A construção civil passou por diversas transformações nos últimos dez anos, tornando investimentos em inovação fundamentais para as companhias se adaptarem ao novo cenário. O segmento de infraestrutura, por exemplo, deixou de ser o principal, cedendo lugar para a construção de edifícios.
Com isso, o poder público deixou de ser o maior contratante, como mostra a Pesquisa Anual da Indústria da Construção (Paic 2021), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nessa nova realidade, inclusive com players internacionais, parcerias tornam-se fundamentais para novos negócios. A industrialização da construção, a digitalização com uso intensivo de BIM (building information modeling, ou modelação da informação da construção), o sensoriamento e automação dos equipamentos e a medição digital tornam-se cada vez mais presentes no setor.
Hoje a Andrade Gutierrez atua em obras de infraestrutura para o setor privado. Liderando o ranking de construção e engenharia do anuário Valor Inovação Brasil pela quarta vez, a companhia investe, em média, 4% da receita líquida em projetos de inovação. André Medina, gerente de inovação da empresa, diz que o contexto atual é de obras menores e mais rápidas e de um maior nível de especialização com concorrentes focados num só segmento. “Precisamos ser competitivos com eles. A inovação entra fazendo a diferença.
Construímos parques solares com inovações na área de superfícies e temos inovado na diversificação de mercados. Hoje a construção de parques solares representa boa parte do nosso faturamento. Para esse segmento, desenvolvemos inovações específicas, como a perda zero, para redução de perdas de placas solares, em que nos tornamos benchmark de mercado”, diz Medina.
Além da área que ele coordena, a estrutura de inovação inclui as áreas de engenharia técnica, excelência operacional (melhoria contínua e de processos), BIM e inovação aberta. O BIM é utilizado em todas as obras e tem sido um aliado nos projetos de parques solares e eólicos. A empresa também utiliza a metodologia do lean construction, ou construção enxuta, que reduz desperdícios e aumenta a produtividade das obras. “O setor privado entende mais os diferenciais que a tecnologia permite. Na inovação aberta, a ideia é identificar tecnologias que possam potencializar as metodologias do BIM e a excelência operacional”, diz Medina.
A Andrade Gutierrez criou um programa de inovação aberta em 2018, envolvendo diferentes empresas. Com a Volvo, desenvolveu um caminhão não tripulado, e hoje tem obras de barragens de contenção usando 100% de veículos autônomos. Com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a construtora desenvolveu um equipamento patenteado que atua como magnetizador de água, usado para dar produtividade no concreto como o da barragem de Belo Monte. Também avança na industrialização, com diversos equipamentos substituindo mão de obra. “Outra inovação foi o uso de drones para o lançamento de cabos de linhas de transmissão, evitando em 70% o desmatamento da área entre torres. Também investimos em automação de controle de ativos para execução de trabalhos de forma mais precisa”, diz Medina.
A empresa incentiva ainda o empreendedorismo interno por meio de programas para promoção, desenvolvimento e reconhecimento de projetos de sucesso. Em 2023, esses projetos geraram mais de R$ 23 milhões em ganhos.
A MRV&CO Engenharia uniu a área de inovação às de tecnologia da informação e de transformação digital numa única diretoria. A empresa atua no segmento de habitação, com presença em 160 municípios, onde constrói tanto habitação popular quanto imóveis para aluguel. “Antes, a cadeia tradicional da construção era comprar e legalizar terreno, construir, vender e transferir o cliente para o banco. Nós aumentamos o ciclo de vida do cliente por meio da digitalização do aluguel com a startup Luggo, que oferece uma série de serviços compartilhados, como lavanderia, automóvel, coworking, minimercados. Mudamos o modelo de construir para vender para o de construir para alugar. O cliente não compra mais uma propriedade, e sim uma experiência”, define Reinaldo Sima, diretor de tecnologia da informação e inovação da MRV&CO.
Ele diz que 80% das oportunidades de compra (leads) se dão em meio digital, com o auxílio de chatbot e algoritmo de inteligência artificial. O contrato é fechado por meio de assinatura eletrônica. Depois da compra, o cliente pode adquirir produtos como internet compartilhada e autogeração de energia e realizar simulações visuais da mobília por meio do marketplace Mundo da Casa. “Melhoramos a experiência do cliente e oferecemos novos negócios para a MRV”, completa Sima. A empresa tem ainda um marketplace para a compra de terrenos.
