O setor imobiliário deve viver um ano desafiador em 2022, no entendimento de especialistas da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em evento virtual nesta tarde, promovido pela fundação, com o tema “Os desafios do mercado imobiliário” os técnicos da FGV comentaram que o contexto macroeconômico norteará os negócios do setor - diferente dos dois últimos anos em que a falta e o alto custo de materiais foram fatores preponderantes. Na prática, um cenário de juros mais elevados, aliado a um ambiente mais pressionado de reajustes em mão-de-obra, deve levar a um compasso de espera a novos negócios, no setor imobiliário.
Ana Maria Castelo, economista da fundação e responsável pela Sondagem da Construção, comentou que o setor é cíclico e viveu, nos últimos anos, sinais de um crescimento em longo prazo, que poderia perdurar até esse ano. No entanto, comentou que o contexto macroeconômico, este ano, apresenta fatores que podem contribuir como inibidores do setor.
A técnica frisou ainda que, ao se olhar apenas setor imobiliário, sem infraestrutura – cujo andamento depende de marcos regulatórios e leilões, esses concentrados no segundo semestre – já é possível visualizar um fator de mudança: a perspectiva de mão-de-obra mais cara. A especialista lembrou que os dissídios salariais, normalmente ajustados na primeira metade do ano, levam em conta inflação acumulada, que avançou muito nos últimos meses. Em 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), indicador oficial do governo voltado para baixa renda calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), subiu 10,13%, quase o dobro da taxa de 5,45% em 2020. Esse indicador acumulado é usado no cálculo dos reajustes salariais, lembrou ela.
Outro aspecto mencionado por ela foi a mudança na trajetória de juros. Em janeiro de 2021, a taxa básica de juros (Selic) definida pelo Banco Central era de 2% - em dezembro, terminou o ano em 9,25%. “De fato temos um contexto muito complicado para 2022”, comentou ela
Ao falar sobre juros, Alberto Ajzental, Coordenador do Centro de Desenvolvimento de Casos da FGV e também presente no evento, comentou que juros elevados afetam o andamento de negócios tanto pelo lado da oferta quanto pelo lado da demanda. “O mercado, para quem produz [empreendimentos imobiliários] precisa de muito dinheiro, e toma [emprestado] do banco para poder construir” disse, comentando que, se o juro estiver mais alto, “vai custar mais caro o produto, o que é sensível para o cliente final”, notou o técnico. Ele observou que, no caso do comprador final, se achar que um financiamento está com custo mais cara devido a juros mais elevados, ele adia essa decisão de compra.
Além disso, ele lembrou ainda que 2022 é um ano eleitoral, que é “um ano turbulento” que normalmente não tem investimentos de base, em infraestrutura; e nem muda muito política pública. “Em geral não é um ano bom para economia [ano de eleição]” afirmou ele. “Não tem como pensar que 2022 vai ser igual a 2021. Todos os indicadores estão mostrando alguma inflexão”, afirmando que os sinais, até o momento, são de que “vai ser pior do que no ano passado”.
Já Paulo Picchetti, economista e professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP), comentou que a pandemia, a partir de 2020, levou a comportamentos erráticos em indicadores macroeconômicos, com impacto no setor imobiliário. Ele citou a evolução do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), calculado pela FGV e muito usado para cálculo de alugueis residenciais. Na prática, como houve forte impacto cambial na trajetória do indicador, principalmente no setor atacadista (devido à crise na economia causada pela pandemia), o andamento desse indicador acabou por acompanhar a trajetória do dólar – o que não seria o ideal para nortear preço de aluguel, no mercado doméstico.
No evento, Picchetti voltou a falar sobre o novo indicador da fundação, que calcula a inflação do aluguel, lançado em janeiro. O Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (Ivar), primeiro indicador com esse perfil da fundação, mensura evolução de preços de contratos de aluguéis em quatro capitais, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, e conta com série histórica iniciada em 2018, no caso de São Paulo; e a partir de 2019 para demais três capitais. Para ele, usar o Ivar em tempos como o atual poderia ajudar a minorar possíveis distorções causadas por cenário macroeconômico desafiador esse ano, pontuou o especialista.