Por Gabriel Shinohara, Jéssica Sant'Ana, Rita Azevedo e Adriana Cotias
O Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou, após reunião extraordinária, uma série de limitações para emissões de títulos incentivados. As medidas, entre outras coisas, restringem o tipo de lastro que pode ser usado em certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA) e letras de recebíveis imobiliários (LCI). Também foi vedado o uso de recursos captados por meio de letras de crédito do agronegócio (LCA) na concessão de crédito rural que se beneficie de subvenção econômica da União.
As mudanças valem a partir de julho e vêm após um forte crescimento no uso desses instrumentos, inclusive em operações não relacionadas diretamente aos setores incentivados. Todos esses papéis oferecem isenção de Imposto de Renda para o investidor. O estoque de títulos isentos já passa de R$ 1 trilhão.
O Banco Central (BC) negou que as mudanças tenham o objetivo de reduzir a emissão dos instrumentos. A jornalistas, os técnicos do órgão admitiram, no entanto, que quedas nas emissões pode ocorrer.
“Não há objetivo de reduzir a emissão desses instrumentos, mas pode ser consequência das medidas. Objetivo é garantir que emissões sirvam de fonte de recursos para políticas públicas, mas é esperado uma redução no volume de emissão de LIG e LCI”, disse Felipe Derzi, chefe-adjunto do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC. “O mercado terá de encontrar outros modelos de negócio para sustentar o que não está vinculado à política pública.”
O CMN alterou as regras e prazos da LCA, da LCI e da LIG. No caso do LCA, os recursos só vão poder ser aplicados na contratação de crédito rural “com taxas livremente pactuadas em condições de mercado”.
O colegiado também vedou a utilização de adiantamentos sobre operação de câmbio, créditos à exportação, certificados de recebíveis e debêntures como lastro da LCA. Houve ainda ampliação do vencimento mínimo da LCA de 90 dias para nove meses. Outra alteração na LCA deixa de permitir a “eventual sobreposição de benefícios fiscais ou de política governamental específica”, segundo o BC. O objetivo é restringir gradualmente até 1 de julho de 2025 a utilização de operações de crédito rural com recursos controlados na composição do lastro da LCA.
Já as mudanças na LCI ampliam o prazo mínimo de vencimento de 90 dias para 12 meses e especificam as modalidades de crédito imobiliário aceitas como lastro. A alteração retira a possibilidade de utilizar operações sem conexão com o mercado imobiliário mesmo se garantido por imóvel.
Sobre a LIG, o CMN decidiu aplicar as mesmas regras da LCI sobre lastro de créditos imobiliários já utilizados para atender o direcionamento obrigatório de depósitos de poupança. O BC explicou que o saldo credor de LIG com essas características será deduzido integralmente dos saldos dos créditos imobiliários que servem como referência. O BC informou que a mudança busca “evitar o duplo benefício tributário sem a correspondente originação de novas operações de crédito imobiliário”. Apenas emissões de LCI e LGI que ocorrerem após a decisão serão impactadas pelas medidas.
O CMN barrou a emissão de CRAs e CRIs com lastro em títulos de dívida emitidos por companhia abertas não relacionadas aos setores de agronegócio ou imobiliário. Segundo o BC, as medidas têm o objetivo de “assegurar que os instrumentos sejam lastreados em operações compatíveis com as finalidades que justificaram sua criação”.
O CMN também vedou a emissão com lastro em direitos créditos que tenham origem em operações entre partes relacionadas ou de operações financeiras “cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas”. As medidas não afetam os CRAs e CRIs já distribuídos ou que tenham ofertas públicas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A possibilidade de o governo restringir o lastro de CRIs e CRAs era algo que preocupava emissores desde dezembro, quando aumentaram os rumores sobre uma mudança das regras. Nas últimas semanas, algumas companhias decidiram encurtar o cronograma para garantir emissões ainda dentro das regras antigas, segundo advogados. Pelo menos quatro emissões que sairiam nas próximas semanas já foram pausadas.
“A medida foi muito pior do que se poderia imaginar e limitou significativamente as operações de CRI e de CRA”, diz Daniel Laudisio, sócio da área de mercado de capitais do Cescon Barrieu. “Como vai restringir muito quem pode captar com os títulos, a tendência é que o custo de funding suba.”
Ricardo Stuber, sócio do TozziniFreire, acredita que o grande impacto será a vedação às operações cujo devedor seja companhia aberta ou parte relacionada de uma companhia aberta e que não sejam do setor imobiliário ou do agronegócio. “Outro ponto importante é que o uso dos recursos para reembolso, que eram muitos populares no mercado e permitido pela CVM, passa a ser proibido.”
A mudança afeta os planos de companhias que emitem os chamados “CRI de aluguel”, cujos recursos são usados para o pagamento de aluguéis passados e futuros. Essa possibilidade é relativamente recente e passou a existir graças à flexibilização das regras pela CVM. A Rede D’Or foi a primeira a emitir CRIs com essa finalidade, em maio de 2022. Na ocasião, a rede de hospitais levantou R$ 1,14 bilhão.
Na época, a permissão foi comemorada, já que aumentaria muito o rol das companhias que poderiam acessar o mercado. Depois da Rede D’Or vieram varejistas, redes de farmácia e bancos. Do lado do agronegócio, são comuns emissões por empresas como redes de restaurantes sem relação com o setor, mas que compravam insumos de produtores rurais. Fornecedores de transporte, logística ou locação de veículos também consideravam essa relação com a “cadeia do agro” como lastro.
(Matéria publicada em 01/02/2024)