Especialistas consideram que o ramo da construção civil no Brasil costuma ser bastante tradicionalista em seus processos, mas uma tendência inovadora que repensa a metodologia de execução de uma obra tem ganhado espaço entre construtoras e incorporadoras. O mapeamento BIM Brasil Maturidade revela que 70% das empresas ouvidas que ainda não utilizam o chamado building information modeling (BIM), ou modelagem da informação da construção, pretendem adotar, nos próximos dois anos, essa ferramenta de gestão.
O BIM leva todas as etapas da execução de um empreendimento a uma plataforma virtual em três dimensões – do desenho do projeto ao gerenciamento da construção – gerando mais eficiência por um lado e, na outra ponta, trazendo benefícios que se refletem inclusive para o consumidor final.
O estudo foi realizado pelo Sienge, plataforma de gestão na área de construção civil, em parceria com a consultoria Grant Thornton, entre os meses de junho e setembro. “Mesmo nesse cenário tão caótico e naquele momento com a expectativa que 2021 seria um ciclo de recuperação, essas empresas já verbalizaram que apostam sim em adotar a metodologia BIM nos próximos anos”, comenta a engenheira civil Giseli Anversa, gerente de produto do Sienge.
Ainda que apenas 38,4% das 643 empresas e profissionais autônomos consultados pelo levantamento efetivamente utilizem hoje a metodologia BIM, Giseli considera positivo o fato de que eles estejam distribuídos em todas as regiões do País, em especial no Sul e no Sudeste.
“O que vejo no curto prazo é que quem não utilizar a ferramenta BIM estará fora do mercado”, sentencia o CEO da Sinco Engenharia, Paulo Sanchez. Com mais de 30 anos de atuação, a Sinco adota a metodologia em todos os seus empreendimentos desde 2011.
Segundo Sanchez, que também é vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Sinduscon-SP, as principais empresas do setor em São Paulo usam a ferramenta em seus processos construtivos. “É um diferencial porque você vai entregar um produto melhor para o seu cliente e vai conseguir ser competitivo.”
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Estadão, uma das vantagens de se usar o BIM é que os problemas que poderiam surgir no canteiro de obras são antecipados no modelo virtual em 3D, evitando, assim, improvisações e atrasos.
“Um dos principais benefícios é mais assertividade, rapidez e eficiência na tomada de decisão das estratégias de obra e projetos. O uso de modelos e simulações permite uma comunicação mais visual e transparente, possibilitando prever possíveis problemas futuros em nossas obras”, comenta a diretora executiva de construção da Tegra Incorporadora, Patricia Heredia Domingues.
Implantado de forma gradual na Tegra desde o fim de 2015, o BIM passou a ser utilizado em todos os empreendimentos a partir de 2017. “Em 2021 não será diferente e todos os lançamentos estarão inseridos na metodologia”, diz Patricia.
A arquiteta Silmara Nagasako Tacla, gerente do departamento de projetos da Construtora Patriani, enumera outros benefícios para o comprador de um imóvel construído com o uso do BIM: ter uma obra dentro do prazo, e até mesmo antecipada, com menos necessidade de manutenção e revisões preventivas mais fáceis. Dos 11 lançamentos da construtora previstos para o ano que vem, seis terão a utilização da modelagem tridimensional.
Nos cálculos do diretor de Incorporação da Bait Incorporadora, Cláudio Mazza, há um ganho de produtividade entre 30% e 40% com o uso da metodologia. “O BIM é um caminho sem volta, faz parte da transformação digital que a gente já está vivendo no mercado imobiliário”, comenta Mazza, responsável por implementar a utilização da modelagem 3D na empresa.
Especialização de mão de obra
A gerente de produto do Sienge aponta que as principais dificuldades para a adoção da metodologia BIM no Brasil dizem respeito ao investimento na tecnologia – computadores mais potentes e softwares com licenças mais caras – e à estrutura organizacional das empresas, na figura adicional de um gerente especializado. “É um profissional caro e ainda raro no Brasil”, afirma Giseli.
Outro aspecto analisado no mapeamento é o nível de maturidade na adoção do sistema. “O Brasil está numa jornada de maturidade do intermediário para o avançado, com oportunidades de avançar principalmente nas soluções de tecnologia disponíveis e adotadas por essas empresas”, explica ela.
Há uma expectativa de que a movimentação do setor público também estimule o mercado a cada vez mais adotar o sistema. Decreto presidencial determina que, a partir de janeiro, só será permitida a participação em algumas licitações públicas de escritórios de projeto e construtoras que utilizem a metodologia.
“Desta forma o governo utiliza a força do seu ‘poder de compra’ para influenciar o mercado e acelerar a adoção do BIM, que é uma inovação bastante oportuna na indústria da construção – um segmento caracterizado pela baixa produtividade e também com baixo uso de tecnologia”, comenta o presidente do BIM Fórum Brasil, Wilton Catelani.
O presidente da Comissão de Materiais, Tecnologia, Qualidade e Produtividade da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Dionyzio Klavdianos, também ressalta que o sistema construtivo brasileiro é “ainda muito tradicional” e “avesso à inovação”.
“As empresas mais antigas que não se adequarem vão ser sobrepujadas por empresas mais novas que já desde o início se utilizam da inovação. Então, pode haver uma grande substituição de fornecedores”, avalia Klavdianos. “Empresas que até então dominam algum mercado, algum nicho, se não abrirem o olho, vão perder.”