A Justiça de São Paulo determinou na segunda-feira, 4, a suspensão temporária da revisão da Lei de Zoneamento da capital paulista, cuja primeira votação estava prevista para a quinta-feira, 7. A decisão é liminar e determina a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras da cidade.
A Lei de Zoneamento define as principais regras urbanísticas da cidade, como a altura de prédios, as áreas de proteção ambiental e os incentivos para o setor imobiliário. A Câmara Municipal vai recorrer e descarta o adiamento da revisão para o ano que vem. Não é cogitada a ampliação das audiências públicas para todas as subprefeituras. Todas as restantes (cerca de seis) serão realizadas na sede do Legislativo, com o adiamento da prevista para esta quarta-feira, 6.
A suspensão atende a uma ação popular aberta no fim de novembro por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). A organização tem criticado a atuação das lideranças da Câmara na revisão e esteve em uma manifestação por mais participação popular na última quinta-feira, 30.
Presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, Rubinho Nunes (União Brasil), tem ressaltado que a Câmara realizou mais audiências do que a exigência regimental, das quais cerca de metade fora da sede do Legislativo, em locais nas zonas central, norte, sul, leste e oeste. Também salientou que a ação direta de inconstitucionalidade citada na liminar foi indeferida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro.
O vereador disse que o recurso da Procuradoria da Câmara deve ser protocolado até o meio-dia desta quarta-feira, 6. "O Judiciário extrapola competência ao invadir competência exclusiva do Poder Legislativo. Tenho certeza que o Tribunal de Justiça vai reverter essa decisão", declarou durante coletiva de imprensa. "Acredito que, em no máximo um ou dois dias, essa decisão, que está em total descompasso com a realidade, deve ser revertida."
Segundo ele, a primeira votação será realizada assim que a Câmara conseguir uma decisão favorável. A estimativa é que a apreciação inicial dos vereadores fique para o início da semana que vem, enquanto a final seja colocada em votação em 19 ou 20 de dezembro. Antes mesmo da liminar, a comissão já avaliava o adiamento da segunda votação em alguns dias. "Se for preciso votar em 26 ou 27 de dezembro, tenho certeza que a casa vai estar disposta a trabalhar", afirmou o vereador.
A tutela de urgência determina que a convocação das audiências seja feita com ao menos 10 dias de antecedência. Assinada pela juíza Larissa Kruger Vatzco, da 12ª Vara de Fazenda Pública, também requer a apresentação de "toda a documentação necessária à compreensão do projeto, sob pena da adoção de medidas coercitivas de modo a dar cumprimento à tutela de urgência". "A proposta está caminhando sem a adequada participação popular, a qual é privilegiada em diversos momentos pela Constituição da República e pela legislação brasileira", avaliou.
Na liminar, a juíza avalia que as informações fornecidas à população para avaliação das alterações na lei foram insuficientes. "Boa parte do projeto é de difícil compreensão para a população leiga, o que obstaculiza o debate, pela falta de tempo para que as pessoas possam compreender as mudanças", pontua.
Além disso, ela nega que a decisão seja uma interferência do Judiciário. "Não se trata, portanto, de interferência jurisdicional na atividade legislativa, não havendo que se falar em violação ao princípio da separação de poderes. Isso porque, a atividade parlamentar permanece hígida pois caberá aos vereadores a aprovação do projeto de lei", destacou a juíza. "O risco ao resultado útil do processo reside no fato de que uma vez aprovada a legislação, a presente demanda poderá perder seu objeto", completou.
Liderança do MTST e autora da ação, Debora Lima tem dito que o ritmo de tramitação do projeto é "atropelado". "A Câmara dos Vereadores, por sua vez, apresentou um calendário extremamente reduzido com audiências restritas a poucos bairros", disse o movimento em nota divulgada após a decisão.
Na ação, o advogado da liderança do MTST cita um inquérito civil que investiga a revisão no Ministério Público de São Paulo. "Violou-se o Estatuto da Cidade, que prevê a gestão democrática da cidade por meio da participação da população com debates, audiências e consultas públicas, bem como violação ao próprio Plano Diretor e à Lei Orgânica do Município", argumenta.
Com a decisão judicial, uma eventual promulgação pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) pode ficar para o ano que vem, dado o prazo de 30 dias. A comissão da Câmara realizou 27 audiências públicas durante a revisão.
Antes do envio à Câmara, o atual processo de revisão do zoneamento chegou a ficar suspenso entre 2019 e 2022, também após contestação ao processo participativo. O texto passou por diversas alterações ao longo deste ano até ser remetido à Câmara.
Na segunda-feira, 4, o relator, Rodrigo Goulart (PSD), apresentou um texto substitutivo, com novas propostas. Como o Estadão antecipou, uma das principais foi a transformação de Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepam) em áreas de interesse social, que permitem mais moradias e têm regras mais flexíveis.
O vereador destacou que 1,2 mil pessoas participaram das audiências públicas no Legislativo, de forma presencial ou online. Além disso, salientou que a autora da ação não apresentou propostas durante as audiências públicas, mas reconheceu que lideranças do MTST sugeriram alterações no zoneamento em reunião, as quais estão em avaliação.
O MTST é ligado ao deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que é pré-candidato à Prefeitura na próxima eleição, em disputa com o atual prefeito, Ricardo Nunes. Parte dos vereadores da base do governo diz que as contestações ao projeto são uma tentativa de antecipar o pleito do ano que vem, o que é negado pela oposição.
Outras organizações também contestam o processo de participação popular. Desde que chegou na Câmara, em outubro, a revisão do zoneamento teve outros dois pedidos de suspensão negados pela Justiça, abertos pelo Defenda São Paulo e por vereadores. Além disso, no primeiro semestre, o Ministério Público chegou a ajuizar uma revisão para suspender a tramitação do Plano Diretor às vésperas da primeira votação, mas não foi acatada pela Justiça.
O projeto de lei da revisão reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a delimitação de quadras com veto e liberação para prédios altos, a proposta de mecanismos para a proteção de vilas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.
(Matéria publicada em 05/12/2023)