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26/02/2020

Uso de imóvel como garantia de mais de um empréstimo requer mudança na lei

Bancos e governo não sabem como usar o mesmo bem como caução em mais de um crédito

Para incentivar e baratear a concessão de crédito no Brasil, o Banco Central e o Ministério da Economia estudam maneiras de ampliar o uso do empréstimo com imóvel como garantia (o chamado home equity). A ideia é permitir que uma mesma propriedade seja dada como caução em mais de um financiamento, inclusive em bancos distintos.

Hoje, um imóvel quitado pode ser garantia de apenas um empréstimo, até sua liquidação, e em apenas um banco por vez. A mudança requereria alterações na lei de alienação fiduciária e a criação de mecanismos para o compartilhamento de garantias.

 

De acordo com fontes envolvidas na mudança do home equity, o estágio de discussão ainda é inicial, sem definição de como será o compartilhamento de garantia na prática.

“A divisão de garantia foi uma novidade para os bancos, mas a possibilidade de mais de um empréstimo é uma boa ideia”, diz Cristiane Portella, diretora do Itaú Unibanco e presidente da Abecip (Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário).

“A medida é positiva, mas não sabemos ainda como será feita. É necessário uma centralização da garantia, como foi feito para recebíveis. E isso ainda não está desenhado”, diz Paulo Duailibi, superintendente de negócios imobiliários do Santander Brasil.

 

Uma das alternativas para a câmara de garantias é a B3, que incorporou a Cetip (Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados). Nela, são registrados os financiamentos de veículos, para que eles não sejam alienados mais de uma vez. Segundo George Sales, professor da Fipecafi, a operação 
reversa também é possível.

 

“A B3 já está conectada com as instituições financeiras e tem a capacidade de processamento robusta necessária para a operação”, afirma Sales.

Segundo ele, o registro dos imóveis na B3 poderia até abrir margem para o fim do cartório de registro de imóveis, onde as propriedades são registradas como garantia.

Romero Gomes de Albuquerque, diretor de empréstimos e financiamentos do Bradesco, também aponta que existem questões que precisam ser esclarecidas, ainda que o banco apoie medidas de fomento a esse mercado.

 

Albuquerque sugere que uma saída mais simples para expandir o home equity seria elevar a cota máxima de financiamento, que é de até 60% do imóvel. “Seria bom que ampliasse para 80%, como no crédito imobiliário tradicional.”

O aumento da concessão de crédito é uma tentativa do governo de fomentar a economia, que anda a passos lentos. 

 

A aposta no home equity vai ao encontro de uma demanda dos bancos, que preferem emprestar em linhas de menos risco —para o consumidor, os juros podem ser mais baixos.

O BC projeta que podem ser injetados cerca de R$ 500 bilhões na modalidade. O seu uso, porém, ainda é incipiente. Em 2019, o home equity cresceu 44%, para R$ 256 milhões. O consignado, por exemplo, é quase cem vezes maior.

Em 2019, a carteira de crédito imobiliário correspondia a 9,3% do PIB brasileiro, segundo dados da Abecip. 

Em demais países emergentes, a média é o dobro. Na China, chega a 28%. Nos desenvolvidos, é ainda maior: 53% nos Estados Unidos, 66% no Reino Unido e 72% no Canadá.

“A ampliação do home equity é algo que desejamos porque gera uma redução no custo do endividamento médio do brasileiro”, diz Duailibi.

 

Aqui o home equity é vendido como uma linha para pessoas endividadas trocarem débitos por uma dívida mais barata e de longo prazo —o país tem mais de 60 milhões de pessoas inscritas em cadastros de devedores, segundo birôs de crédito.

“O melhor uso é a troca de dívida. Mas, se a pessoa está se endividando, provavelmente está vulnerável financeiramente, e o home equity aumenta esse risco, pois coloca a casa em jogo”, diz Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV.

 

“Se você está superendividado, não pode usar o home equity porque a parcela não vai caber no bolso e não adianta fazer 300 meses de prestação”, diz Myrian Lund, professora da FGV e planejadora financeira da associação Planejar.

Segundo Myrian, é melhor renegociar as dívidas que já estejam muito altas com o acúmulo de juros, de modo que elas caibam no bolso. 

“Já vi muitas pessoas perderem a casa em empréstimos com cooperativas de crédito, porque elas pegam um crédito maior do que podem pagar. É preciso ver se home equity cabe no seu orçamento. Vale a pena apenas se você é uma pessoa organizada e pode pagar”, complementa.

 

FONTE: FOLHA DE S. PAULO