Em dez meses fechados até outubro, o mercado de capitais brasileiro captou R$ 312 bilhões em recursos, um volume 54% superior a igual período de 2018, quando a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) havia registrado R$ 202,6 bilhões em ofertas. Na indústria de fundos, as carteiras de ações e de multimercados receberam captação líquida de R$ 140 bilhões até 8 de novembro, incluindo os planos de previdência dessas categorias. Ao mesmo tempo, a bolsa de valores brasileira (B3) alcança novas máximas históricas em pontos no seu principal índice (o Ibovespa) e bate recorde em número de investidores ativos, 1,5 milhão de pessoas físicas em ações.
Segundo executivos de investimentos consultados, o principal fator para esse crescimento está relacionado ao processo de redução dos juros pós-fixados (DI) nas aplicações de renda fixa, cuja taxa caiu gradualmente de 14,15% ao ano em outubro de 2016 para 4,90% ao ano no mês passado. Na prática, esse movimento contínuo nos últimos três anos provocou uma transformação no comportamento dos investidores, e no horizonte relevante dos próximos dois anos, todo o mercado de aplicações financeiras estará alterado e com outros desafios sendo enfrentados.
Para o diretor executivo do Bradesco, José Ramos Rocha, a revolução está acelerada no varejo alta renda. “O investidor estava acostumado com 14% ao ano lá em 2016, mas quando o ganho caiu abaixo do 1% ao mês teve um efeito psicológico, que começou a provocar os aplicadores. Em paralelo, há todo um avanço da tecnologia, das plataformas de investimentos, que derrubou a barreira de entrada”, diz José Ramos Rocha. Esse público está indo para ações, multimercados, fundos imobiliários e alternativas de crédito privado. Ele observou que o varejo tradicional continua montado em ativos conservadores. “Para 54% da população, ter uma reserva de segurança ainda é uma prioridade”, afirma. Em outras palavras, para o público de menor renda, uma poupança para cobrir eventuais emergências faz mais sentido que aplicações consideradas arriscadas.
Na visão de Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos do Itaú Unibanco, estamos num momento de transição positivo, com os clientes entrando em ações e multimercados enquanto o Ibovespa está subindo. “A missão é explicar muito que em algum momento haverá volatilidade, e, o cliente vai sentir isso. Temos a responsabilidade de entregar os produtos mais adequados ao perfil de risco de cada um”, diz. O diretor alerta para a capacidade da economia de gerar ativos para o mercado financeiro. “Se o PIB crescer de maneira sustentável, teremos papéis para compor as carteiras com boas opções, mas há o risco de falta de ativos”, afirma. Ele complementa que o andamento do programa de concessões e de privatizações poderia ajudar na formação de novos ativos (ofertas de ações de estatais e de debêntures de infraestrutura de concessionárias privadas). Sanches aponta para os próximos dois anos, o desenvolvimento do segmento de ETFs (fundos listados em bolsa), a exemplo da massificação desse produto nos Estados Unidos e na Europa.
PIB EM ELEVAÇÃO
Na opinião de Gilberto Abreu, diretor de investimentos do Santander Brasil, no cenário de juros baixos por um longo período, o dinheiro será canalizado para produção, empresas, estradas e novas obras de infraestrutura. “O rentista vai ganhar menos, mas quem financia a produção vai ganhar mais”, diz. Sobre a nova realidade, Abreu avisa aos investidores que preferem liquidez diária da renda fixa, que a comodidade acabou. “O DI não vai dar nada, mal vai cobrir a inflação”, afirma. Quanto ao futuro, o diretor aponta maiores aportes em ações, ETFs, fundos imobiliários, CRI, CRA e debêntures, além de uma gama mais ampla de commodities, futuros e opções.
Para Maurício Hazzan, diretor de investimentos do Safra Private Banking, a experiência de sua instituição na Europa com os juros negativos indica que o Brasil terá um “novo normal” para aplicações. “Para o conservador, um COE de capital protegido fará mais sentido, assim como uma posição em fundo imobiliário de renda com retorno interessante”, diz. Ele complementa que a renda fixa vai precisar se renovar. “Os títulos pós-fixados tendem a perder espaço para prefixados de crédito privado”, afirma. O diretor citou que o público do Safra já é mais exposto a multimercados e ações e também caminha para private equity e venture capital.
Em bancos regionais como o Banrisul, a migração também tem sido rápida. “Estamos quebrando a cultura do DI aos poucos, mesmo que uma aplicação supere os 100% do DI, o ganho absoluto é muito pequeno. Nosso principal desafio é oferecer todas as informações para que o cliente tome a decisão mais adequada de investimento”, diz Marcus Staffen, diretor de finanças e de relações com investidores do Banrisul.
Rafael Vieira Fornari, head comercial da asset management do Banco Votorantim, também conta que os institucionais (fundos de pensão) estão convocando reuniões com os participantes para explicar a realidade dos juros baixos nos planos de previdência. “A discussão é qual o nível de risco que os participantes aceitam assumir”, afirma. Fornari nota uma procura maior dos clientes pessoas físicas do banco por informações sobre FIDCs, carteiras estruturadas e FIPs, que aplicam em participações societárias em companhias ou projetos. Já Ricardo Couto, diretor de investimentos do Banco Inter, prevê que as empresas vão cada vez mais, buscar recursos no mercado de capitais. “Ficou muito mais eficiente captar funding na B3”, diz.
SEGUNDA ONDA
Para o sócio e gestor da Domo Invest, Marcello Gonçalves, já houve uma primeira onda de migração para ações, multimercados e fundos imobiliários. “Temos uma segunda onda para fundos de private equity e venture capital, o que demonstra um amadurecimento do nosso mercado”, afirma. Ele aponta que além dos investidores pessoas físicas, as empresas tradicionais também estão se interessando por venture capital como forma de participar do processo de inovação.
Caixa corta juros do cheque especial
Em uma decisão que lembrou os tempos de utilização dos bancos públicos para fomentar o crédito, a Caixa Econômica Federal cortou a taxa de juros do cheque especial para 4,99% ao mês, na última terça-feira 12. Antes, a taxa cobrada era de 9,99% ao mês, enquanto as demais instituições financeiras privadas praticavam juros entre 10% e 12,5% ao mês. Segundo dados do Banco Central relativos ao mês de setembro, a taxa média do cheque especial é de 307,6% ao ano. A nova taxa da Caixa corresponde a 79,38% ao ano, ou seja, 74,2% abaixo da média praticada pelo sistema financeiro há menos de dois meses.