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07/01/2016

Tempestade imobiliária à vista

Descontados é a palavra que melhor define o momento dos fundos imobiliários. Por conta dos preços de mercado ainda baixos das cotas em relação ao valor patrimonial das carteiras e do consequente reforço no "dividend yield" mensal recebido pelo investidor, o segmento resistiu até mesmo ao ciclo de alta dos juros em 2015, um movimento que costuma trazer perdas às carteiras do gênero.

Descontados é a palavra que melhor define o momento dos fundos imobiliários. Por conta dos preços de mercado ainda baixos das cotas em relação ao valor patrimonial das carteiras e do consequente reforço no "dividend yield" mensal recebido pelo investidor, o segmento resistiu até mesmo ao ciclo de alta dos juros em 2015, um movimento que costuma trazer perdas às carteiras do gênero.

A taxa básica de juros Selic começou o ano em 11,75% e até setembro subiu nada menos que 2,5 pontos percentuais, para 14,25%, patamar no qual permanece desde então. Mesmo com a intensificação do ciclo de aperto monetário ao longo do ano, os fundos imobiliários tiveram performance positiva em 2015. "Boa parte da expectativa de juros altos por período longo já está precificada nas cotas dos fundos", afirma Larissa Nappo, analista da Citi Corretora.

Segundo levantamento da provedora de informações financeiras Quantum, no ano de 2015, a rentabilidade ponderada por valor de mercado de 71 fundos que tiveram negociação em bolsa atingiu 5,10%. O resultado considera tanto a valorização das cotas quanto o ganho com a distribuição de dividendos. Se a referência for o Índice de Fundos de Investimento Imobiliário da BM&FBovespa (Ifix), a rentabilidade é um pouco maior, de 5,46% no ano passado. A carteira teórica atual do Ifix é composta por 69 fundos, selecionados pela liquidez e com participação ponderada por valor de mercado.

O desempenho do setor vinha um pouco melhor até novembro (ver tabela acima). O resultado de dezembro, contudo, puxou para baixo tanto o Ifix quanto o retorno de mercado calculado pela Quantum e foi influenciado pelo noticiário sobre a possibilidade de perda de isenção de imposto de renda dos proventos distribuídos pelas carteiras, bem como pela expectativa de retomada do aperto monetário.

De qualquer forma, a relativa resiliência apresentada pelas carteiras imobiliárias está relacionada basicamente ao dividend yield, ou seja, à taxa de retorno dos aluguéis distribuídos pelas carteiras em relação ao valor das cotas. O ganho com os dividendos em 2015 supera até mesmo o retorno do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) no período, quando descontado o imposto de renda.

Considerando apenas o dividend yield, o rendimento alcançou 11,77% no ano passado, apontam os dados da Quantum. O ganho superou a variação líquida de IR do CDI no período, de 11,17%, quando descontada a menor alíquota, de 15%, cobrada para investimentos acima de dois anos em papéis atrelados ao referencial conservador.

De acordo com Bruno Borges de Souza Lima, gestor de fundos de ações e imobiliário da Bradesco Asset Management (Bram), alguns fundos do segmento chegaram ao fim de 2014 valendo 50% menos do que quando foram lançados. Para o gestor, "a performance das cotas já vinha antecipando o cenário difícil que a gente viu ao longo de 2015, marcado por aumento de vacância".

Na avaliação de Larissa, da Citi Corretora, depois de dois anos consecutivos de queda, o destaque do ano em termos de estratégia recaiu sobre os fundos de gestão ativa com carteira variada de propriedades. "Esse tipo de portfólio performou melhor do que aqueles com apenas um ativo em carteira, que têm risco concentrado e sofrem mais com alta da vacância", diz.

Entre os segmentos de mercado com melhor desempenho, a analista do Citi cita os portfólios nos quais as locações contam com contratos que ela classifica como "atípicos", ou seja, amarrados por vencimentos no longo prazo e ajustados pela inflação. "Fundos de agências bancárias e universidades com esses contratos, por exemplo, podem ser mais resilientes em um ambiente de crise", avalia.

O levantamento da Quantum aponta as carteiras com propriedades locadas a empresas de educação como as mais rentáveis no ano. Em 2015, o segmento obteve um retorno médio total de 17,68%. O segundo lugar entre os retornos mais polpudos ficou com as carteiras recheadas de papéis de renda fixa imobiliária, com 14,69%, seguidas pelos fundos com imóveis de empreendimentos de saúde, que alcançam 11,35% de retorno no período.

Para quem tem paciência, Larissa vê o investimento em fundos imobiliários com bons olhos. "O momento continua favorável para a montagem das carteiras pensando no longo prazo", considera a especialista, que lista yields ainda em alta e o desconto das carteiras em relação ao seu valor patrimonial como bons indicativos de retornos futuros.

