Os FIIs (Fundos de Investimentos Imobiliários) e seus cerca de 1,5 milhão de cotistas devem se preparar para um período turbulento caso a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) decida manter um entendimento que muda a regra de distribuição dos rendimentos dessas aplicações.
Com base em uma decisão do seu colegiado no final de dezembro sobre a contabilidade do fundo imobiliário com o maior número de investidores do país, o Maxi Renda, do BTG Pactual, a CVM afirmou que os FIIs devem limitar a distribuição de rendimentos ao lucro contábil.
Trata-se de uma regra que contraria a compreensão mais comum nesse mercado e, se aplicada, poderá resultar na tributação sobre ganhos antes considerados, até então, isentos.
Nesta terça-feira (1º), a CVM informou ter atendido a um pedido do BTG para suspender temporariamente a decisão. Na prática, isso dá apenas uma tranquilidade momentânea aos administradores de fundos imobiliários, que permaneciam distribuindo rendimentos conforme o entendimento antigo.
A CVM deu 15 dias úteis para o BTG apresentar um pedido de reconsideração. O prazo é contado a partir do comunicado feito pela autarquia.
Em sua defesa, o BTG alega que o entendimento aplicado parte de uma circular distribuída pela CVM em 2014, por meio da qual a autarquia teria deixado claro a possibilidade de apuração dos rendimentos sobre o lucro de caixa.
O mercado ainda discute se uma decisão desfavorável ao BTG poderia ser aplicada a todos os FIIs, embora a própria CVM tenha publicado um comunicado reforçando que consideraria o mesmo entendimento para todo o setor.
Além da tributação, gestores que conversaram com a Folha sob a condição de anonimato disseram estar preocupados com o nó burocrático que a mudança acarretaria no setor. Desatá-lo poderia levar meses.
Para entender o problema é preciso considerar que a discussão central é sobre dois diferentes sistemas da contabilidade dos FIIs, que são os regimes de caixa e de competência (ou contábil).
Ao analisar o Maxi Renda, a CVM verificou que a distribuição de rendimentos tomava como base o resultado do regime de caixa, que é basicamente composto pelo lucro com a receita de aluguéis de imóveis, no caso dos chamados fundos de tijolo. Para fundos que investem em ativos de papel (títulos lastreados em créditos imobiliários, por exemplo), o rendimento dessas aplicações também entra na conta como lucro caixa.
A comissão considerou a prática incorreta porque, de acordo com o seu colegiado, o rendimento deve ser limitado ao resultado do regime de competência, também chamado de lucro contábil. Esse resultado considera a depreciação dos ativos do fundo. No caso dos imóveis, o valor da reavaliação anual das propriedades.
"Imagine que um fundo possui um único imóvel como ativo e que esse prédio foi reavaliado com um valor 10% menor. A depreciação do ativo não afeta o caixa, pois ele não deixou de receber dinheiro [dos aluguéis, por exemplo] porque o ativo perdeu valor, enquanto o lucro contábil considera a chamada marcação a mercado [contabilização do valor justo de um ativo ou passivo com base no preço de mercado atual]", explica Marx Gonçalves, analista da Nord Research.
No comunicado em que trata da questão, a CVM diz que "a distribuição de valores aos cotistas que excedem o lucro contábil não deve ser classificada como rendimento".
Esse posicionamento transforma o valor excedente ao lucro contábil pago ao cotista em amortização. Ao vender o ativo, pelas regras da Receita Federal, esse valor extra seria considerado ganho de capital, que sofre tributação do Imposto de Renda (IR). O desconto é de 20% sobre esse ganho.
O contexto para a limitação do rendimento ao lucro contábil é também desfavorável aos investidores, pois diversos segmentos do ramo imobiliário registraram depreciação nas suas propriedades durante a pandemia. Isso torna o lucro contábil potencialmente menor do que o resultado de caixa.
O efeito primário da alteração, portanto, afetaria a competitividade dos FIIs, cujo rendimento isento de IR está entre os principais atrativos. Um fundo como o Maxi Renda, que distribuiu rendimentos com base no resultado de caixa, até poderia manter esse sistema, mas precisaria classificar o valor excedente como amortização.
Gestores alegam que cumprir a nova diretriz da CVM também os obrigaria a mobilizar todos os cotistas dos FIIs afetados para que, por meio da documentação que certifica a compra dos títulos, eles possam verificar qual foi o ganho de capital desde a entrada no fundo.
O esforço burocrático seria hercúleo, descreveu um gestor. Ele explicou que a administradora para a qual trabalha precisou realizar operação semelhante devido à liquidação de um fundo dez vezes menor do que o Maxi Renda. Três meses após o início do trabalho, houve retorno de aproximadamente metade dos participantes.
Em uma situação como essa, investidores que não respondem ou não conseguem comprovar o valor inicial da aplicação têm seus ganhos presumidos por meio de uma regra que considera que eles compraram suas cotas quando elas estavam zeradas. Ou seja, eles pagariam o Imposto de Renda sobre o valor integral.
Para Gonçalves, Nord Research, a CVM só pode estender a decisão a todos os fundos caso ela revogue o ofício de 2014 que trata da distribuição de rendimentos