ao público via plataformas web e dispositivos mobile, permitindo elevar a 1,16 milhão o número de unidades financiadas no período, contra 526,3 mil no biênio anterior. Terceiro, investimos pesadamente na qualificação de profissionais que operam nos mercados financeiro e imobiliário, com cursos on-line, com destaque para a certificação on-line propiciada pela Abecip Certificação, que permite o acesso a participantes de todo o País, contribuindo muito para a qualidade do financiamento imobiliário. Quarto, a Abecip abre-se para novos associados, ampliando o número de instituições que operam com garantia imobiliária e maior presença na discussão dos temas do setor e na melhor forma de enfrentar os desafios. Quinto, a Abecip tem dado apoio total à expansão do crédito com garantia imobiliária, via participação nas Iniciativas do Mercado de Capitais (IMK), ação estratégica que reúne governo e sociedade com o objetivo de definir ações destinadas ao avanço do sistema financeiro brasileiro como um todo e contribuindo para o fortalecimento das garantias imobiliárias, com destaque para a alienação fiduciária estendida, viabilizando a tomada de um segundo crédito com a mesma garantia imobiliária.

P. 2021 foi um ano de expressivo desenvolvimento do crédito imobiliário, que teve maior peso nas carteiras dos bancos e atendeu tanto a incorporação como os mutuários finais. Como avalia esse período?

R. Creditamos os recordes de 2021 relativos ao consumidor final e também à indústria da construção civil a alguns fatores: o déficit habitacional já conhecido, a taxa de juros atrativa no período, os preços dos imóveis relativamente atrativos, e uma maior valorização da residência no período da pandemia. Esse último fator parece um pouco subjetivo, mas é fato que as pessoas passaram a valorizar mais a própria casa, seja para o home office, seja para o lazer. Essa valorização pode ser notada não somente no mercado de compra e venda de imóveis, mas também na indústria de móveis, decoração e nos insumos para pequenas reformas.

A segurança jurídica que observamos no nosso mercado também tem sido fundamental para garantir o apetite das instituições financeiras para o financiamento habitacional.

P. No plano econômico, como avalia o momento atual, marcado por desaceleração do crescimento, inflação na casa dos dois dígitos e juros em ascensão?

R. O momento é delicado, inflação alta, juros subindo, ano eleitoral, nível de desemprego em redução lenta... Quero crer que esse momento será logo superado, com o recuo da inflação e a retomada de um ritmo mais expressivo de crescimento.

P. Um dos fatores de complexidade da conjuntura é a evolução das retiradas das cadernetas. Em que medida considera esse um fator preocupante para a oferta de funding?

R. Não vejo com preocupação a questão do funding no curto prazo. O saldo de poupança tem se mantido mesmo em tempos de pandemia. Além disso, existem alternativas como as LIGs que já compõem a estrutura de funding de várias instituições. Adicionalmente, temos verificado um grande interesse das instituições em estabelecer um relacionamento de longo prazo com seus clientes gerando uma concorrência extremamente positiva para o consumidor final.

P. Como vê a aplicação, nos últimos anos, dos mecanismos jurídicos que dão suporte à segurança do crédito imobiliário, em especial a alienação fiduciária de bem imóvel e a concentração dos ônus na matrícula do registro de imóveis?

R. O setor imobiliário pode crescer graças à alienação fiduciária e, mais recentemente, à introdução de mecanismos como o da concentração dos ônus na matrícula. Este é um divisor de águas e um instrumento essencial para o desenvolvimento do financiamento à casa própria.

P. Em sua avaliação, está afastado o risco de novas crises na construção civil, tanto em virtude do aperfeiçoamento institucional, como da qualidade de gestão dos incorporadores, evitando a formação de estoques?

R. Não vejo risco de novas crises no curto prazo, em vista da experiência acumulada por financiadores, incorporadores e até por mutuários. Uma boa mostra disso é a diminuição dos distratos. E teremos agora o registro de recebíveis, o block, que dará muito mais segurança a toda a atividade.

P. O que espera para o futuro de longo prazo da atividade do crédito imobiliário e da construção civil? Em que medida esse futuro será impactado pela tendência de estabilização demográfica?

R. Acreditando que resolveremos as mazelas brasileiras que nos prendem na armadilha do baixo crescimento econômico, tais como irresponsabilidade fiscal, sistema tributário complexo e de alto custo de manutenção, entre outros, espero um futuro de muito crescimento dessa atividade, por dois motivos principais. Primeiro, o enorme déficit habitacional somado a mais de 1,5 milhão de famílias que se formam ou se separam a cada ano. Segundo, à medida que o País se desenvolve, aumenta o volume de trocas de imóvel ao longo da vida das pessoas e aumenta a busca da segunda moradia. Além disso, temos o exemplo de países desenvolvidos em que o crescimento demográfico é muito baixo, mas ainda assim é enorme a relação entre o crédito imobiliário e o PIB.

FONTE: ABECIP