Conforme relatório da BM&FBovespa mais recente, de novembro, as carteiras negociadas em bolsa somavam R$ 26 bilhões em valor de mercado ante um patrimônio líquido de R$ 36,7 bilhões, ou seja, uma diferença de quase 30%. A analista do Citi, no entanto, ressalva que uma valorização mais consistente das cotas vai ocorrer apenas quando os juros começarem a apresentar declínio, ou seja, uma perspectiva descartada pelo mercado, pelo menos, em 2016.

Fundos imobiliários negociados em bolsa ainda somam valor de mercado 30% menor do que o patrimônio líquido das carteiras

No curto prazo, o cenário para as cotas é um verdadeiro campo minado. "Se tivermos uma elevação da taxa de juros no Copom já em janeiro a gente continua tendo impacto negativo nos fundos imobiliários", aponta Roberto Indech, analista de investimentos da corretora Rico. De acordo com o boletim Focus, do Banco Central, analistas e economistas consultados esperam uma elevação de 0,50 ponto percentual da Selic no primeiro mês de 2016.

Nos últimos dias, porém, ganhou força no mercado a expectativa de que o BC possa manter o juro inalterado. A decisão seria embasada pela disposição do governo de tentar estimular a retomada do crescimento econômico.

A recessão também deve cobrar seu preço sobre as carteiras imobiliárias. Para Indech, há excesso de oferta de espaços comerciais no mercado e até o fim do ano não há perspectiva para preenchimento da vacância resultante. Além do cenário econômico, a crise política, segundo o analista, coloca ainda mais a pressão sobre o segmento ao manter em baixa a confiança dos investidores. "O consumidor só vai voltar quando tiver um cenário mais claro e os fundos imobiliários não são muito resilientes a esse cenário", analisa.

Como se não bastassem a paralisia econômica e os juros altos, mais um fator de desestabilização veio se somar para turvar ainda mais o quadro de curto prazo para os portfólios imobiliários. Em 16 de dezembro, uma comissão mista formada por deputados e senadores trouxe à tona o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 694 com mudanças profundas na tributação de investimentos.

O texto em tramitação no Congresso, se for aprovado, derrubaria a isenção de IR para os rendimentos mensais distribuídos aos investidores pessoas físicas pelos fundos negociados em bolsa. A previsão é de que o projeto seja apreciado após fevereiro. Porém, a decisão sobre o tema, se for definida ainda neste ano, só valeria para 2017, segundo o princípio de anterioridade, o qual determina que mudanças tributárias valem apenas para o exercício seguinte à publicação da lei.

Os especialistas consultados confessam-se atônitos e incapazes de avaliar o impacto dessa eventual mudança sobre o mercado. "Acho que é preciso esperar a definição para se ter clareza em relação aos efeitos da tributação sobre os fundos", afirma Lima, da Bram. "Há muita especulação ainda e esse projeto foi postergado para ser decidido só depois de fevereiro", pondera Indech.

Mas a sensação é negativa em relação ao impacto da perda de isenção. "Se houver uma tributação sobre os rendimentos mensais será ruim para o mercado. A maioria dos investidores é pessoa física que busca, em grande parte, essa isenção", diz Indech. Para Larissa, do Citi, a cobrança de IR sobre os proventos "pode mudar e afetar as cotas dos fundos".

Na visão de Carlos Ferrari, sócio do escritório N, F&BC Advogados e especialista no mercado de capitais, a proposta de tributação vai afastar grande parte dos atuais investidores. "É uma indústria muito sensível e quando os juros estão altos passa até por dificuldade em sobreviver, com fuga de investidores. Agora imagine esse cenário com uma taxação de 17,5% [alíquota presente no projeto]?"

Conforme Ferrari, o imposto penalizaria um perfil composto majoritariamente por pequenos poupadores. "A maioria vê na isenção dos fundos uma alternativa à caderneta de poupança tradicional [que também tem rendimentos isentos de IR]", afirma.

De fato, o pequeno investidor é o principal público do segmento. Dados da BM&FBovespa mostram que, em novembro deste ano, 77% do estoque aplicado em carteiras com ativos imobiliários estavam nas mãos de pessoas físicas. Em novembro, 54,5% do volume negociado pelo segmento na bolsa concentrou-se entre aplicadores individuais.

Mesmo com a rentabilidade relativamente positiva neste ano, o número de participantes vem caindo mês a mês em 2015, apenas com uma breve interrupção em julho. Em outubro, com 89.881 CPFs cadastrados, o público do varejo havia caído para o menor nível desde o mesmo período de 2012, quando o mercado registrava 58 mil investidores. Em novembro, houve nova queda. Segundo relatório da BM&FBovespa, as pessoas físicas somaram 89.453 indivíduos, uma retração de 4,8% em relação ao intervalo anterior.

FONTE: VALOR ONLINE