Notícias

16/06/2017

Sem Tenda, Gafisa inicia seu novo ciclo de negócios

No fim do mês, a companhia vai apresentar ao mercado o J330, empreendimento de alto padrão, nos Jardins, região nobre da capital paulista.

Chiara Quintão 

Gafisa sinalizou, ao divulgar balanço, perspectiva de melhora gradual no resultado financeiro a partir do 2º semestre Em voo solo há pouco mais de um mês, desde que as ações da ex-controlada Tenda voltaram a ser negociadas em bolsa, a incorporadora Gafisa prepara o primeiro lançamento do seu novo ciclo. No fim do mês, a companhia vai apresentar ao mercado o J330, empreendimento de alto padrão, nos Jardins, região nobre da capital paulista. 

A decisão de começar a lançar projetos, em 2017, somente no fim do semestre, faz parte da estratégia de preservar caixa e dar prioridade à venda de estoques, nesta fase em que a companhia opera no vermelho e precisa reduzir a alavancagem, e em que ainda há muita incerteza sobre os rumos do Brasil. Sem Tenda, a Gafisa volta a ser a empresa do passado, antes da abertura de capital, com foco na incorporação de empreendimentos residenciais dos padrões médio e alto em São Paulo e no Rio de Janeiro. Se a incorporadora repetir, em 2017, o Valor Geral de Vendas (VGV) do ano passado, terá lançamentos pouco acima de R$ 900 milhões. O mais provável, porém, é que os novos projetos apresentados não cheguem a R$ 750 milhões, segundo o Valor apurou, justamente pela necessidade de preservação de caixa. 

Em 2011, ano do auge do setor imobiliário, a Gafisa lançou R$ 2,16 bilhões. No ano seguinte, reduziu seu VGV lançado para R$ 1,61 bilhão. Desde 2013, a companhia lança menos da metade do que apresentou ao mercado em 2011. O VGV lançado foi de R$ 1,09 bilhão em 2013; R$ 1,02 bilhão em 2014; R$ 996 milhões em 2015; e de R$ 921 milhões no ano passado. A cisão entre Gafisa e Tenda foi realizada durante três anos, passando pela separação dos negócios, da administração, das estratégias, dos sistemas e, finalmente, da estrutura de capital. Ainda que a operação não tenha sido surpresa, o entendimento de que a cisão dificultou a situação da Gafisa fez com que instituições financeiras revisassem para baixo suas recomendações em relação à incorporadora e que as agências de classificação de risco atribuíssem à companhia ratings piores. "A Gafisa tornou-se uma companhia menor, menos diversificada e com perspectiva ainda desafiadora. Para 2017, não esperamos melhora da receita", diz a analista da Moody's, Carolina Chimenti. No dia seguinte ao início das negociações da Tenda em bolsa, a Moody's rebaixou o rating corporativo da Gafisa de "B2" para "B3", na escala global, e de "Ba2.br" para "B2.br", na escala nacional.

No entendimento da Moody's, o desempenho operacional e a geração de caixa da Gafisa dependerão da melhora das vendas de imóveis residenciais dos padrões médio e alto nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, o que, por sua vez, está condicionado à continuidade do incremento das condições macroeconômicas do país. Por outro lado, a analista espera que Gafisa apresente margem bruta positiva neste ano. No primeiro trimestre, apesar de as vendas líquidas da Gafisa terem crescido 75%, a receita líquida encolheu 20%, para R$ 136,6 milhões, e a margem bruta ficou negativa em 12,6%. No setor, a receita é contabilizada proporcionalmente às vendas e ao avanço das obras. 

A maior parcela da receita tem sido composta por projetos lançados a partir de 2014 e, portanto, com menos evolução de obras. Em 2018 e em 2019, a participação, na receita, das vendas de unidades lançadas em 2014 e 2015 tende a crescer e, consequentemente, a fatia composta por projetos com margens maiores. Produtos de safras recentes são menos suscetíveis a distratos, porque foram lançados com preços ajustados à nova realidade. As rescisões se concentram em unidades residenciais cujo lançamento ocorreu em 2012 e 2013 e em projetos comerciais. As entregas de produtos com esses perfis foram concluídas em 2016, o que contribui que os distratos estejam em queda. Em 2016, a Gafisa teve prejuízo de R$ 1,22 bilhão e, no primeiro trimestre, perda de R$ 49,4 milhões. 

Nos dois casos, além da queda da receita e de margem bruta negativa, impactos da separação da Tenda e provisões para contingências contribuíram para o prejuízo. No trimestre, as provisões somaram R$ 84,72 milhões, valor 42% menor na comparação anual. No 1º trimestre, mesmo com a geração de caixa de R$ 33,2 milhões, a alavancagem da empresa foi de 86,6% Na divulgação do balanço, a Gafisa sinalizou perspectiva de melhora gradual no resultado financeiro a partir do segundo semestre, em decorrência de expectativa de melhora do cenário político e econômico e da consequente retomada dos segmentos de média e alta renda, mas há quem avalie, no mercado, que a companhia só voltará a apresentar lucro em 2019. 

A Moody's não espera guinada completa até meados de 2018, o que limitará, no curto prazo, a geração de caixa livre, que poderia contribuir para amortizar dívidas. "A Gafisa tem compensado, parcialmente, descontos de preços com economia de obras e redução de despesas gerais e administrativas, mas as margens continuam pressionadas", diz um analista. Ele ressalta que as vendas dos últimos lançamentos da incorporadora "estão indo bem", mas que é necessário ter alavancagem baixa para acelerar a apresentação de novos projetos. 

A velocidade de comercialização medida pelo indicador VSO (vendas sobre oferta) dos últimos 12 meses tem crescido e chegou a 34,5% no primeiro trimestre, ante 28,9% no mesmo período de 2016. Isso resulta, em parte, do reforço da equipe própria de vendas. No trimestre, mesmo com a geração de caixa de R$ 33,2 milhões, a Gafisa atingiu alavancagem medida por dívida líquida sobre patrimônio líquido de 86,6%, patamar considerado elevado. Com a cisão da Tenda, o patrimônio da Gafisa foi reduzido, mas a companhia só recebeu, em maio, R$ 219,5 milhões da operação. Se os recursos tivessem entrado no primeiro trimestre, a alavancagem cairia para 72,5%, nível ainda não avaliado como confortável pelo mercado. 

No quarto trimestre, o patrimônio da Gafisa foi reduzido por baixas contábeis de terrenos e estoques. Da dívida bruta total da Gafisa de R$ 1,587 bilhão, R$ 987,5 milhões se referem a vencimentos de curto prazo. O Valor apurou que a Gafisa tem conseguido negociar com bancos adequação de prazos de pagamento das dívidas de projeto ao fluxo de vendas das unidades. Dos vencimentos de curto prazo, 80,6% são atrelados a projetos. Segundo fonte, a geração de caixa esperada pela Gafisa decorrente da venda de estoques é suficiente para equacionar os passivos corporativos à medida que vencem. 

O Valor apurou também que a Gafisa não tem interesse em fazer aumento de capital, alternativa vista como possível por analistas. A empresa não tem controlador. Os principais acionistas são Wishbone Management (15,62%), River and Mercantille Management (10,19%) e Pátria Investimentos (5,6%). Quase 70% dos papéis estão pulverizados no mercado. Analistas consideram que, se necessário, a Gafisa pode vender os 30% de participação que tem na Alphaville Urbanismo, mas a incorporadora não está contando com esses recursos, segundo fonte. 

Há quem espere que Blackstone e Pátria, que compraram 70% da Alphaville no fim de 2013, adquiram o restante. Principal empresa de loteamentos do país, Alphaville - que já foi considerada a joia da coroa da Gafisa - teve prejuízo líquido de R$ 108 milhões no ano passado, quando não lançou projetos. No mercado, não se espera que a situação da Gafisa se agrave a ponto de a empresa precisar ser comprada por concorrente ou sócio financeiro, nem que a companhia não se sustente sem Tenda. A percepção é que a situação financeira da Gafisa se agravou em decorrência do aumento dos distratos e não de problemas estruturais. Procurada pela reportagem, a Gafisa não concedeu entrevista.

FONTE: VALOR ECONôMICO