Luigi Mazza
A indústria de geração eólica vem despontando nos últimos anos como uma das principais forças na renovação da matriz brasileira, mas já avista desafios pela frente. O setor, que tem sido impulsionado por grandes investimentos na região Nordeste e soma 16,6 GW contratados em leilões no país, enfrenta hoje a dificuldade da concretização de projetos de transmissão, que atualmente vêm captando pouco interesse do mercado. Frente à baixa atratividade do atual modelo, o segmento eólico tem sua carteira afetada ao passo que os leilões exigem um planejamento prévio para escoamento de energia. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Élbia Gannoum, é necessário pensar um novo modelo para os projetos de transmissão que reduza o risco para investidores e dê vazão às atuais demandas estruturais da indústria energética. Além disso, a demora na obtenção de recursos junto ao BNDES, em meio à crise, impulsiona hoje o setor eólico a aprimorar seu sistema de financiamento. Uma possível solução seria o desenvolvimento de um certificado de recebíveis imobiliários, afirma Gannoum, que enxerga a necessidade de firmar um novo padrão para assegurar investimentos no setor pelos próximos anos. “A indústria está madura e é atrativa. Falta agora desenhar esse modelo”.
Qual é hoje o maior desafio para o setor eólico?
Estamos preocupados com o modelo de atratividade de transmissão. Precisamos rever isso, porque algo está errado e não estamos atraindo investidor. Nem tudo pode ser justificado na questão macroeconômica e política do país. O Brasil continua atrativo para projetos de infraestrutura; é o modelo de transmissão existente hoje é que está em discussão. Não só do ponto de vista econômico-financeiro, mas também do ambiental.
Nós falhamos muito no passado ao não entender que a transmissão estava demorando tanto tempo para ser concluída, o que nos trouxe problemas em 2012. Mudamos o modelo e ainda não foi resolvido. O problema é o desenho de transmissão, que foi muito bom no passado, mas hoje está sob discussão em todos os aspectos.
Como isso tem impactado o investidor estrangeiro?
Não afeta muito o estrangeiro. O setor eólico no Brasil já tem investidores, está consolidado. Os investidores estrangeiros funcionam mais como um aspecto especulativo do que como realidade, porque os projetos de infraestrutura são a longo prazo. Esses investidores que avaliam o nosso mercado não investiram há cinco anos, então não devem investir agora.
Que novos modelos de financiamento o setor eólico avalia atualmente?
Discutimos há algum tempo a possibilidade de desenvolver um certificado de recebíveis imobiliários, o que já existe em outros setores. A indústria eólica tem maturidade hoje, com grandes players, um potencial de 18.4 GW e um portfólio enorme. Já vencemos a fase da introdução e estamos vencendo a fase da nacionalização. A indústria está madura e é atrativa. Falta agora desenhar esse modelo.
Qual a perspectiva hoje de financiamento junto ao BNDES?
Hoje, se uma empresa tem credibilidade, ela vai ao BNDES e consegue recurso. O problema é que vai entrar em uma fila enorme de projetos, e isso leva ao descasamento entre o período de construção e a liberação. O dinheiro está lá, mas os juros também estão mais altos.
Quais devem ser os principais desafios para o setor eólico nos próximos leilões?
O que está pesando mais é a questão da transmissão, porque hoje o projeto eólico precisa ter transmissão para ir a leilão. Isso não é problema no caso do A-5, já que não ele não tem o modelo de filtro e mais empresas podem entrar. Mas com o cenário que existe hoje, de players quebrando e saindo do mercado, isso traz uma incerteza. Alguns potenciais componentes do leilão de transmissão disseram que a rentabilidade seria muito baixa em relação ao risco dos projetos. É um risco enorme.
A ABEeólica traçou metas para este ano?
Hoje temos 8,4 GW na nossa carteira e estamos construindo 10 GW. Isso já é bastante trabalho. Em termos de planejamento, temos a meta de cerca de 2,3 GW de contratação por ano. Não chegamos a esse valor em 2015 porque não teve leilão A-5, e nós sempre vendemos nele e no A-3. Vendemos 1,2 GW no A-3, mesmo valor de 2014, e faltou 1,1 GW para ficarmos na nossa média. Neste ano, pretendemos vender esse potencial que não vendemos agora, no mínimo, e ao menos mais um 1 GW. Mas é preciso avaliar a questão das linhas de transmissão.
O problema das linhas de transmissão deve afetar a concretização dos novos projetos?
Sim, pelo menos no curto prazo. O leilão A-5 sofre o efeito da saída da Abengoa, que tinha algumas linhas na carteira que não vão entrar. Por isso pesa o razoável insucesso desses leilões de transmissão; eles são determinantes. Há uma melhora de portfólio para 2016 em relação ao que está sendo construído, porque o pior ano em oferta de transmissão foi 2015. Este ano deve ser um pouco melhor, mas continuamos com uma carteira que não é excelente.
Essa carteira entraria a partir de quando?
Poderia participar no A-3, em 2019. Temos uns 20 GW em bons projetos de geração, mas não sei dizer quanto à geração com plano de transmissão.
Os projetos que contam com transmissão são atraentes?
Não são. Como eu disse, a carteira de 2016 deverá ter uma melhora, mas mesmo assim não está muito bom. Dos oito projetos que não receberam proposta no último leilão de transmissão, havia um empreendimento eólico. Se o leilão tivesse sido um sucesso, essa linha entraria junto ao parque e então receberia uma oferta maior.