São Paulo - Passado o cenário de bonança, a construção civil precisa repensar seu modelo de negócio para conseguir manter a sustentabilidade do setor. Além de reduzir os custos com ineficiência, o mercado busca diversificar as fontes de financiamento e pede maior segurança jurídica e menor excesso de burocracia.
"O boom [do mercado] mascarou a ineficiência do setor", afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. De acordo com ele, durante muito tempo o setor pagou um custo alto pela mão de obra e o terreno, nem sempre com a qualidade esperada. Agora, é o momento de rever o custo e encaixar o preço do imóvel no bolso do consumidor. "Porque quem paga é quem compra", disse o executivo ao DCI durante o 11º Adit Invest, que termina hoje em São Paulo.
Mostra do desaquecimento de mercado é o número de lançamentos que tem reduzido drasticamente. Segundo o indicador Abrainc/Fipe, em abril deste ano foram lançadas 1.580 unidades, volume 52,5% menor que abril de 2016. Já as vendas recuaram 14,4% na mesma base de comparação. No acumulado dos últimos 12 meses, a queda dos lançamentos foi de 8,1% e das vendas de 16%, ante os 12 meses anteriores.
Segundo Martins, a insegurança jurídica e o excesso de burocracia também onera demais o setor, fatores que hoje representa quase 12%. Para ele, as normas infralegais têm provocado um impacto maior no setor do que as próprias leis que regem o mercado. "Burocracia sempre vai existir, mas o problema é o excesso. Porque isso vai trazer um custo", expõe.
Além do alto custo, outro fator que dificulta uma operação mais eficiente é a liberação das licenças para a obra. "Às vezes você cumpre todas as etapas da construção e mesmo assim não tem a certeza de que terá as aprovações. Nessa perspectiva não apenas o futuro é incerto, como o passado", analisa o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte de Abreu Filho.
Além disso, Abreu ressalta que dois pontos têm sido bastante afetados por conta da insegurança jurídica: a alienação fiduciária e a lei de patrimônio de afetação. "A interpretação em alguns casos tem sido criativa e não dá garantias ao mercado. Isso aumenta o custo. Em qualquer setor é levado em consideração a relação risco/retorno", contou ele.
Na visão de José Carlos Martins, da CBIC, um aspecto que poderia trazer mais segurança jurídica, pelo menos nos casos de distratos, seria o pacto assinado por empresas e entidades do setor junto a órgãos do consumidor para regrar os contratos de compra e venda de unidades habitacionais. "[No entanto], o Ministério Público não assinou e já vai vencer os 60 dias que tínhamos. Pode até prorrogar, mas são sabemos", revela.
Cadê o crédito? - Martins ressalta ainda que outro grande gargalo é a restrição de fontes de financiamento. "O Brasil possui apenas quatro grandes agentes financeiros, como fica a concorrência?" Quando o assunto é o acesso a crédito, ele acredita que o principal problema é a obtenção do recurso mais barato.
Para Gilberto Abreu da Abecip, caso a taxa de juros - hoje no patamar de 14% - fique em 10% em 2017, a perspectiva para o setor imobiliário é positiva. "Se isso acontecer será outro mercado", aponta o executivo. De acordo com ele, conseguir reduzir a taxa de juros deverá reaquecer a demanda, incentivar o número de lançamentos e financiamento e até reduzir a taxa de distratos.
Outra forma de melhorar o mercado de crédito imobiliário é regulamentando a Letra Imobiliária Garantida (LIG). Mesmo que a captação de recursos não seja a solução, a ação ajudaria a ampliar o funding. "Ainda não sabemos se podemos conseguir a um baixo custo. Mas mesmo assim, precisamos regulamentar por conta do investidor estrangeiro", afirma Abreu, citando que o grande desafio do modelo é desenhar de forma que consiga atrair o investidor de fora. "Ele [estrangeiro] podia analisar o papel de longo prazo aqui", discorre Abreu.
Perspectivas - Segundo o executivo da Abecip, já existem sinais de que alguns indicadores macroeconômicos devem melhorar. "Mas para consolidar o cenário precisamos de mais sinalizações mais fortes de Brasília [o governo]. O financiamento de um imóvel é de longo prazo e para que o cliente volte preciso de confiança", complementa.
"Esse é o ponto de virada. Estávamos cada vez mais pessimistas e agora vemos uma reversão de perspectiva", comenta o presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (SecoviSP), Flavio Amary, citando as últimas melhoras do índice de confiança do consumidor. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) subiu 3,4 pontos entre maio e junho, ao passar de 67,9 para 71,3 pontos, o maior desde junho de 2015.
Caso as condições macroeconômicas para o setor melhorem, Amary afirma que a demanda já está pronta. "Quantos brasileiros entre 25 e 30 anos temos? Ou casamentos? Só separações são 300 mil por ano", comenta. Para ele, só o déficit habitacional deve demandar uns 10 anos de produção imobiliária. "Mas precisamos reduzir as restrições urbanísticas", diz.
Para o presidente da Caixa Econômica Federal, Gilberto Occhi, a perspectiva para o próximo trimestre é positiva. "Há uma tendência de queda da taxa de juros, ainda que pequena, e isso vai fazer com que tenhamos condições e a atratividade da poupança volte a ser real". Segundo ele, a captação da poupança ainda está positiva na faixa da população com renda entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. Em outros grupos, o executivo destaca que há uma migração para opções de financiamento como fundo, CDB, LCI.
Ele lembra que o banco tem mantido a régua de aprovação no número de financiamentos imobiliários similar ao do ano passado, tal qual o volume de recursos disponibilizados aos clientes do banco.