“Na engenharia, desenvolvemos o projeto no BIM, liberamos para o comercial vender e para a produção executar. Temos mais de 200 obras muito parecidas e estamos trazendo para a construção práticas industriais. Com base na estimativa de vendas e nas restrições de operação, geramos um planejamento para o aproveitamento dos recursos da produção, que é toda industrializada. Todo projeto feito no BIM é executado no BIM, e assim podemos perceber problemas antes de a construção iniciar”, explica Sima.
A Cyrela é uma construtora e incorporadora imobiliária com foco em empreendimentos residenciais. A área de inovação, criada há quatro anos, ocupa uma diretoria que se reporta a um comitê de inovação formado pelos diretores e pelo presidente. Quem direciona a estratégia é o comitê de inovação, que se reporta ao conselho de administração. “Hoje olhamos para dentro da empresa e sua transformação digital criando soluções, como o onboarding digital, em que a interação com o cliente é digitalizada. Temos chatbot com linguagem natural para atender os clientes e realizar a qualificação de leads antes de o corretor atender”, diz Daniele Oliveira, head de inovação e corporate venture da Cyrela.
Em paralelo, a empresa investe em startups do setor imobiliário – como a Charlie, que administra estúdios; a Gruvi, spin off da Superlógica e da Intelbras que pretende ser um superapp de condomínios; a EEMovel, de dados imobiliários para varejo e sistema financeiro; e a Klube, de consórcio digital. “Todas têm sinergia com a empresa. O intuito desses investimentos é gerar mais valor em nossa cadeia, em várias partes em que não atuamos, mas que faz sentido sermos investidores”, diz Oliveira.
A Construtora Barbosa Mello atua no segmento de infraestrutura para o setor privado, especialmente o de mineração. Alícia Figueiró, vice-presidente corporativa, diz que a empresa investe de 3% a 4% da receita em inovação. A partir de 2019, a companhia passou a estruturar os projetos num tripé que inclui o FEL (metodologia de definição de projeto para controle de riscos), o BIM e o Lean (metodologia de eficiência operacional). “A ideia é combinar as três metodologias para chegarmos à construção virtual de ponta a ponta, em que possamos visualizar todo o projeto da construção antes de iniciar a produção, identificando todos os riscos. No momento em que identificamos o melhor cenário, conseguimos reduções de custos, prazo, resíduos e exposição de pessoas a risco”, diz Figueiró.
São dez pessoas envolvidas na área de inovação, e a empresa tem espelhos desses funcionários em cada área. “Temos feito uso intensivo de equipamentos não tripulados e realidade aumentada com captura de imagens das obras para atualizarmos a nossa medição digitalizada. Agora estamos trabalhando para os clientes aceitarem a medição digital para que possamos ter a construção digital de ponta a ponta”, diz a executiva.
A Concremat, empresa de engenharia consultiva e de projetos de EPC com 60% da carteira de obras no setor privado, foi adquirida em 2017 pela estatal chinesa China Construction Communications Company (CCCC), focada em obras de infraestrutura e forte atuação na área de inovação, com cinco grandes centros de P&D na China. Luiz Fernando Nogueira, CFO & vice-presidente corporativo da Concremat Engenharia, afirma que a construtora investe 1% do faturamento em inovação. Cerca de 150 pessoas estão diretamente envolvidas com o tema.
Diogo Enoque Ferreira, gerente sênior de tecnologia, marca e comunidades, responsável pela área de inovação, diz que a empresa quer adotar gêmeos digitais a partir de 2024 na operação e manutenção para simulações dos empreendimentos. “Agora estamos agregando o conceito de sensoreamento e internet das coisas na construção, seja na etapa de concretagem, de avaliação ou monitoramento dos empreendimentos. Mas o desafio é a conectividade na operação remota. Estamos testando a tecnologia Lora, porque não existe nem 4G nessas localidades e não adianta ter sensoreamento se não for em tempo real”, diz Ferreira.
Outra frente é a de inovação aberta com relacionamento com startups – como a Stant, de fiscalização de obras, e a Intera, para processamento de documentos técnicos –, fundos de fomento e academia, como o Instituto Mauá, a USP e a Unicamp. E desenvolve sistemas como o InfoMap, de acompanhamento de obras lineares de saneamento e energia, e o Siga, para inspeções de ativos.
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