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21/08/2023

Setor imobiliário já capta R$ 2 bi na bolsa de olho no Minha Casa, Minha Vida (Valor Econômico)

Fluxo de empresas para acessar capital aberto pode ser o maior desde 2020, quando sete construtoras e incorporadoras abriram capital

Um movimento bilionário rumo à bolsa de valores engatilhado por um grupo de construtoras voltadas ao segmento de baixa renda é o início de uma tendência esperada para ganhar ainda mais tração no próximo ano. Esse pode ser o maior fluxo de empresas do setor para acessar capital na bolsa desde 2020, quando sete construtoras e incorporadoras abriram capital, na esteira do excesso de liquidez dos mercados e dos juros baixíssimos no Brasil, que levaram o mercado imobiliário a um período de recorde de vendas.

 

Com a abertura da janela para ofertas subsequentes (“follow-ons”), ou seja, operações para empresas listadas, já acessaram mercado MRV e Direcional, com ofertas que giraram R$ 1 bilhão e R$ 429 milhões, respectivamente. Já a Plano&Plano, que também atua no segmento de baixa renda e assim como suas concorrentes quer acelerar os investimentos para aproveitar o programa que é promessa de campanha do governo Lula (PT), pode levantar até R$ 500 milhões.

 

E a fila continua andando. A Tenda seguiu a mesma trilha e anunciou sua intenção de acessar o mercado via um follow-on, com o objetivo de melhorar sua estrutura de capital, o que também a ajudará a abrir espaço para investir. É estimado que a operação alcance R$ 250 milhões.

 

Outra empresa listada que atua no mesmo setor é a Cury, que possui dentre seus acionistas, assim como a Plano&Plano, também a Cyrela. Essa deverá aguardar um pouco mais para lançar sua operação. Com as duas últimas operações confirmadas, as ofertas que estão puxando a fila já somam juntas cerca de R$ 2 bilhões neste ano.

Segundo uma fonte, os anúncios recentes dos follow-ons têm relação exclusiva com a reestruturação do programa habitacional federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que se tornou mais abrangente — e menos com o início do corte dos juros, vetor preponderante ao setor.

 

André Mazini, analista de mercado imobiliário do Citi Bank, afirma que “até quem não precisa tanto assim” do follow-on, como, em sua visão, é o caso da Direcional, “vê que a ação está lá no alto, vai lá e faz”. As companhias querem aproveitar o momento de valorização.

 

“A Plano&Plano pode precisar porque está aumentando drasticamente o tamanho da sua operação, então talvez seja bom ter um colchão de equity melhor, a operação fica menos arriscada”, afirma. O Citi, cabe apontar, não realiza a cobertura da Plano&Plano.

Para Mazini, a janela de “boa vontade” do mercado também tem relação com o anúncio de medidas econômicas, principalmente a reforma tributária.

 

Anunciados em junho, os novos parâmetros do Minha Casa, Minha Vida aumentaram o valor máximo das unidades para R$ 350 mil em todo o país, o que tornou o programa mais atrativo para as incorporadas. Antes, o teto era de R$ 264 mil em São Paulo, no Rio e em Brasília — cidades menores tinham tetos mais baixos. O desconto oferecido para as famílias com renda mais baixa no também subiu de no máximo R$ 47,5 mil para até R$ 55 mil. O programa atende famílias que ganham até R$ 8 mil ao mês.

 

Neste ano, R$ 96,96 bilhões do FGTS serão usados para financiar o MCMV, alta de 50% sobre o ano passado. O acesso ao dinheiro do fundo é outro fator de atração para incorporadoras, uma vez que o recurso para financiar a construção está mais escasso com as retiradas da poupança, que tradicionalmente financia a habitação de média renda. Por isso, com mais espaço de atuação, as empresas querem aproveitar para acessar os recursos.

 

Hugo Grassi, também analista do Citi, afirma que as ofertas ajudam na mudança da narrativa sobre o segmento de baixa renda: nas conversas entre a administração e os investidores, sai a preocupação sobre a solvência das empresas e entra uma visão mais otimista sobre os negócios.

