Armando Luiz Rovai e André Luis C. Silva
Há pelo menos dois anos a atividade imobiliária vem constantemente sofrendo reduções. Outrora, um mercado próspero e sadio, responsável por elevar os índices de emprego e desenvolvimento do país, atualmente, amarga uma gigantesca crise econômica, com indicativos que refletem uma realidade completamente diferente.
O cenário está pior como um todo, com ênfase para a derrubada dos índices relativos a emprego e investimento. Diante disso, naturalmente, cresceram também os conflitos relacionados às partes envolvidas, especificamente, entre os consumidores e representantes das empresas do ramo da construção civil. Neste diapasão, cumpre observar, que o aumento de quebra de contratos foi brutal - até o final de 2016, 43,4% dos contratos imobiliários sofreram distrato.
O tema, apesar de sua importância social e relevância econômica, não é adequadamente legislado, o que acarreta demasiada insegurança jurídica para o setor e para os consumidores.
Sendo assim, as empresas tentam há tempos 'negociar' uma saída, a fim de desestimular os distratos e, via de consequência, garantir maior previsibilidade em eventuais demandas judiciais. Entretanto, o impasse gerado pelo conflito de interesses é tão latente e com posicionamentos tão antagônicos que, até o presente momento, ficou inviabilizado qualquer avanço nas negociações. Permeia entre os órgãos de defesa do consumidor e os setores representantes da construção civil uma visão distante e polarizada.
Trata-se de uma lógica paradoxal e anacrônica: uma "vitória" das empresas do setor significaria, necessariamente, uma "derrota" do consumidor, que eles visam proteger; ou, vice-versa. Ora, por óbvio que é necessário a manutenção da proteção das garantias e direitos individuais e coletivos do consumidor, conquistados com tanta luta e esforço pelas entidades responsáveis por sua defesa. E, aqui, faça-se justiça em enaltecer o papel dos Procons, Defensorias, Ministério Público e entidades da sociedade civil, como o Idec e o Brasilcon, entre outras.
Como é sabido, o empoderamento do consumidor é fator crucial ao desenvolvimento e bem estar social e, em tempos de crise, se faz ainda mais necessário, jamais podendo se olvidar de sua importância. É necessário considerar que as empresas, a cada distrato, arcam com um custo de no mínimo 10% sobre o valor do imóvel De todo jeito, há que se considerar que o mercado instável, inseguro, tende a aumentar preços, reduzir empregos, e a prejudicar o próprio consumidor final.
O assunto não pode simplesmente ficar sob a égide do Poder Judiciário que de maneira fria e distante acaba muitas vezes por decidir de forma lotérica, de tal sorte que a consequente insegurança jurídica não prejudica apenas a atividade produtiva, mas também o comprador. Especificamente, do ponto de vista jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido como razoável a retenção de até 25% dos valores pagos no caso de distrato, em evidente benefício ao consumidor e em detrimento da atividade produtiva, que emprega e participa em forte escala do desenvolvimento do país. Neste sentido, é necessário considerar que as empresas do setor, a cada distrato, arcam com um custo irrecuperável de no mínimo 10% sobre o valor do imóvel, entre taxas de corretagem, publicidade, registro etc. E é, justamente, esta a faixa de valores que é reivindicada. Cabe, ainda, ponderar que não seria justo, sobremaneira, que o risco negocial fosse repassado inteiramente ao consumidor. Também não seria lícito exigir que as construtoras arcassem inteiramente com o prejuízo causado por terceiros, com ou sem intenção.
Ousamos, destarte, apresentar uma alternativa que nos parece, salvo melhor juízo, adequada para solução do conflito, ou seja, um "caminho do meio". Assim vejamos: nos casos em que a extinção do contrato se dê por desistência ou inadimplemento do adquirente, seria a perda integral do "sinal/entrada" ou de 25% (conforme entendimento praticado pelo STJ) dos valores já pagos, sendo estes expressamente limitados a um máximo de até 8% (oito por cento) do valor do contrato. Estabelecer-se-ia, também, de forma taxativa, determinações expressas sobre a forma de apresentação dos contratos, a fim de garantir clareza, transparência e segurança, como informações sobre quaisquer ônus que recaiam sobre o imóvel; as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato ou resolução por inadimplemento de obrigação do adquirente, com destaque negritado para os percentuais das penalidades aplicáveis e prazos para devolução de valores decorrentes; e o preço total do imóvel.
Desta forma, os elementos de insegurança que pairam sobre o mercado imobiliário atualmente seriam diminuídos, mantendo, ao mesmo tempo, os direitos do cidadão, tão arduamente conquistados, estipulando um limite razoável às suas perdas, resguardando-o, inclusive, de eventuais decisões judiciais desarrazoadas. Enfim, são essas nossas breves ponderações, para, eventualmente, contribuir de algum modo para um ambiente de negócios mais seguro, com menos incertezas, com mais investimentos, para gerar renda e empregos em todo o país, sempre garantindo a continuidade dos direitos que empoderam consumidor brasileiro.
Armando Luiz Rovai e André Luis C. Silva são, respectivamente, doutor pela PUC-SP, professor da PUC-SP e do Mackenzie, ex-presidente da Jucesp e ex-secretário nacional do Consumidor (Senacon); e advogado do escritório Armando Rovai e Del Masso - Advocacia.