A retirada de recursos da caderneta de poupança tem pressionado o mercado imobiliário, que precisa buscar outras fontes de recursos para financiamentos. Especialistas apontam que o crédito pode ficar um pouco mais caro, e que a classe média deve ser a principal afetada.
O que aconteceu
Dados do Banco Central mostram que no ano passado foram retirados R$ 87,82 bilhões da caderneta de poupança. Apenas nos meses de junho e dezembro houve mais depósitos do que saques. Em janeiro deste ano o resultado também foi negativo: foram aplicados R$ 332,3 bilhões, contra saques de R$ 352,4 bilhões, mais de R$ 20 bilhões de diferença. Em 2022, a retirada foi ainda maior, somando R$ 103,2 bilhões.
Retiradas podem ter vários motivos. Necessidade do dinheiro naquele momento ou mesmo a busca por uma melhor alternativa, visto que a poupança oferece a pior rentabilidade se comparada a outros investimentos da renda fixa, diz Alberto Azjental, executivo do mercado e professor da FGV.
A poupança serve para futuro, você não consome hoje para consumir amanhã ou para uma emergência. Com a pandemia, você tem emergência, você tem perda de poder de consumo, então você tem que usar dinheiro da poupança para complementar renda. Com a alta dos juros, da Selic, você tem renda fixa rendendo mais do que a poupança. Fica sem graça seguir investindo [na poupança].Alberto Ajzental, professor da FGV
Os bancos devem destinar 65% dos depósitos da poupança ao SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo). O sistema é uma das principais linhas de financiamento imobiliário disponíveis no mercado. Ele cobre até 80% do valor dos imóveis, com juros limitados a 12% ao ano, e permite que a dívida seja quitada em até 35 anos (420 meses). Junto com outras fontes de recursos, como o FGTS e mais investimentos, o SBPE faz parte da carteira de crédito SFH (Sistema Financeiro de Habitação).
Mas ,o sistema financeiro está usando mais do que o limite legal de 65% do saldo da poupança para o crédito imobiliário. Um dos motivos é, justamente, o aumento das retiradas. "A gente está lá, conforme manda o figurino, eventualmente [utilizando] até um pouquinho mais além dos 65%, porém o mercado quer mais ainda. Então os nossos associados começam a usar cada vez mais outros fundings", diz Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança).
Tradicionalmente a poupança respondia por 70% dos recursos do SBPE - hoje, essa fatia é de 34%. "Há cinco, sete anos, o mercado fala que a poupança não vai mais dar conta e tem que achar alternativas. Estamos vivenciando o que se falava no passado", diz Ajzental.
À medida que se tem menos dinheiro no SBPE, a oferta de crédito mais barato também diminui. O saldo do SBPE encerrou 2023 em R$ 747,1 bilhões. Em 2020, por exemplo, estava em R$ 801,44 bilhões. Foi um período em que os recursos da poupança também cresceram.
Quais são as alternativas à poupança
As instituições financeiras precisaram buscar outras fontes para "complementar" o crédito. As principais são a LCI (Letra de Crédito Imobiliário), CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), LIG (Letra Imobiliária Garantida) e FIIs (Fundos Imobiliários).
Os anos de "boom" dos financiamentos foram 2020 e 2021, quando a Selic estava em 2%. Dados da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) mostram os financiamentos imobiliários bateram recorde e somaram R$ 205,4 bilhões em 2021, por exemplo. O ciclo de altas começou em março daquele ano, até chegar ao patamar de 13,75% em agosto de 2022. Isso porque estava mais barato financiar um imóvel, para os consumidores, e construir, para as construtoras.
É importante encontrar mais fontes de recursos para o mercado, mas isso não é o "ideal". Na verdade, o ideal são juros estruturalmente baixos, um cenário que oferece "financiamento abundante para qualquer coisa, inclusive para imóvel", diz Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip.
Essas outras fontes encarecem o crédito e, consequentemente, o tornam menos acessível. "Uma consequência é que os bancos vão ser mais seletivos, vai ter gente que não vai conseguir financiamento", diz Ajzental.
“No Brasil, a gente tem essa incerteza permanente do que é que vai acontecer com a inflação, o que vai acontecer com o gasto público, o que vai acontecer com a responsabilidade fiscal, o que vai acontecer com a segurança jurídica. Então a gente tem uma realidade que precisa de dinheiro de recursos para financiamento habitacional, de alguma forma, subsidiados.” Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip
Taxa para financiar pode cair ou aumentar em 2024?
A classe média é a que acessa mais os recursos do SBPE para financiar um imóvel, e pode ser a mais afetada. Tradicionalmente, o FGTS contempla o financiamento para a população de menor renda por meio do programa Minha Casa Minha Vida.
A Abecip pondera, no entanto, que o cenário não é tão ruim. Hoje o saldo do SBPE está próximo ao valor do ano de 2019. Segundo Filipe Pontual, diretor-executivo da entidade, a queda nos recursos da poupança já era algo esperado pelo setor.
Apesar da diminuição dos recursos, ele pondera que a projeção para 2024 é positiva. O crédito imobiliário com recursos da poupança "temperado um pouco com outros fundings" deve atingir a marca de R$ 153 bilhões, número semelhante ao do ano passado, diz Pontual. No geral, o mercado de crédito deve apresentar alta de 3%.
Os juros imobiliários continuam abaixo da Selic. Eles subiram de 7,10% em 2020 para 10,24% no fim de 2023 - a Selic hoje está em 11,25%. "O financiamento habitacional está variando aí de 10% a 11% ao ano, que para o Brasil é bastante bom, não é nem o teto. Então ainda está um momento interessante de financiamento e possivelmente vai melhorar ao longo do ano, se a gente tiver realmente uma redução na taxa de juros como todo mundo espera, não só da Selic, mas também das taxas de juros de longo prazo".
A queda nos juros imobiliários não deve acompanhar o mesmo ritmo de cortes da Selic. "Da mesma forma que ele subiu bem menos quando os juros subiram, ele não vai cair na mesma velocidade que vão cair os juros, até porque tem isso, ele já está em um limite, os bancos já estão em um limite em relação a isso. E quanto mais a gente precisar misturar outros recursos que não a poupança para complementar o funding, que são recursos mais caros, não tem muito como cair", diz Filipe.