 

O caso da Tenda é “emblemático”, diz. A companhia está em recuperação de desvios com custos nas obras e há sete trimestres tem prejuízo líquido. A empresa fechou o segundo trimestre com alavancagem (dívida líquida corporativa sobre patrimônio líquido) de 42%, e sua curva de covenants (compromisso sobre contratos de financiamento) estabelece um limite de 50% no início de 2024 e de 15% em 2025.

 

A empresa vinha limitando suas projeções de lançamento para deixar caixa para pagar os credores. “Já podemos nos perguntar se vale a pena cumprir covenants se for implicar em menos crescimento”, afirma Grassi. Para ele, pode fazer sentido uma renegociação.

O movimento de follow-ons deverá, mais à frente, ultrapassar as fronteiras do segmento de baixa renda. Segundo uma fonte, que falou na condição de anonimato, construtoras que atuam no segmento de alta renda, como Even e a própria Cyrela, também querem acessar o mercado, pensando em crescimento.

 

No entanto, o valor das empresas em bolsa neste momento deve colocar os planos de follow-on um pouco mais para a frente. O “valuation” dessas empresas vai, conforme especialistas, na contramão do desempenho, estando por vezes abaixo do valor do patrimônio líquido.

O segmento de média renda tem sido preterido neste ano por causa dos juros ainda altos, que reduzem o poder de compra do consumidor. O início do ciclo de queda da Selic indica uma redução da taxa do crédito imobiliário no horizonte, mas que não deve ocorrer no curto prazo.

 

A Trisul, que fez um follow-on em 2019, vê a possibilidade de uma nova oferta mais adiante, se o preço das ações continuar subindo. Os papéis da companhia tiveram valorização de 79% desde o início do ano, a R$ 5,84.

“Se estivéssemos a duas vezes o book price (a razão entre o valor de mercado da companhia e o valor do seu patrimônio), cogitaríamos uma pequena diluição. Mas, pelo preço que estamos hoje, não faz sentido”, afirma o presidente da companhia, Jorge Cury.

A mesma análise se encaixa em outras empresas que atuam no médio e alto padrão. O executivo vê mais potencial de valorização futura para as companhias que atuam na média e alta rendas do que para as econômicas, porque estas já aumentaram muito de valor nos últimos meses — a ação da Tenda valorizou 199,5% desde o início do ano – e porque o ciclo de queda da Selic é “vento de poupa” para o segmento.

 

Depois do movimento já iniciado pelas empresas listadas, o próximo passo deve ser debutes da bolsa no setor. Segundo fontes, as ofertas iniciais de ações (IPOs, pela sigla em inglês) também são esperadas, mas não serão elas que terão a força necessária para reabrir as estreias no mercado brasileiro, que está há quase dois anos sem novidades.

 

Segundo fontes, as empresas que chegaram a iniciar os trâmites para abrir capital, mas acabaram engavetando os planos por conta do aumento da volatilidade do mercado, já começaram a questionar sobre a possibilidade de retomar a programação de acessar a bolsa. A mensagem que têm recebido, no entanto, é de que será necessário esperar uma melhora mais firme do mercado e uma queda maior dos juros, algo que melhore “os múltiplos do setor na veia”.

 

Com isso, essa “leva” de empresas do setor deverá começar a vir a mercado a partir de 2024, mas é esperado um movimento firme, dada as conversas já em andamento. A palavra de ordem é estar pronto para quando essa janela se abrir. Dentre as empresas que tiveram seus planos frustrados na última janela estão One, Tegra, You Inc e Nortis.

 

Para uma fonte, como a B3 já possui boa representatividade do setor de construção, uma nova onda de empresas vai depender do diferencial de cada negócio. “Existe muita companhia no mercado. A dificuldade é como se diferenciar frente ao investidor”, comenta

FONTE: VALOR ECONôMICO