A burocracia envolvida na compra de um imóvel vai muito além da dor de cabeça: se não for bem resolvida, pode travar a transação. Caso seja negligenciada, pode significar perda de dinheiro.
Problemas com a papelada da casa ou processos judiciais contra uma das partes estão entre os principais pesadelos de quem procura um lugar para morar ou investir.
Na maratona rumo à casa própria, o primeiro obstáculo pode surgir já na certidão de ônus reais do imóvel.
O documento deve ter tudo sobre a construção: dados dos proprietários, obras realizadas e se há algum ônus registrado –se a propriedade foi dada como garantia a um financiamento, por exemplo. Nesse caso, o comprador pode perder o imóvel.
"Se houver algo que pese sobre o documento, é melhor a pessoa nem seguir com a compra", afirma Maria Luisa Correia, especialista em direito imobiliário da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
É preciso solicitar ao cartório uma versão atualizada do papel, já que seu prazo de validade é de 30 dias.
Também é importante conferir se todas as intervenções realizadas no imóvel foram registradas na certidão. Essas anotações –um histórico de tudo o que foi feito– são chamadas de averbações.
Foi isso que travou a venda da casa da assistente administrativa Regina Souza, 57, em São Bernardo do Campo (região metropolitana de São Paulo), em 2014.
"Fiz uma reforma em 1990, mas não registrei. Não sabia que precisava fazer isso. Só percebi na hora de vender", diz ela, que demorou um ano e gastou cerca de R$ 3.000 para acertar a papelada. Só agora colocou a casa à venda.
Herança - De acordo com Correia, só é interessante adquirir um imóvel com averbações atrasadas se houver desconto em seu preço de venda, porque o futuro dono terá despesas para regularizá-lo.
Ela afirma que o registro desatualizado nem sempre gera multas. "Mas a prefeitura vai cobrar o IPTU atrasado no futuro."
Irregularidades no pagamento do imposto -seja pela certidão desatualizada ou por inadimplência- podem causar muitos problemas.
"O novo morador herda a dívida e corre o risco de sofrer uma ação de cobrança, que pode resultar na perda do imóvel", diz William Santos Ferreira, especialista em direito imobiliário da PUC-SP.
Para conferir se está tudo em dia, é necessário buscar o número do contribuinte -ou seja, do proprietário- na matrícula do imóvel e checar na prefeitura se há pendências.
Outras orientações importantes são pedir ao síndico do prédio uma declaração de que não há débitos condominiais e verificar se não há contas de água e luz em aberto.
O trabalho de investigação não acaba aí. É preciso averiguar se não existem ações e processos contra os proprietários. "Uma dívida trabalhista pode resultar na penhora da propriedade", diz Correia.
Flávio Prando, da presidência do Secovi-SP (sindicato do setor), diz que são necessárias cerca de dez certidões não só no âmbito trabalhista, mas também em outros, como cível e criminal.
Esses procedimentos são importantes para a segurança da compra e para conseguir crédito imobiliário junto a bancos, destaca Prando.
No financiamento, o imóvel fica alienado no nome da instituição financeira até que a dívida seja quitada.
Antiestresse - Se não dá para evitar estresse durante a transação, ao menos é possível amenizá-lo. "A recomendação é que toda compra seja acompanhada por um advogado especialista", afirma Luiz Fernando Moura, diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias.
Outra opção é recorrer a um despachante imobiliário.
O corretor, por sua vez, tem um papel central no processo de compra e venda do imóvel. "Ele deve proporcionar segurança na transação", afirma José Augusto Neto, presidente do Creci-SP.
De acordo com o Código Civil, os corretores e as imobiliárias devem informar os riscos de um negócio e eventuais alterações de valores. Caso contrário, podem responder judicialmente.
Imobiliárias dispensam fiador - O aluguel de um imóvel costuma ser mais simples e envolver menos burocracias do que a compra. O que pode complicar a transação são as garantias exigidas pelo proprietário.
A modalidade do fiador costuma ser a mais comum. "O problema é que está cada vez mais difícil encontrar alguém que esteja disposto a comprometer seu patrimônio para garantir a dívida do locatário", afirma William Santos Ferreira, especialista em direito imobiliário.
Foi nessa fase que o publicitário Pedro Lindenberg, 26, teve problemas. Ele pediu ao padrasto para ser o fiador de um apartamento em Pinheiros (zona oeste de São Paulo). Porém, na hora de entregar a documentação, viu que havia problemas.
"Não constava no registro do imóvel do meu padrasto que ele havia quitado todas as parcelas da compra da unidade", diz.
A história não teve um final feliz: após dois meses de imbróglio, o proprietário desistiu da proposta.
Reduzir as burocracias e evitar que problemas como esse ocorram é o objetivo de start-ups como a Quinto Andar e a Lokkan.
Pela Quinto Andar, dá para assinar o contrato de locação de forma digital, sem a necessidade de que seja autenticado em cartório. A imobiliária dispensa fiador, oferecendo seguro-fiança grátis aos clientes.
Segundo André Penha, um dos fundadores da empresa, o processo de aluguel dura, em média, três dias pelo site.
Na Lokkan, lançada em agosto de 2016, as etapas da transação também podem ser resolvidas pela internet e o seguro-fiança é igualmente gratuito. A imobiliária ainda disponibiliza R$ 1.200 por ano para o locatário realizar manutenções no imóvel.
Papel Passado - Saiba quais são os principais documentos que devem ser consultados na hora de comprar um imóvel
Garantia - Analise a certidão de ônus reais do imóvel para saber se ele foi dado como garantia a algum financiamento ou se existe alguma outra restrição à transferência do imóvel
Histórico - No mesmo documento, verifique se todas as intervenções realizadas na propriedade, como obras de ampliação, foram registradas. Essas notas, chamadas de averbações, são importantes porque influenciam no valor do IPTU do terreno
Dívidas - Com o número do contribuinte em mãos, cheque no site da prefeitura se existem pendências em relação ao IPTU. Pagamentos em aberto podem sobrar para o futuro morador
Inventário - Cheque se o imóvel tem inventários pendentes. A questão não impede a negociação, mas pode atrasar em alguns meses o registro dos novos proprietários na certidão
Contas - Solicite ao síndico do condomínio uma declaração de que não existem débitos do antigo morador e veja com as concessionárias fornecedoras de energia e de água se todas as contas do imóvel estão em dia
Processos - É fundamental saber se os antigos proprietários respondem a processos que podem recair sobre a residência. Ações trabalhistas, por exemplo, podem resultar na penhora do imóvel
Fontes: Maria Luisa Correia, William Santos Ferreira, advogados; Flávio Prando, da presidência do Secovi-SP; José Augusto Viana Neto, presidente do Creci-SP; Luiz Fernando Moura, diretor da Abrainc.