Depois de um 2016 de tímida captação, os Certificados de Depósitos Bancários (CDB) voltaram a ganhar impulso entre as modalidades de investimentos. Só em maio, os bancos levantaram R$ 40,5 bilhões e os ingressos líquidos em 2017 já chegam a R$ 75,9 bilhões. No ano passado inteiro, as emissões líquidas se limitaram a R$ 3,7 bilhões, segundo compilação do Valor Data, com base em dados do Banco Central (BC).
Longe de representar uma demanda mais intensa dos investidores ou a necessidade dos bancos de captar recursos para financiar as suas operações de crédito, o movimento tem relação direta com a migração de operações compromissadas para o depósito a prazo tradicional.
Isso porque uma regra publicada pelo BC em setembro passado limitou a captação dos bancos por meio de debêntures de coligadas, emitidas por suas subsidiárias de leasing, com o repasse a clientes via operação compromissada.
As instituições usavam esses títulos como lastro sem ter de arcar com o ônus do depósito no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), requerido no CDB. Embora desde 2012 as debêntures de leasing tenham ficado sujeitas à contribuição que funciona como um seguro para os aplicadores, na prática os bancos só renovavam os estoques de debêntures anteriores à regra para fugir desse custo. O compulsório requerido sobre operações atreladas ao CDI desde 2008 também tinha uma brecha: ao desmontar a operação de CDI e deixar os recursos no balanço da empresa de arrendamento, os bancos driblavam o recolhimento do BC.
A resolução nº 4.527 do BC estabeleceu, entretanto, que a partir de 1º de maio os bancos só fizessem novas operações de renda fixa com coligadas desde que tivessem seu estoque reduzido a 50% do que possuíam em agosto de 2016 e com o prazo limitado a um ano. Na virada de 2017 para 2018, as instituições já não poderão mais usar as compromissadas com debêntures e esse instrumento tende a desaparecer gradualmente.
"Isso mudou a dinâmica do mercado, explica o movimento de migração dos últimos dois meses para o CDB", afirma Carlos Albuquerque, superintendente de produtos da B3. "Aparentemente, a intenção do BC foi não fazer algo abrupto e ter uma regra de transição, não parar do dia para noite, até porque as operações são muito longas."
Em janeiro, o estoque de compromissadas de debêntures estava em R$ 359 bilhões, cifra que caiu a R$ 287 bilhões ao fim de maio, segundo as estatísticas da B3. Já o saldo de CDB nesse mesmo intervalo inflou em R$ 78 bilhões, para R$ 680 bilhões, valor que considera os rendimentos.
Na prática, para o investidor, como as compromissadas são oferecidas por grandes conglomerados financeiros, não há uma diferença relevante em relação ao CDB.
Com o endurecimento das regras e o vencimento restrito a 12 meses, as instituições passaram a oferecer o CDB com liquidez diária como alternativa temporária às compromissadas, até porque na nova limitação de prazo o investidor acaba caindo na alíquota mais alta de tributação, de 20% sobre as operações de renda fixa, acrescenta Otávio de Magalhães Vieira, da gestora de patrimônio Taler. "Antes, o investidor deixava o dinheiro por dois ou três anos, só que com o imposto mais alto já não vale a pena usar [a compromissada] como forma de aplicação."
Com alguns bancos com o caixa robusto e sem disposição para avançar no crédito diante da demanda reticente, as taxas oferecidas pelos emissores na plataforma da Guide Investimentos estão em nível "stand by", sem prêmio para estimular a captação, conta o gerente de renda fixa da plataforma, Bruno Carvalho. Mas ele observa que após os agentes terem aproveitado o viés de queda de juros com a valorização de títulos públicos atrelados à inflação, a preferência, agora, é por liquidez. "Com o investidor mais receoso, ele vai para o CDB com liquidez diária, que serve também como margem de garantia para operações com DI futuro ou outros derivativos dos fundos institucionais."
Bernardo Pascowitch, fundador do site de busca de investimentos Yubb, menciona que a iniciativa dos bancos pequenos e médios de criar as suas próprias plataformas de investimentos tem sido também um estímulo para as emissões. "Embora seja custoso captar sem aplicar no crédito, alguns parceiros têm oferecido produtos com rentabilidade maior do que eventualmente praticariam e fazendo captação além do que precisariam para não perder esse movimento e correr o risco do seu cliente ir para outro lugar."
Pelo lado dos investidores institucionais, Alexandre Póvoa, da gestora de recursos Canepa, diz não ter identificado uma demanda extra por CDB porque as taxas não têm sido atrativas, e considera que a avalanche de vencimento de títulos isentos de IR, as letras de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI) e (LCA) sem rolagem, explica melhor esse movimento entre as pessoas físicas.
No Yubb, entre dezembro e maio, houve uma grande ampliação da participação de captação bancária por meio de CDBs em detrimento de LCI e LCA. No fim de 2016, a média diária de colocação de CDB era de 65,46%, parcela que subiu para 71,21% em janeiro e 76,25% em maio. Já as LCI caíram de 7,24% para 5,36% em janeiro, e estavam em 8,04% em maio, enquanto a fatia destinada à LCA passou de 9,54% em dezembro para 8,71% em janeiro, chegando a 6,07% em maio.
No site, para aplicação de R$ 5 mil por 36 meses as taxas variavam, ontem, de 99% do CDI, caso do CDB da financeira Olé atrelado a operações de consignado, a até 117% do CDI numa oferta do Banco Pine.
Sem querer se comprometer com destinações específicas, dada a fraca demanda por financiamentos, tem faltado lastro para LCI e LCA. "Os bancos vêm renovando só o que já têm. O estoque, o lastro, não está crescendo", diz Fábio Lenza, vice-presidente de produtos de varejo da Caixa, que costuma ser um dos emissores frequentes de LCI. "Para os clientes novos, a oferta já é direcionada para o CDB, poupança e fundos."
No caso específico do CDB, o executivo ainda vê um movimento do setor bancário para reforçar colchões de liquidez, já que esse tipo de captação também pode ser usada para compor as operações de tesouraria.
Por vezes, as compromissadas foram usadas em aplicações automáticas da conta corrente, e as instituições obtinham, assim, um spread relevante com as operações, já que os recursos não tinham uma destinação específica, acrescenta o interlocutor de outro grande banco. O CDB automático agora cumpre esse papel.
Martin Iglesia, consultor de investimentos do Itaú Unibanco, acrescenta que o CDB acaba sendo, em termos de remuneração, um instrumentos mais comparável às LCI e LCA, e por isso a substituição entre essas modalidades é mais natural para o aplicador.
Pelos dados da B3, desde março o estoque de LCI está estacionado em R$ 199 bilhões e, no ano, tem queda de 1,97%, enquanto o de LCA caiu 14% neste ano, a R$ 163 bilhões