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24/10/2016

Salto de fundo imobiliário se deve apenas à confiança

Para especialistas, porém, a Selic precisa cair muito mais, e a economia tem de reagir para que a valorização dos FIIs se sustente e eles possam concorrer com a renda fixa.

O desavisado que der uma olhada no desempenho dos fundos de investimento imobiliário (FIIs) este ano pode até pensar que a crise acabou e que os juros brasileiros estão perto do chão. O índice Ifix, que reúne os FIIs listados na Bolsa, acumula alta de 31,2% desde janeiro. Como não é esse o caso, especialistas creditam o salto à expectativa de que o vigor econômico vai se recuperar e que o Banco Central (BC) terá espaço para reduzir a Taxa Selic, o que já vem achatando os juros futuros. E, na semana passada, o BC fez o primeiro corte de juros em quatro anos. Para especialistas, porém, a Selic precisa cair muito mais, e a economia tem de reagir para que a valorização dos FIIs se sustente e eles possam concorrer com a renda fixa.

A grande maioria dos FIIs compra imóveis — residenciais, comerciais ou até espaços em shoppings e galpões — e distribui aos cotistas a renda obtida com aluguéis. Entre o início de 2013 e a segunda metade de 2015, período de alta ininterrupta de juros, os FIIs entraram em uma espiral de perda de aplicadores e desvalorização de cotas. As taxas altas inibiam a compra de imóveis e tornavam outras aplicações muito mais vantajosas que os FIIs, ao mesmo tempo em que a crise esvaziava o mercado de locações, seu grande filão. Por isso, após um boom de 35% em 2012, o Ifix despencou 12,6% no ano seguinte e caiu 2,8% em 2014. O número de fundos listados na Bolsa se estagnou em 126, o menor desde 2013.

Com os sinais de que haveria mudança de governo, no primeiro semestre, o mercado financeiro começou a apostar em uma reforma fiscal mais dura — que controlaria a inflação mais rapidamente, permitindo o corte da Selic. Com isso, o contrato de juro futuro DI com vencimento em 2021, por exemplo, caiu de 16,2% para 11,20% no ano. Ou seja, foram as expectativas que puxaram a valorização dos FIIs, não a economia real, ressalta Pedro Junqueira, sócio da consultoria especializada Uqbar:

— A rentabilidade deste ano se deu exclusivamente por causa da valorização das cotas, não por causa dos rendimentos. No mundo real, o preço dos imóveis e a vacância mostram um mercado ainda muito fraco. O mercado secundário se antecipou, apostando em algo que ainda não se concretizou no mundo real.

Ganho supera títulos públicos - Mas essa valorização baseada em perspectiva de futuro também impulsionou a renda fixa — que, por ter risco muito menor, rouba investidores dos FIIs mesmo rendendo um pouco menos. Os títulos dessa categoria se valorizam quando os juros caem porque foram emitidos a taxas mais vantajosas que a dos novos papéis.

De fato, no ano, a valorização do Ifix (31,2%) supera a dos títulos públicos indexados à inflação, seu rival mais próximo. O IMA-B, índice da Anbima que mede o desempenho desses papéis, rendeu 24,07% no período. Em 12 meses, o rendimento dos dois é mais próximo: 30,6% dos fundos e 29,5% dos títulos. Em dois anos, porém, o IMA-B avançou 34,25%, contra 31% dos FIIs. Considerando-se apenas os títulos públicos atrelados à inflação com vencimento acima de cinco anos, os FIIs empatam este ano mas perdem em 12 meses — os títulos renderam 37,5% no período. Embora a comparação entre as duas aplicações não seja perfeita, já que, ao contrário dos títulos, os dividendos dos FIIs não pagam imposto, ela é bem próxima à realidade, segundo especialistas.

— A verdade é que uma queda de 0,25 ponto na Selic não muda nada. O que melhoraria muito seria baixá-la para um dígito (hoje está em 14% ao ano). É o que levará a uma movimentação mais forte para esses ativos — explica Octávio Vaz, sócio da AQ3 Asset, que faz gestão de fundos imobiliários.

Assim, as chances de o FII ser mais vantajoso que a renda fixa no longo prazo dependem da continuidade da redução dos juros e da melhora efetiva da economia, com o PIB voltando a crescer e o desemprego caindo, além do avanço da reforma fiscal, afirmou Thiago Otuki, professor de economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e consultor do site especializado Clube FII. Com relação aos juros, economistas preveem 11% no fim de 2017. Já o Santander vê juros no patamar de um dígito desejado por Vaz, de 9,5%, no fim do ano que vem.

Segmentos de maior sucesso - Enquanto os analistas ainda se dividem sobre as chances de a economia se recuperar da forma esperada, Otuki lembra que os FIIs são muito diferentes entre si e que há alguns nichos com probabilidade maior de sucesso.

— É preciso olhar para os segmentos em que eles atuam. Há fundos com contratos de locação de prazo maior com vacância abaixo da média. Um exemplo são os fundos que têm na carteira imóveis alugados para agências de banco. O fundo Santander Agências subiu mais de 40% no ano — diz Otuki, referindo-se ao FII que detém 28 agências daquele banco em sete estados, cuja cota avançou 42,87% no ano.

Vaz, da AQ3 Asset, prefere fundos focados nos segmentos de logística e galpões industriais:

— Nesse mercado há contratos de mais longo prazo, com demanda ainda maior que a oferta. O país ainda tem muita necessidade dessa infraestrutura.

Virgínia Prestes, mestre em Finanças e professora da Faap, está confiante na valorização dos FIIs e cita a diferença que ainda existe entre seu valor na Bolsa e o dos imóveis em sua carteira, embora ela esteja diminuindo. Em setembro, o valor de mercado dos fundos negociados em Bolsa atingiu R$ 29,9 bilhões, alta de 19,6% no ano. Com isso, a capitalização dos FIIs chegou a 83% do patrimônio (valor dos imóveis na carteira). Essa relação era de apenas 68% no fim de 2015.

— Quando os imóveis começarem a subir de valor e os aluguéis se recuperarem, haverá impacto positivo na rentabilidade — diz. — O FII ainda não entregou todo o prêmio que tem para entregar na comparação à renda fixa.

FONTE: O GLOBO