Nem dolce vita, nem surto de consumismo: os brasileiros estão tirando dinheiro da poupança para cuidar das necessidades básicas do dia a dia. Em março, as cadernetas perderam R$ 15,36 bilhões, diferença entre saques e depósitos. Foi, segundo o Banco Central (BC), a maior saída de recursos desde 1995, início da atual série histórica. Um ano antes, os poupadores haviam retirado, em termos líquidos, R$ 3,52 bilhões, menos de um quarto do valor sacado em março deste ano. Este foi o terceiro mês consecutivo com retiradas maiores que depósitos. Nas duas primeiras semanas de abril, segundo a primeira prévia mensal, o balanço de entradas e saídas também foi negativo. Com orçamento muito apertado e condições de trabalho muito desfavoráveis, a maior parte das famílias tem sido incapaz de pôr de lado um dinheirinho no fim de cada mês.
Milhões de consumidores, principalmente dos grupos inferiores de renda, vêm sendo assombrados pelo endividamento e pela dificuldade de pagar as contas. Quarenta por cento das pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem, segundo pesquisa publicada há poucos dias, usar esse dinheiro para limpar o nome. Têm crescido as dívidas e as contas em atraso, enquanto encolhe a renda familiar e o emprego se recupera muito lentamente. No trimestre móvel até fevereiro, a desocupação chegou a 11,2% da força de trabalho e ficou 3,4 pontos porcentuais abaixo do nível de um ano antes. No intervalo de um ano a população ocupada incorporou 7,9 milhões de pessoas e chegou a cerca de 95,2 milhões. Mas o rendimento médio habitual encolheu 8,8%, descontada a inflação.
A redução do ganho real é explicável pelas más condições do mercado – para os assalariados e para os ocupados por conta própria – e pela inflação. Nos 12 meses até fevereiro o custo de vida subiu 10,54%. Com a alta de 1,62% em março, a maior para esse mês desde 1994, ano do Plano Real, a taxa acumulada atingiu 11,3%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não há perspectiva de melhora sensível em 2022. A inflação deve bater em 7,65% neste ano, segundo projeção do mercado. O crescimento econômico deve ser inferior a 1%, de acordo com a maior parte dos cálculos publicados neste mês. O Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou sua estimativa, acrescentando 0,5 ponto àquela anunciada em janeiro, mas a taxa ficou em 0,8%. O Executivo federal, empenhado na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, tem procurado elevar o gasto público e a oferta de crédito a empresas, mas nada autoriza, por enquanto, expectativas mais otimistas quanto à atividade e ao emprego.
Se a inflação permanecer elevada e o desemprego ainda cair lentamente, faltará combustível para o principal motor da economia, o consumo privado. Famílias com orçamento curto e pressionadas por dívidas continuarão com pouco dinheiro para gastar e também, é claro, para realimentar a poupança, já desgastada para atenuar o aperto.
Matéria publicada em 28/04/2022