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12/11/2021

Selic rumo a 2 dígitos aprofunda crise dos fundos imobiliários

Gestores veem situação do segmento melhorar só a partir do fim de 2022

A perspectiva de uma Selic de dois dígitos vai aprofundar ainda mais a crise do segmento de fundos imobiliários (FII). O ano atual se consolida como o segundo consecutivo de perdas para o Índice de Fundos Imobiliários da B3, o Ifix, referencial do setor.

Gestores ouvidos pelo Valor, porém, apontam o outro lado da moeda: agora pode ser o melhor momento para quem puder se posicionar em fundos imobiliários com ativos de qualidade no portfólio, tendo um horizonte de médio e longo prazos. “Tem de montar posição quando o mercado te dá oportunidade”, afirma o CEO e fundador da Hedge Investments, André Freitas.

Quem tiver disposição para aumentar posição no mercado de FIIs, no entanto, precisa estar preparado para a volatilidade. No ano que vem, com Selic ainda em alta no primeiro trimestre e as eleições cada vez mais próximas, a oscilação de preços tende a ser muito elevada. “Em 2022, vamos conviver com as consequências do juro alto, que provavelmente vão ser sentidas no PIB”, avalia Freitas. “O crescimento da economia pode variar entre algo abaixo de 1% a até uma retração de 0,5%”, pondera.

O Ifix reflete esse cenário de incertezas e amarga uma queda de 8,73% no ano até 11 de novembro. O resultado se soma ao recuo de 10,24% registrado pelo referencial dos fundos imobiliários listados na bolsa em 2020.

Mas como rentabilidade presente não assegura ganho futuro, as casas especializadas apostam em uma virada de jogo no médio prazo. “Existe a perspectiva de que as pressões sobre preços de hoje, como na energia e nos alimentos, possam arrefecer”, diz o CEO da Hedge. “Com juro a dois dígitos e inflação em torno de 5% no fim de 2022, estamos falando de um juro real muito alto, de 5%. A gente não segura um juro real nesse patamar por muito tempo.”

O argumento do gestor é que a taxa básica pode voltar ao nível de um dígito no médio prazo. Além disso, com avanço da vacinação, a tendência é de a economia retomar o crescimento, com uma Selic já fora do campo restritivo para a atividade.

De acordo com o sócio responsável pelas áreas de properties e renda da RBR, Caio Castro, “quem conhece o mercado já está se posicionando”. Conforme o gestor, há muitos FIIs negociando abaixo do ‘custo de reposição’, o que indica que é “a hora de comprar imóvel.” Custo de reposição, no jargão do mercado, é o montante que teria de ser investido para se erguer um mesmo prédio.

Outro termômetro de que os fundos podem estar sendo negociados abaixo dos fundamentos é o fato de imóveis comerciais de perfis semelhantes terem preços por metro quadrado mais elevados no mercado físico, comparados ao mesmo indicador nas carteiras dos FIIs. “Existe atualmente uma arbitragem entre o mercado tradicional e os FII”, afirma Castro.

Nos cálculos da RBR, muitos fundos estão com preços de metro quadrado com desconto de dois dígitos. “Alguns portfólios estão rodando com preços entre 15% a 20% abaixo do custo de reposição.”

O potencial de ganho no médio prazo também abrange os “yields”, ou seja, a taxa de retorno com os dividendos mensais distribuídos pelos FIIs. “Temos visto que alguns fundos estão negociando com ‘dividend yield’ na casa de 8,5% a 9% hoje”, explica Castro. “Se considerarmos uma inflação de 10%, que pode ‘entrar’ no yield [por meio de reajustes de locação] nos próximos 10 meses e, com preços de cotas comprimidos, há potencial de os yields aumentarem no ano que vem até a faixa de 9% a 9,5% ao ano.”

Para o sócio da Canuma Capital Marcelo Vainstein, há diversas oportunidades no mercado. “Mas ainda é preciso ser seletivo. A melhor estratégia não é escolher um setor especificamente, mas buscar o melhor ativo possível.”

O sócio e gestor da Trinus Co, Pedro Ernesto, também avalia ser necessário cautela, mesmo com preços em baixa no mercado. “Juros altos, inflação elevada, turbulências políticas, fragilidade fiscal e eleições fazem com que esteja se formando no horizonte uma tempestade para o segmento de fundos imobiliários em 2022.”

Para Ernesto, os shoppings, por exemplo, estão mais descontados, mas o gestor afirma ver ainda momento de espera para entrar na categoria, justamente por conta do ambiente desafiador. O mercado imobiliário como um todo, pondera Freitas, da Hedge, “tende a permanecer em modo de espera até, pelo menos, o terceiro trimestre de 2022, quando deve a começar a melhorar com um cenário macroeconômico mais favorável”.

A crise atual, além disso, mostra um perfil muito diferente do visto na recessão de 2015 e 2016, segundo Castro, da RBR. “Nunca vi o mercado com cenários tão antagônicos numa mesma cidade”, diz o especialista, em referência à capital paulista, principal mercado imobiliário do país.

As regiões têm exibido comportamentos opostos em São Paulo. “A demanda por imóveis não parou nas boas localizações da cidade. Mas tem muita disparidade. Regiões como a Chácara Santo Antônio ou a avenida Chucri Zaidan, por exemplo, apresentam vacâncias de 40% e 30%, enquanto áreas como o entorno das avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitscheck estão com vacância de apenas 11%.”

Na visão do gestor da RBR, no ano que vem, diante do cenário turbulento, existe a possibilidade de as regiões com maior demanda terem aumento na procura, por conta de suas características defensivas. Por outro lado, as áreas de menor interesse de empresas podem sofrer ainda mais. “O resumo do cenário é: onde está pior vai piorar mais, e onde está melhor vai melhorar mais”, afirma Castro.  

FONTE: VALOR ECONôMICO