"Não deixe seu imóvel ir a leilão", sugere a publicidade de uma associação de mutuários - o grupo também oferece ajuda a quem quer fazer um distrato. O anúncio, veiculado em rádios paulistanas nas últimas semanas, ainda ecoa uma crise que derrubou o setor imobiliário e, agora, afeta o crédito às incorporadoras em meio a uma incipiente retomada dos lançamentos.
Escaldados pela inadimplência e com um estoque de imóveis retomados que beira 100 mil unidades, os bancos estão mais seletivos no financiamento a obras. Fundos de investimento e uma maior parcela de capital próprio têm sido alternativas usadas pelas construtoras - especialmente as de menor porte - para tocar seus projetos.
As instituições financeiras definiram o crédito imobiliário como prioritário em sua estratégia de crescimento nos próximos anos, mas por enquanto estão mais atuantes nas operações com pessoas físicas que nos negócios com empresas.
Os números de pessoa jurídica até ensaiam uma melhora. Os financiamentos à construção com recursos da poupança somaram R$ 3,774 bilhões entre janeiro e maio, alta de 6,5% em relação a igual período do ano passado. A greve dos caminhoneiros, dúvidas sobre a Lei de Zoneamento em São Paulo e a desaceleração do PIB minaram as chances de uma retomada mais firme, mas ainda é o melhor desempenho desde 2014.
No entanto, os critérios dos bancos para liberar o dinheiro estão bem mais rigorosos. "O nível de análise dos projetos, hoje, é muito mais aprofundado. Se passarem pelo crivo, aí tem crédito", afirma Fabrizio Ianelli, superintendente-executivo do Santander.
As instituições financeiras têm discutido os empreendimentos de forma muito mais detalhada com as incorporadoras antes de liberar os recursos. Há casos em que os bancos mandam até mesmo um engenheiro próprio ao canteiro de obras para acompanhar o ritmo da construção. Em geral, o dinheiro é liberado para projetos específicos, com risco isolado, e não para as companhias.
"Houve uma evolução na análise dos bancos, as incorporadoras estão mais cautelosas e o comprador está mais maduro também", observa Leandro Diniz, diretor de empréstimos e financiamentos do Bradesco.
O crédito bancário tem sido mais acessível a construtoras tradicionais e que sofreram menos estragos na crise. A preferência é por projetos menores, considerados mais fáceis de vender. Depois de uma onda de distratos (desistência da compra) que afetou empresas e bancos, hoje está bem mais difícil emplacar um condomínio multitorres, modalidade que se alastrou pelas grandes cidades anos atrás.
A busca por operações consideradas mais seguras teve efeito positivo para algumas companhias. A Cyrela conseguiu, neste ano, renegociar taxas de seus contratos de financiamento. "Os bancos estão mais restritivos no geral, mas para nós isso tem sido até benéfico. Somos procurados por eles", afirma Paulo Gonçalves, diretor de finanças e relações com investidores da empresa.
A Hemisfério Sul Investimentos (HSI), que tem parceria com incorporadoras em projetos de médio e alto padrões em São Paulo, também obteve melhora nas taxas. "Hoje os bancos estão muito focados na qualidade do projeto. A localização, o parceiro e uma maior parcela de capital próprio contam muito", diz Thiago Costa, sócio-diretor de aquisições da gestora.
"O financiamento está concentrado em um grupo mais seleto de incorporadoras", afirma Régis Dall'Agnese, sócio-gestor da RB Capital, que entra em projetos em parceria com as construtoras.
Além dos empreendimentos de padrão mais elevado, têm se saído bem os relacionados ao Minha Casa, Minha Vida, em boa parte financiados pela Caixa. Segundo Paulo Siqueira, vice-presidente de habitação, as concessões de crédito do banco estatal para construtoras cresceu 23% neste ano até maio, somando funding do FGTS e da poupança.
Entre um extremo e outro do mercado, estão construtoras de porte médio e de atuação regional, para quem o financiamento dos bancos se tornou mais caro e escasso. Essas vêm recorrendo a uma fatia maior de capital próprio e algumas têm conseguido acessar recursos de investidores.
"Os fundos estão tapando um pedaço desse buraco", afirma Eduardo Malheiros, sócio e presidente da Habitat Capital Partners. Com um fundo de R$ 200 milhões, a gestora investe em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) de projetos distantes das principais áreas urbanas. Todo o processo, inclusive a securitização, é feito internamente e há uma forte estrutura de garantias.
Com outro modelo, a Capitalys também financia projetos de incorporadoras médias por meio da cessão de recebíveis para um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC). A gestora entra em empreendimentos com pelo menos 50% de vendas e 40% das obras concluídas. "As taxas são um pouco acima das cobradas pelos bancos, mas damos condições de pagamento mais flexíveis", afirma Luiz Felipe Gerab, diretor de crédito imobiliário. Segundo ele, a Capitalys tem cerca de R$ 150 milhões em projetos em análise.
Em paralelo, a BrasilBrokers criou uma plataforma para aproximar construtoras e potenciais investidores. A ideia é fazer a ponte entre os clientes da empresa - 76% dos quais são pequenas e médias incorporadoras - e fundos. "O propósito é montar estruturas financeiras usando como lastro ativos imobiliários", diz Claudio Hermolin, presidente da companhia.
Diniz, do Bradesco, afirma que, na média, este ano deve ser melhor que 2017, embora as eleições e a desaceleração do PIB possam atrapalhar. Segundo ele, os bancos não podem deixar de financiar as construtoras após a seca de lançamentos nos últimos anos. "Se não oxigenar, começa a ter falta de estoque lá na frente", diz.