Depois de sofrer em 2016 a maior contração em mais de duas décadas, o crédito bancário começou a dar os primeiros sinais de estabilização, segundo estatísticas divulgadas ontem pelo Banco Central. Os spreads bancários e os juros médios do sistema tiveram em dezembro a maior queda mensal dos últimos quatro anos.
"Observamos a melhora de alguns indicadores relevantes mais recentes", disse o chefe adjunto do Departamento Econômico do BC, Renato Baldini. O estoque de financiamento de veículos parou de cair em dezembro, interrompendo uma sequência de 23 quedas mensais, e o crédito imobiliário e as linhas de capital de giro de curto prazo ensaiam uma recuperação.
Os spreads bancários tiveram expressiva queda, de 1,1 ponto percentual, de 23,6 pontos em novembro para 22,5 pontos em dezembro, a maior desde dezembro de 2012. Ainda assim, os bancos apenas devolveram uma parcela menor do aumento dos spreads que promoveram ao longo de 2016, absorvendo a queda dos custos de captação ocorrida nesse período. Entre dezembro de 2015 e de 2016, o custo de captação dos bancos caiu 1,7 ponto, de 11,2% ao ano para 9,5% ao ano. Enquanto isso, os spreads bancários pularam de 18,6 pontos para 22,5 pontos.
Em parte, os spreads subiram porque as modalidades com taxas mais baixas, como financiamento de veículos, crédito imobiliário e consignado, estavam em queda ou desaceleração. Os bancos emprestaram mais em linhas mais caras, como o rotativo do cartão de crédito. Em dezembro, o movimento foi inverso, reduzindo os spreads.
A "gordura" nas margens brutas do crédito que pode ser cortada é bem grande, considerando que em dezembro de 2013 o spread médio era de 13,8 pontos. O spread caiu a níveis tão baixos naquele período devido ao uso de bancos públicos para injetar concorrência no sistema bancário. Hoje, o BC trabalha numa agenda de reformas para reduzir o custo do crédito, incluindo o aperfeiçoamento do cadastro positivo e a reforma da lei de falências.
Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria, reconhece que o movimento de recuo do spread foi um dos destaques da nota de crédito, mas reforça que ainda existe bastante espaço para retração, principalmente em pessoa física. "Em pessoa jurídica isso tende a ser mais discreto por que a alta foi menos intensa, e o fato de muitas empresas estarem ainda em situação muito delicada deve levar os bancos a permanecerem cautelosos, sem muito incentivo a baixar preços e ceder empréstimos a empresas de mais alto risco", afirma.
Os indícios de estabilização do mercado são tímidos para afirmar que começa um novo ciclo de crédito que poderia ajudar a puxar a economia - a projeção do BC é um crescimento de apenas 2% no volume de empréstimos em 2017 -, mas a avaliação da autoridade monetária é que esse fator poderá apoiar a atividade econômica quando ela estiver em marcha.
A estabilização do mercado de crédito ocorre de forma mais equilibrada, entre bancos públicos e privados e entre linhas de crédito direcionado (com subsídio e taxas de juros reguladas) e o crédito livre (com condições definidas pelo mercado).
Em dezembro, o estoque de crédito bancário - soma de todos os empréstimos ativos na economia - teve uma alta de 0,1%. Embora pequena, ela representa o segundo avanço positivo mensal num ano marcado sobretudo por quedas. Em 2016, o recuo acumulado foi de 3,5%, o pior desempenho desde 1994.
O crédito para a aquisição de veículos é um bom exemplo da estabilização que começa a ocorrer no mercado de crédito. Esse segmento, que responde por quase um quinto dos financiamentos com taxas de mercado a pessoas físicas, viveu um "boom" até o final de 2010 e passou a cair depois de uma crise de inadimplência. Em dezembro, teve crescimento zero, ficando em R$ 143,553 bilhões. Essa é uma boa notícia, considerando que no ano fechado de 2016 os financiamentos de veículos tiveram queda de 10,9%.
Outro dado positivo é o aumento, pelo terceiro mês seguido, no estoque de linhas de capital de giro de curto prazo para as empresas. Normalmente, o quarto trimestre do ano é mais favorável, devido às vendas de Natal, mas em 2015 havia sido registrada uma queda nesse período do ano.
O crescimento, de 1,1%, observado no crédito imobiliário a pessoas físicas, é outra boa notícia, levando o estoque desses financiamentos a R$ 534 bilhões. Esse foi um dos segmentos mais dinâmicos no boom de crédito, com uma taxa de expansão de 57% em 2010. Mas perdeu força em anos mais recentes, com o aumento dos juros básicos, queda da renda das família e aumento do desemprego. Com o bom desempenho de dezembro, teve a primeira alta desde fins de 2014 apurada em períodos de 12 meses, passando de 6,9% para 7%.
A estabilização do mercado de crédito ocorreu pouco antes de o BC ter intensificado o corte nas taxas básicas de juros, em janeiro, com uma baixa de 0,75 ponto percentual, indicando um novo ritmo de distensão. Os juros ainda mais baixos devem ajudar na expansão do crédito.
"Se esse ciclo de queda dos juros se mantiver, é natural que as taxas de juros do crédito venham a acompanhá-lo", disse Baldini. Segundo ele, os custos de captação dos bancos já vinham diminuindo há alguns meses, favorecidos pelo recuo dos juros futuros de mercado provocado pela queda no prêmio de risco e pela melhora da percepção sobre a solidez fiscal.
Os juros médios das operações de crédito contratadas tiveram uma queda de 1,1 ponto percentual de novembro para dezembro, passando de 33,1% ao ano para 32% ao ano, a maior desde dezembro de 2012. Há um grande espaço para seguir em baixa, caso o ciclo de distensão monetária tenha a profundidade esperada pelo mercado. Em meados de 2013, quando o BC começou a apertar a política, depois de a taxa básica cair a 7,25% ao ano, os juros médios cobrados pelos bancos no crédito chegaram à mínima de 20,9% ao ano.
Além de se estabilizar, o crédito dá sinais de que vai entrar em uma fase de maior equilíbrio pelo controle do capital. Em 2016, a fatia dos bancos públicos no crédito total ficou em 55,7%, basicamente estável em relação aos 55,8% apurados em 2015. Em 2007, eles respondiam por 33,8% do crédito bancário. A participação dos bancos públicos no crédito total vem crescendo desde 2008, devido ao uso intensivo das instituições oficiais pelo governo como instrumento anticíclico durante a crise financeira mundial.
"Nos anos mais recentes, tivemos a política de contenção dos bancos públicos, de certa forma relacionada ao ajuste fiscal", disse Baldini, apontando que o desempenho das instituições oficiais de 2016 é a provável tendência para os próximos anos.