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31/05/2016

Retrato da poupança

De acordo com o estudo ainda inédito, nos últimos oito anos, entre fins de 2007 e dezembro de 2015, o saldo da carteira consolidada de ativos financeiros registrou queda contínua.

José Paulo Kupfer

É intuitivo que a recessão profunda e prolongada vivida pela economia brasileira tem promovido perdas generalizadas para famílias e empresas. Mas qual terá sido até aqui o tamanho e as reais consequências dos prejuízos? O Centro de Estudos (Cemec) do Instituto Ibmec, acaba de concluir um estudo em que essa questão, no que diz respeito à riqueza financeira, é respondida.

Spoiler: de acordo com o estudo ainda inédito, nos últimos oito anos, entre fins de 2007 e dezembro de 2015, o saldo da carteira consolidada de ativos financeiros registrou queda contínua, com ligeiras recuperações pontuais em alguns períodos do intervalo, partindo de um valor correspondente a 167,7% do PIB e chegando a 128,8%. Considerando o PIB de 2015 como referência, a perda de riqueza financeira nominal acumulada entre uma data e outra passaria de 40% do PIB para pouco menos de R$ 2,5 trilhões.

Ainda que sirva como referência da enorme destruição de valor ocorrida, esse resultado não reflete o que se passou, especificamente, em cada tipo de aplicação financeira pelo simples fato de se referir à evolução no tempo de um conjunto consolidado de ativos. O subconjunto de papéis de renda fixa, com destaque para os papéis do governo, por exemplo, elevou-se no período, enquanto a carteira de ações despencou. 

Observado isoladamente, o investimento em ações, principal elemento de redução de riqueza financeira no período, acumulou perdas de R$ 3,5 trilhões, caindo de 91,2% do PIB, em dezembro de 2007, para 32,2%, em dezembro de 2015.

“O forte impacto negativo do ‘efeito riqueza’ sobre a demanda de consumo e o investimento configura um fator recessivo adicional”, diz o economista Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec e coordenador do estudo, no qual foi aplicada metodologia própria sobre ampla e atualizada base de dados também própria. “Além disso”, completa Rocca, professor da Faculdade de Economia da USP e ex-secretário de Fazenda de São Paulo, “verifica-se uma concentração da poupança financeira em títulos públicos, cuja rentabilidade inibe a destinação de recursos para o mercado de ações, para papéis de dívida corporativa e para o crédito bancário”.

A contração da poupança financeira e a mudança do perfil da destinação dos recursos disponíveis entre as diversas modalidades de aplicação financeira é, em primeiro lugar, consequência da evolução dos desequilíbrios fiscais, acentuados com a recessão que levou a queda na arrecadação. Não é coincidência que a alteração das fatias dos diversos ativos no total da poupança financeira se aprofunde e acelere a partir de 2013, quando a dívida pública, em relação ao ritmo de evolução do PIB, faz uma inflexão para cima e ingressa em terreno explosivo.

“Como o governo paga o necessário para financiar seus desequilíbrios”, lembra Rocca, “o mercado de capitais perde espaço para os títulos da dívida pública e a captação bancária, que, por sua vez, também aloca parte considerável do que consegue atrair da poupança privada em títulos públicos e operações compromissadas”. Quase metade do saldo total de ativos financeiros, em dezembro de 2015, de fato, é representado por papéis do governo.

A “concorrência” da rentabilidade dos títulos públicos, resultado da necessidade de financiar déficits fiscais crescentes, ante as demais modalidades de aplicação financeira, fornece a moldura em que o retrato da destinação da poupança financeira se altera ao longo do tempo. Mas esse retrato também é afetado, no período, pela elevação das taxas de juros e a contração das margens de lucro das empresas privadas.

O resumo da história contada pelo estudo do Cemec é que a crise promoveu não apenas contração da poupança financeira, mas também alteração expressiva em sua destinação, concentrando recursos no setor público em detrimento do privado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO