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20/04/2020

Setor da construção teme arrocho de crédito quando economia retomar ritmo

Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, afirma que bancos já estão mais seletivos

O setor de construção civil será um dos motores da recuperação da economia no período pós-pandemia, mas o gargalo de crédito nos bancos pode ser um obstáculo para a retomada. A avaliação é do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. Segundo ele, construtoras médias e até grandes enfrentam dificuldades para obter recursos para financiar fornecedores, já que as taxas de juros cobradas estão sendo elevadas pelas instituições.

 

— Para construtoras médias e até algumas grandes o financiamento está sendo um desastre para pagar fornecedores. E quando os clientes começarem a procurar crédito para a compra? O risco de desemprego vai frear a oferta desses financiamentos pelos bancos privados? Podemos ter uma freada de crédito como a que vimos em 2008 - disse Martins durante live promovida por uma empresa de investimentos.

Ele afirmou que, a partir do dia 23, construtoras que fazem financiamentos com a Caixa farão uma campanha para criar motivação para compra de imóvel. Segundo ele, a ideia é que as construtoras ofereçam algum tipo de incentivo, como um desconto para motivar a aquisição de imóveis. Por sua vez, segundo Martins, a Caixa vai prorrogar o pagamento da primeira parcela para depois de seis meses após a compra.

 

— Não vejo outra forma de irrigar a economia que não seja o setor de construção. Neste momento, as pessoas se retraem com medo de perder o emprego. Mas vamos fazer uma campanha de incentivo para a compra do imóvel - disse Martins, lembrando que a Caixa tem 70% do mercado imobiliário do país.

Ele afirmou que muitas obras foram paralisadas em cidades ou estados em que governos ou prefeituras determinaram essa interrupção. Martins citou o caso de Santa Catarina, onde o governo paralisou todas as suas obras públicas por sete dias. Em outros estados, como Alagoas, Sergipe e Espírito Santo houve tentativas do Ministério Público de paralisar as obras, que não vingaram.

 

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, muitos trabalhadores são de municípios da Baixada Fluminense. Com a interrupção do transporte público intermunicipal, eles não conseguem chegar às obras - afirmou.

 

Imóveis entram na era digital

Vendas por WhatsApp, videoconferência, tour virtual e até drones. Construtoras adotam novas estratégias para oferecer aos clientes opções de compra durante o isolamento social.

Em tempos de isolamento social, causado pelo coronavírus, ter uma casa ganha um significado ainda mais importante. Especialistas garantem que manter o mercado imobiliário aquecido será essencial para recuperar a economia pós-pandemia. Diante deste cenário, construtoras e incorporadoras adotaram iniciativas que prometem revolucionar o setor, inclusive após a quarentena. Envolvem, por exemplo, a utilização de plataformas de vendas digitais, campanhas on-line para a divulgação de empreendimentos e novas estratégias para mostrar as unidades aos interessados.

As medidas buscam manter a retomada no ritmo de crescimento e compensar a proibição de abertura dos estandes aos clientes. Aliado a isso, a Caixa Econômica Federal disponibilizou, desde o início da crise, R$ 154 bilhões em recursos ao setor, para garantir a estabilidade operacional.

 

No Rio de Janeiro, a construtora Mozak diversificou as ações para atrair a atenção do consumidor. Com 25 anos de atuação no segmento de alto luxo e foco, principalmente, nos bairros de Leblon, Ipanema e Lagoa, a empresa intensificou o modo on-line de trabalho e tem procurado os clientes remotamente via WhatsApp e videoconferências, além dos tradicionais contatos telefônicos e por e-mail. O que mais chama a atenção é a forma de exibir o imóvel ao potencial comprador. São oferecidos tour virtual, book de venda digital, vídeos e imagens de drone com a vista de cada apartamento e da região. “Estamos conseguindo nos comunicar e mostrar todos os detalhes dos imóveis, o que às vezes não acontecia presencialmente”, diz a gerente comercial Carolina Lindner.

 

A venda é realizada por meio da docusign, plataforma de assinatura eletrônica com emissão de certificados que garantem juridicamente todo o processo, iniciativa que assegura uma transação 100% digital. “Os clientes estão cada vez mais antenados às novas experiências”, afirma Lindner. Os empreendimentos comercializados pela construtora têm de 30 a 600 metros quadrados, com valores de R$ 800 mil a R$ 20 milhões. Apesar da fase de incertezas em razão da pandemia, a gerente acredita que este é o melhor momento para diversificar os investimentos. “Imóvel sempre será imóvel. Trabalhamos com um público específico de alto padrão, em localizações em que a oferta é escassa. Sempre existiu e existirá demanda.” Confiante, ela diz que a Mozak vai manter o planejamento de lançamentos para este ano. A companhia comercializa quatro empreendimentos e tem outros dez em fase de construção. A meta é fechar 2020 com R$ 600 milhões em valor geral de vendas, alta de 20% sobre os R$ 500 milhões comercializados no ano passado.

 

Já a MRV Engenharia, maior construtora de imóveis econômicos da América Latina, com receita líquida de R$ 6 bilhões em 2019, criou uma plataforma digital de vendas que dá às pessoas a possibilidade de comprar o imóvel remotamente e de forma segura. O sistema foi desenvolvido nos últimos dois anos, estava em testes em Minas Gerais, mas acabou adotado no restante do País em virtude da pandemia. Por meio dele, o cliente pode escolher o apartamento e fechar a transação pela internet, sem nenhum contato com o corretor. “A casa própria é o bem mais importante para este momento”, afirma Eduardo Fischer, que divide a presidência da companhia com o primo Rafael Menin, e responsável pelas estratégias de expansão da companhia em São Paulo e no Sul do Brasil. A empresa mineira registrou aumento de 60% na procura por imóvel na plataforma, após a criação de feirões on-line, e chegou a negociar uma unidade com um brasileiro residente em Kashiwa, no Japão.

 

Os descontos chegam a R$ 20 mil, dependendo da região no Brasil – a empresa atua em 22 estados. “É claro que uma coisa é a procura, outra é a venda. Mas o interesse continua crescente. Foi assim em março e na primeira quinzena deste mês”, diz o executivo. “Mas é impossível prever algo. O que eu falo hoje pode mudar em pouco tempo.” Fischer explica que os lançamentos de empreendimentos estão suspensos durante a quarentena, em decorrência da paralisação das atividades em muitas prefeituras e cartórios, responsáveis pelo andamento dos processos administrativos. A MRV chegou a interromper o trabalho em 20% das obras pelo País e tem adotado medidas restritivas para preservar a saúde dos seus 25 mil funcionários diretos. Além disso, aderiu ao Movimento Não Demita, que visa garantir estabilidade aos funcionários por dois meses, e doou R$ 10 milhões para a compra de respiradores para os hospitais de Minas Gerais, onde fica sua sede.

 

NA CAPITAL E NO INTERIOR

 

 A Trisul, construtora e incorporadora voltada ao mercado de médio e alto padrão de São Paulo, também aposta na internet para dar prosseguimento às atividades. O tour virtual pelos imóveis prontos e pelos decorados, nos estandes de vendas, é um dos chamarizes da empresa para atrair os clientes aos mais de 40 empreendimentos em negociação pela capital e por cidades do interior. O interessado recebe atendimento via Whatsapp, por teleconferência, sem qualquer contato físico. “A assinatura eletrônica também é possível, quando há mais de um comprador. E o contrato pode ser assinado de qualquer dispositivo, inclusive pelo smartphone”, afirma Lucas Araújo, superintendente de marketing da Trisul. Com 30 anos de mercado e mais de 200 empreendimentos entregues, a companhia apresentou receita líquida de R$ 798,6 milhões em 2019, com valor geral de vendas de R$ 1,1 bilhão. Em novembro, chegou a projetar vendas brutas de R$ 1 bilhão a R$ 1,3 bilhão para este ano. No atual cenário de crise, a empresa promete negociar com seus clientes, para evitar que os distratos aumentem à medida que a pandemia se prolongar.

 

A mobilização das construtoras é justificada pela recuperação do setor após a crise entre 2014 e 2016. O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França, acredita que a venda de imóveis ficará mais difícil, mas aposta que a construção civil será fundamental para auxiliar na retomada da economia. “A sociedade vai valorizar ainda mais a importância da moradia”, diz França. Ele lembra que a construção civil foi responsável pela criação de 11% dos empregos em 2019, no Brasil, e que o programa federal Minha Casa, Minha Vida gera, anualmente, cerca de 2,4 milhões de postos. E elogia as medidas adotadas pela Caixa Econômica Federal para socorrer o setor. Além dos R$ 154 bilhões em linhas de crédito (R$ 35 bilhões já liberados), a instituição dará carência de seis meses a pessoas físicas e jurídicas na contratação de novos empréstimos, aumento do tempo de pausa nos contratos e renegociação de dívidas. “A preocupação é com as pequenas e médias empresas e também com os fornecedores”, afirma França. “Por isso, as medidas anunciadas são importantes para garantir a saúde financeira nesse momento tão desafiador.''

FONTE: O GLOBO